quarta-feira, 27 de julho de 2022

Exceção Bolar

 

Segundo o artigo 39(3) de TRIPs “os Membros que exijam a apresentação de resultados de testes ou outros dados não divulgados, cuja elaboração envolva esforço considerável, como condição para aprovar a comercialização de produtos farmacêuticos ou de produtos agrícolas químicos que utilizem novas entidades químicas, protegerão esses dados contra seu uso comercial desleal. Ademais, os Membros adotarão providências para impedir que esses dados sejam divulgados, exceto quando necessário para proteger o público, ou quando tenham sido adotadas medidas para assegurar que os dados sejam protegidos contra o uso comercial desleal”.

Segundo Denis Barbosa:[1] “O Acordo TRIPs (art. 39(3)), porém, atribui mesmo às parcelas de informação tornadas públicas pelas exigências da legislação sanitária o status de indisponíveis: os demais possíveis fabricantes de um novo produto, ainda que não haja, para o mesmo, proteção patentária, que ela seja inaplicável ou já tenha expirado, são proibidos pelo Acordo de valer-se dos testes apresentados”.

No EUA pela denominada “exceção Bolar”, é permitido o uso de tais dados de testes por terceiros, após certo prazo (três ou cinco anos).[2, 3] Embora os custos exatos referentes a obtenção de dados de testes de produtos farmacêuticos não sejam conhecidos, o valor é substancial e muito acima da capacidade da maioria de empresas de genéricos em países em desenvolvimento. Desta forma, qualquer tentativa de incluir provisões legais para proteção destes dados, por exemplo na lei de patentes, constitui uma barreira técnica significativa para entrada de genéricos no mercado.[4] A exceção Bolar foi aprovada em painel na OMC (WT/DS114/R de 17 de março de 2000) à luz do Artigo 30 da TRIPs (“Os Membros poderão conceder exceções limitadas aos direitos exclusivos conferidos pela patente, desde que elas não conflitem de forma não razoável com sua exploração normal e não prejudiquem de forma não razoável os interesses legítimos de seu titular, levando em conta os interesses legítimos de terceiros”).[5] Um estudo da OMPI de 2010 mostra que a exceção Bolar é encontrada nas legislações de 48 países, em grande parte se estendendo a atividades para busca de aprovação de fármacos ou produtos medicinais pelas autoridades de saúde regulatórias do país. [6] A Roche era titular de uma patente de medicamento contra insônia cujo princípio ativo era o flurazepam US3299053 o qual foi importado pela Bolar Phamaceuticals, durante o prazo de vigência da patente, para realizar os testes necessários para seu medicamento genérico de modo que pudesse entrar no mercado tão logo a patente expirasse. A Corte considerou essa importação uma violação da patente. O atual 35 USC 271 e(1) permite a dita exceção Bolar de modo que esta situação não seria considerada infração pela legislação atual.[7]

Nos Estados Unidos os titulares de patentes, no entanto, foram compensados com uma modificação na lei, conhecida como The 1984 Drug Price Competition and Patent Term Restoration Act, também conhecido como Hatch-Waxman Act, que permitiu a extensão da vigência de suas patentes, por conta do excessivo tempo necessário para autorização de seus medicamentos pelas autoridades de saúde[8]. As companhias de genéricos por sua vez, pela mesma lei, não teriam mais de submeter aos mesmos testes das empresas fabricantes dos mesmos remédios de marca, bastando estabelecer que o genéricos atendem aos testes de estabilidade e bioequivalência com os de marca[9]. As provisões do Drug Price Competition tiveram como efeito tornar a autorização para comercialização de medicamentos conhecida como ANDA (Abbreviated New Drug Application) disponível para todos os medicamentos uma vez expirada a patente.[10]

No Brasil a Lei nº 10.603/02 regula a proteção, contra o uso comercial desleal, de informações relativas aos resultados de testes ou outros dados não divulgados apresentados às autoridades competentes como condição para aprovar ou manter o registro para a comercialização de produtos farmacêuticos de uso humano e veterinário, fertilizantes, agrotóxicos e afins, conforme dispuser o regulamento. Por esta Lei está prevista a não utilização, durante prazo determinado, pelas autoridades competentes, dos resultados de testes ou outros dados a elas apresentados em favor de terceiros, exceto quando necessário para proteger o público.

