quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Monitor de sinais fisiológicos no USPTO


Em University of Florida Research Foundation, Inc. v. General Electric Co. (Fed. Cir. 2019) é analisada patente US7062251 referente a método de gerenciamento automatizados de dados fisiológicos que recebe dados de dois monitores de beira de leito e converte os dados recebidos de um formato específico da máquina para um formato independente e apresenta os dados em uma interface gráfica.[1] A patente descreve etapas convencionais de coleta, análise, manipulação e apresentação dos dados de modo a automatizar metodologias que antes eram feitas com lápis e papel no registro dos dados. O fato do computador conferir rapidez aos cálculos e reduzir os erros constituiu a razão de ser de um computador e portanto o pedido revela uma ideia abstrata. Os elementos são descritos em termos “puramente funcionais sem qualquer detalhe técnico para os componentes tangíveis”.



[1] https://www.patentdocs.org/2019/02/university-of-florida-research-foundation-inc-v-general-electric-co-fed-cir-2019.html

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Clonagem e a moral


Segundo as Diretrizes de Exame de Biotecnologia do INPI de 2015 no item 4.3.1 admite-se a possibilidade de se recusar patentes em invenções de biotecnologia com base em questões morais e de ordem pública, como por exemplo processos de clonagem do ser humano, processos de modificação do genoma humano que ocasionem a modificação da identidade genérica de células germinativas humanas e processos envolvendo animais que ocasionem sofrimento aos mesmos sem que nenhum benefício médico substancial para o ser humano ou animal resulte de tais processos. Segundo a Diretriz: “Em reivindicações de processo para clonagem de células de mamífero, entende-se que o termo “mamífero” inclui "seres humanos”. Assim, tal reivindicação poderia ser prejudicial à moral, ordem e a saúde pública, e, portanto, violaria o art. 18 (I) da LPI. Nesse caso, a exclusão dos mamíferos humanos do escopo de proteção seria uma limitação negativa (disclaimer) aceitável, mesmo se os seres humanos não estiverem excluídos no relatório descritivo original”.

A Lei de Biossegurança - a Lei n.º 11.105, de 24 de março de 2005 - tornou-se um marco na pesquisa médica brasileira, pois autoriza, para fins de pesquisa e de terapia, a utilização de células-tronco embrionárias, obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro. Antes da edição da Lei de Biossegurança, só eram permitidas a pesquisa e a utilização de células-tronco maduras, que são aquelas provenientes do cordão umbilical e da medula óssea e que possuem menor capacidade de formar tecidos humanos do que aquelas embrionárias. No entanto, de acordo com a nova Lei, a utilização de células-tronco embrionárias será permitida somente com o consentimento dos genitores e se restringindo a embriões inviáveis ou congelados há pelo menos três anos[1]. A Lei de biosegurança n°11105 de 24.03.2005[2] em seu artigo 6 inciso VII estabelece que fica proibido o patenteamento de tecnologias genéticas. O PI0412484 referente a variedade transgênica com alteração genética que induza à infertilidade da planta foi indeferida com base no artigo 18 inciso I da LPI e no artigo 6° inciso VII da Lei de Biossegurança.[3]

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1997 em seu artigo 11 estabelece que “não serão permitidas práicas contrárias á dignidade humana, tais como clonagem reprodutiva de seres humanos”.[4] Leo Pessini observa que “as manipulações genéticas em células germitinativas tem sido proibidas por todos os comitês de ética, em todos os países do mundo”.[5]

As células-tronco embrionárias humanas são mencionadas no art. 5° da Lei de Biossegurança n° 11.105/2005, que dispõe no § 3° é vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei n° 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. A Lei de Biossegurança considera no artigo 6° crime a clonagem humana, de modo que fica proibida a manipulação genética em óvulos, espermatozoides e embriões humanos bem com técnicas de clonagem para produzir embriões humanos, seja para obter células tronco (clonagem terapêutica) seja para produzir um ser humano (clonagem reprodutiva). [6]Segundo Diretriz de Exame  de Biotecnologia apresentada em Consulta Pública em janeiro de 2019: “Em resposta à consulta efetuada pela CGPAT II sobre a aplicação da Lei de Biossegurança aos pedidos de patentes com processos ou composições envolvendo células-tronco embrionárias humanas, a Procuradoria Federal Especializada junto ao INPI manifestou-se, por meio do Parecer nº 00037/2018/PROCGAB/PFEINPI/PGF/AGU, apontando que não identifica óbice legal ao patenteamento de produtos, processos de obtenção e aplicação de células-tronco embrionárias humanas. A Procuradoria esclareceu que as condições dispostas no art. 5º para fins de pesquisa e terapia não existem em igual medida para o patenteamento; e que a vedação de comercialização contida no art. 5º, § 3º, da Lei de Biossegurança não se estende ao patenteamento, pois comercialização e patenteamento são atividades distintas”.

A Congregação para a Doutrina da Fé da Igreja católica publicou em 1987 a Donnun Vitae que trata da instrução sobre o respeito à vida humana nascente e a dignidade da procriação bem como a Carta dos direitos da família, publicada pela Santa Sé, reafirmam: “A vida humana deve ser respeitada e protegida de modo absoluto, desde o momento da concepção”. Segundo o documento Donnun Vitae: “Uma intervenção estritamente terapêutica que se proponha como objetivo a cura de diversas doenças, como as que se devem a defeitos cromossômicos, como regra geral deve ser considerada desejável, suposto que tenda a realizar a verdadeira promoção do bem-estar pessoal do indivíduo, sem prejudicar a sua integridade ou deteriorar as suas condições de vida. Uma tal intervenção, de fato, insere-se na lógica da tradição moral cristã. A pesquisa médica deve abster-se de intervenções em embriões vivos, a menos que haja a certeza moral de não causar dano nem à vida nem à integridade do nascituro e da mãe e contanto que os pais tenham consentido na intervenção, de modo livre e informado. Disso segue-se que qualquer pesquisa, ainda que limitada à mera observação do embrião, tornar-se-ia ilícita sempre que, por causa dos métodos empregados ou pelos efeitos produzidos, implicasse um risco para a integridade física ou para a vida do embrião [...] Se estão vivos, viáveis ou não, eles devem ser respeitados como todas as pessoas humanas; a experimentação não diretamente terapêutica com embriões é ilícita. Nenhuma finalidade, ainda que nobre em si mesma, como a previsão de utilidade para a ciência, para outros seres humanos ou para a sociedade, pode, de modo algum, justificar a experimentação em embriões ou fetos humanos vivos, viáveis ou não, no seio materno ou fora dele”.[7]

Em 2009, o INPI divulgou em seu site, no número 19 da publicação "Alerta Tecnológico"[8] um relatório com os pedidos de patente sobre células-tronco publicados no mundo. Dentre os pedidos 381 possuem como país de prioridade os Estados Unidos. Em segundo lugar, aparece o Japão, com 70 pedidos. O relatório aponta apenas 2 pedidos com prioridade brasileira. Por ser tecnologia recente, a maioria dos pedidos de patente relacionados a células-tronco depositados e publicados no País ainda não teve seu exame de mérito concluído.


[1] JORNAL VALOR ECONÔMICO DATA: 27/06/2005 ON LINE As células-tronco e as patentes no Brasil Por Alice Rayol e Igor Simões
[2] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11105.htm
[3] MAGALHÃES, Ari. Manual prático de patentes, São Paulo:Schoba, 2016, p.39
[4] PESSINI, Leo; BARCHIFONTAINE, Christian. Problemas atuais de bioética, São Paulo:Centro Universitário São Camilo, Edições Loyola, 2008, p.387
[5] PESSINI, Leo; BARCHIFONTAINE, Christian. Problemas atuais de bioética, São Paulo:Centro Universitário São Camilo, Edições Loyola, 2008, p.381
[6] PESSINI, Leo; BARCHIFONTAINE, Christian. Problemas atuais de bioética, São Paulo:Centro Universitário São Camilo, Edições Loyola, 2008, p.404
[7] http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19870222_respect-for-human-life_po.html
[8] http://www.inpi.gov.br/menu-esquerdo/informacao/alerta-tecnologico-1.html

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Uma regra da EPC pode violar a EPC ?