A Lei nº 10.196/01 por sua vez confere nova redação ao Artigo 43 inciso VII da LPI que exclui da proteção da patente aos atos praticados por terceiros não autorizados, relacionados à invenção protegida por patente, destinados exclusivamente à produção de informações, dados e resultados de testes, visando a obtenção do registro de comercialização, no Brasil, ou em outro país, para a exploração e comercialização do produto objeto da patente, após a expiração dos prazos estipulados no Artigo 40 da LPI.

Segundo Gabriel Di Blasi: “em síntese a Lei 10.196/01 prevê a utilização desse tipo de informação, por terceiros não autorizados, relacionada a qualquer tipo de invenção patenteada, antes da expiração do prazo de vigência da respectiva patente. Já a Lei 10.603/02 faz distinção se tais informações, decorrentes de dados de testes e estudos clínicos de produtos farmacêuticos de uso veterinário e de outros produtos já mencionados, são ou não relacionadas a uma invenção patenteada. Nesse aspecto, aquelas que não estão relacionadas a invenções patenteáveis só poderá ser disponibilizadas, para a utilização não autorizada, após os prazos dispostos no Artigo 4º da dita Lei. Já as informações relacionadas a invenções protegidas por patentes, exclusivamente aquelas utilizadas para a obtenção de resultados de testes e dados para a obtenção do registro de comercialização, poderão ser utilizadas por terceiros não autorizados antes do término de vigência das respectivas patentes”.[11]

TRIPs no Artigo 39 inova quando possibilita que “Os Membros que exijam a apresentação de resultados de testes ou outros dados não divulgados, cuja elaboração envolva esforço considerável, como condição para aprovar a comercialização de produtos farmacêuticos ou de produtos agrícolas químicos que utilizem novas entidades químicas, protegerão esses dados contra seu uso comercial desleal”. Segundo Denis Barbosa qualquer proteção de dados em excesso à dos parâmetros da leal concorrência – como ocorre no caso da Lei nº 10.603/02, é facultativa perante TRIPs.



[1] BARBOSA, Denis. Uma Introdução à propriedade intelectual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 688.

[2] BARBOSA, Denis. op. cit., p. 691.

[3] GARRISON, Christopher. Exceptions to patent rights in developing countries. UNCTAD, ICTSD Project on IPRs and Sustainable Development Issues paper n.17. http: //www.unctad.org/en/docs/iteipc200612_en.pdf; GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.158

[4] ALAVI, Rokiah. Comments on Intellectual property rights and pharmaceuticals: challenges and opportunities for economic research. In: The economics of intellectual property: suggestions for further research in developing countries and countries with economies in transition, WIPO, 2009, p. 177.

[5] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 335.

[6] WTO, WIPO, WHO. Promoting Access to Medical Technologies and Innovation: Intersections between public health, intellectual property and trade, fevereiro 2013, p.174 http://www.wto.org/english/res_e/publications_e/who-wipo-wto_2013_e.htm

[7] BENSADON, Martin. Derecho de Patentes, Buenos Aires:Abeledo Perrot, 2012, p. 410

[8] GARRISSON, E Christopher . op.cit., p. 13

[9] BARBOSA, Denis. Uma Introdução à propriedade intelectual, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 426.

[10] GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.158

[11] Di BLASI, Gabriel. A propriedade Industrial: os sistemas de marcas, patentes, desenhos industriais e transferência de tecnologia, Rio de Janeiro: Ed. Forense: 2010, p. 259.

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