Em junho de 2013 a EPO concedeu a patente EP1597965 para a empresa Monsanto para o brócolis derivado do melhoramento convencional, derivadas de cruzamentos e seleção natural. A patente abrange a planta, as sementes e a cabeça de brócolis cortada. O grupo “Não às patentes de sementes” que inclui entidades da Europa tais como o Greenpeace estão solicitando uma revisão da lei de patentes européia para exclusão de patenteabilidade do material de reprodução das plantas e animais e os alimentos derivados dos mesmos. [1] O Enlarged Boards of Appeal G2/12 (Brocoli II) e G2/13 (Tomato II) sobre patentes de produto para brócolis e tomate modificados, concluiu que se o produto é novo, não importa se o processo para sua fabricação é excluído como essencialmente biológico.[2] Tomates modificados, por exemplo, foram desenvolvidos na década de 1970 na Universidade da California que garantem um produto mais robusto que permite o uso de colheitadeiras especiais que desta forma conseguem colher os tomates em uma só passada por canteiros dispostos em linha reta cortando as plantas e balançando os galhos para soltar os frutos. [3] Em julho de 2017 o Administrative Council of the European Patent Office (EPO) emendou as Regras 27[4] e 28[5] da EPC para que animais e plantas obtidos exclusivamente a partir de processos essencialmente biológicos sejam excluídos de patenteabilidade alinhando-se o artigo 53(b) da EPC com o artigo 4(1)(b) da Diretriz de Biotecnologia da Comunidade Europeia. Segundo a Regra 28(2) “Under Article 53(b), European patents shall not be granted in respect of plants or animals exclusively obtained by means of an essentially biological process”. Segundo o artigo 53(b) “plant or animal varieties or essentially biological processes for the production of plants or animals; this provision shall not apply to microbiological processes or the products thereof.” Em G2/12 e G2/13 que discutiu a patenteabilidade de tomates e brócolis o Enlarged Boards of Appeal adotou conclusão que divergia do entendimento da Diretiva de Biotecnologia da Comunidade Europeia além de estar em contradição com as legislações nacionais de alguns países membros como França, Alemanha, Itália e Holanda que excluíam de patenteabilidade os produtos produzidos por processos essencialmente biológicos. Segundo Florica Russ persiste a dúvida sobre quais matérias podem ter patente concedida por estarem fora da exclusão do artigo 53(b) da EPC. Técnicas modernas de reprodução são baseadas em métodos tradicionais de reprodução, considerados previsíveis e, portanto, de natureza técnica, de modo que não está claro caso um processo atinja resultados iguais, se há alguma diferença para sua patenteabilidade se este processo ocorrer naturalmente ou por meio de intervenção humana. [6] T1063/18 conclui que a Regra 28(2) da EPC tornou-se na prática nula diante das decisões em G2/12 e G2/13 e que o EPO Administrative Council ao redigir tais regras não tem o poder para emendar a EPC usando uma Regra estando o Boards of Appeal vinculado ás decisões do Enlarged Boards of Appeal.[7]



[1] http://operamundi.uol.com.br/conteudo/babel/30049/monsanto+consigue+la+patente+del+brocoli.shtml http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI340723-17770,00-MONSANTO+CONSEGUE+A+PATENTE+DO+BROCOLIS.html
[2] http://www.wipo.int/edocs/mdocs/scp/en/scp_15/scp_15_3-annex3.pdf
[3] MARQUES, Ivan. O Brasil e a abertura dos mercados : o trabalho em questão, Rio de Janeiro:Contraponto, 2002, p.27
[4] Rule 27 Patentable biotechnological inventions Art. 52 Biotechnological inventions shall also be patentable if they concern: (b) without prejudice to Rule 28, paragraph 2, plants or animals if the technical feasibility of the invention is not confined to a particular plant or animal variety;
[5] Rule 28 Exceptions to patentability (2) Under Article 53(b), European patents shall not be granted in respect of plants or animals exclusively obtained by means of an essentially biological process.
[6] http://ipkitten.blogspot.com.br/2017/07/more-on-broccoli-tomatoes-and.html
[7] http://ipkitten.blogspot.com/2018/12/breaking-tba-decides-that-rule-282-epc.html

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Defesa Gillette em contrafação


A Corte Federal de Justiça da Alemanha BGH  em Formstein ZR28/25 [1986] GRUR 11, 803 [BGH] e [1991] RPC 597 estabeleceu que o meio substituído deve produzir o mesmo efeito técnico que o meio especificado nas reivindicações (mesmo efeito). O técnico no assunto deve ser capaz de concluir, sem considerações consideradas inventivas, que esta substituição atinge a mesma função (obviedade) e por fim ele deve considerar esta variante como uma solução equivalente (equivalência). Esta decisão embora não formalmente adotada pela EPC é considerada uma contribuição importante para o esclarecimento da questão da contrafação[1]. A contrafação se estabele desta forma: (i) quando a matéria se enquadra no sentido literal das reivindicações,, (ii) quando a matéria se enquadra no elementos literais e equivalentes diretos (glatte aequivalente), por exemplo ao substituir um prego por um parafuso, ou (iii) quando a matéria se enquadra na mesmo conceito inventivo, o que pode incluir elementos considerados não equivalentes diretos da reivindicação (nicht glatte aequivalente).[2] Segundo a chamada objeção Formstein um réu de contrafação pode alegar em sua defesa que a implementação impugnada como equivalente não é uma invenção patenteada, mas ao invés disso, óbvia em relação ao estado da técnica pelo técnico no assunto e desta forma não deveria ser considerada como contrafação da patente.[3] O acusado de contrafação se conseguir mostrar que seu produto é uma variação óbvia do estado da técnica, à época do depósito da patente em questão, não estará em contrafação. [4]Assim segundo o critério em Formstein a implementação modificada não é considerada contração por equivalência se esta modificação for considerada óbvia no estado da técnica para o técnico no assunto.[5] Esta mesma conclusão também é observada nos Estados Unidos em Wilson Sporting Goods v. David Geoffrey & Assoc[6] e na Inglaterra em Gillette Safety Razor v. Anglo American Trading (1913) 30 RPC 465 (House of Lords) conhecida como “defesa Gillette[7] re confirmada em Merrell Dow Pharmaceutical Inc v H. N. Norton & Co Ltd [1996] RPC 76. No entanto desde a decisão Actavis v Eli Lilly ([2017] UKSC 48) na Inglaterra o futuro da chamada defesa Gillette tem estado em aberto, ouo seja pode uma patente ser inventiva em relação a D1 ainda que D1 esteja dentro do escopo de proteção desta patente ? Em Technetix Group v. Teleteste [2019] EWHC 126 (IPEC) a Corte analisa a patente GB2382473 referente a receptor de Tv a cabo ou sinal de internet em que conclui pela falta de novidade em relação a D1. A Teleste acusada de contrafação alegou em sua defesa que “se um produto é acusado de estar dentro do escopo da reivindicação 1 da patente, ele pode alegar em defesa que o produto não tem novidade nem atividade inventiva diante do estado da técnica”. O juiz HHJ Hacon, contudo, observou que “na prática moderna estritamente falando esta não é uma defesa automática em casos de contrafação”. O juiz conclui que o produto da Teleste não está dentro do escopo da reivindicação 1 de um modo literal ms incide no escopo desta reivindicação segundo a doutrina de equivalentes. Baseado no laudo pericial foi decidido que, ao mesmo tempo, o produto da Teleste não foi considerado inventivo em relação ao conhecimento geral comum. [8]


[1] STAUDER, Dieter; SINGER, Margareth; European Patente Convention: a commentary.  Thomson:Cologne, 2003, p. 247
[2] GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.425
[3] STAUDER, Dieter; SINGER, Margareth; European Patente Convention: a commentary.  Thomson:Cologne, 2003, p. 247
[4] FRANZOSI, Mario. Non-Obviousness, The Journal of World Intellectual Property, v.6, n.2, March 2003, p.245
[5] BAECHTOLD, Robert. The intellectual property review. Law Business Research:Londres, 2014, p.101
[6] 904 F.2d 677, USPQ 2d 1942 (Fed. Cir. 1990)
[7] GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.438; CORNISH, William, LLEWELYN, David. Intellectual property: patents, copyright, trademarks and allied rights. London: Sweet&Maxwell, 2007. p. 172
[8] http://ipkitten.blogspot.com/2019/02/formstein-defence-in-uk-technetix-bv-et.html

Método de diagnóstico nos Estados Unidos


Em Athena Diagnostics, v. Mayo Collaborative Servs. (Fed. Cir. 2019) foi analisada a patente US7267820 referente a método de diagnóstico de desordens neurológicas baseado na descoberta que 20% dos pacientes com a desordem neurológica conhecida como myasthenia gravis (MG) geram autoanticorpos para uma membrana proteica chamada MuSK. Ate esta descoberta nenhuma doença estava associada a esta proteína. A reivindicação pleiteia método de diagnóstico de desordens neurológicas que compreende a etapa de detectar a presença de anticorpos MuSK. Aplicando as regras da Suprema Corte definidas em Mayou v. Prometheus e Alice v. CLS Bank, a Corte considerou que a reivindicação está direcionada a uma lei da natureza na medida que estabelece uma correlação entre a presença de anticorpos MuSK naturalmente presentes no fluido corporal e a doença neurológica e que usa técnicas convencionais (etapas de iodinação, imunoprecipitação e radioimunoensaios) como etapas adicionais de coleta e análise das amostras. A Corte considerou em uma segunda etapa do exame que o método não possui conceito inventivo suficiente para transformar uma lei da natureza em matéria patenteável.[1]



[1] http://www.ipwatchdog.com/2019/02/17/cafc-affirms-athenas-diagnostic-method-claims-patent-ineligible-section-101/id=106419/

domingo, 17 de fevereiro de 2019

Rui Barbosa e as patentes


Em 1880 ainda sob a vigência da lei de 1830 o Conselheiro G. Capanema solicitou patente para um processo de fabricação de sulfureto de carbono que foi objeto de discussão na Câmara no mesmo ano. Combatendo a concessão Rui Barbosa declarava-se “intransigentemente hostil a toda a espécie de medidas tendentes a assegurar à indústria, ao trabalho, outra proteção que não seja a da liberdade, a do direito comum, a única legítima, a única razoável, e com que exclusivamente deve contar o trabalho nacional”. [1] Em 1899 ao comentar sobre a chegada da indústria elétrica e aos contratos de exclusividade das empresas estrangeiras que exploravam tais serviços Rui Barbosa comenta: “as conquistas da civilização não são propriedade de ninguém, elas pertencem ao mundo civilizado, exceto aqueles direitos, criados e protegidos por lei, para o benefício de inventores, aperfeiçoadores e iniciadores”.[2] Rui Barbosa foi o advogado da Rio de Janeiro Light.


[1] Annaes do parlamento Brasileiro. Câmara dos Srs Deputados, Terceiro Anno da Décima Sétima Legislatura, Sessão de 1880, Rio de Janeiro, 1880, IV, 432, cf. LUZ, Nícia Vilela. A luta pepla industrialização do Brasil, São Paulo:Alfa Ômega, 1975, p.46
[2] McDOWALL, Duncan. A história da empresa que modernizou o Brasil, Rio de Janeiro:Ediouro, 2008, p. 185

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Regra de jogo no USPTO


Nos Estados Unidos em 2016 em In re Smith foi analisada uma variação do jogo de cartas blackjack (vinte e um) em que o Federal Circuit conclui tratar-se de ideia abstrata de conduzir um jogo de apostas que utiliza um conjunto padrão de cartas, o que é comparável a uma “prática econômica fundamental” da mesma forma abstrata. A Corte entendeu que não existe qualquer conceito inventivo em embaralhar e separar cartas físicas. A decisão confirma o entendimento do PTAB.  Segundo o PTAB: “embaralhar e distribuir um conjunto de cartas é algo convencional na técnica de jogo e [...] não acrescenta nada considerado suficiente para as reivindicações”. No entanto o PTAB havia aceito a reivindicação 21 que descrevia o mesmo método executado em um computador, ou seja, para o USPTO o método executado sobre cartas físicas é entendido como ideias abstrata, mas não quando executado em um computador. A Corte observou que caso o jogo de cartas apresentasse um conjunto novo e original de cartas, poderia ser objeto de patente. [1] Para o Federal Circuit: “meramente mencionar a implementação por computador se enquadra no conceito definido em Alice, embaralhar e distribuir cartas são atividades puramente convencionais não patenteáveis”. No entanto, o Federal observa, por outro lado, que “podemos visualizar, por exemplo, reivindicações para conduzir um jogo usando um conjunto original de cartas potencialmente possa sobreviver o critério de patenteabilidade”. [2]

Em In re Marco Guldenaar Holding B.V. (Fed. Cir. 2018) foi analisado pedido que reivindica método de jogo de dados que compreende um conjunto de dados, com um primeiro, segundo e terceiro dado em que apenas uma única face do primeiro dado tem uma primeira marcação, em que duas faces do segundo dado tem a mesma marcação e três faces do terceiro dado tem a mesma marcação, de modo que ao se lançar os dados é identificada uma dada combinação de faces de modo que um pagamento é feito caso de feita uma aposta. Segundo a Corte regras de jogo per se não necessariamente são inelegíveis, podendo ser patenteável caso as reivindicações contém um conceito inventivo suficiente capaz de transformar a ideia abstrata em algo patenteável. No caso, contudo, as etapas descritas na reivindicação de fazer uma aposta e rolar dados são consideradas puramente convencionais e insuficientes para descrever algo inventivo. O depositante alegou que o lançamento de dados não pode ser considerado algo abstrato, mas a Corte discordou e considerou que a exceção de ideias abstratas não se limita somente quando a reivindicação compreende etapas que envolvem aspectos físicos versus aspectos mentais, pois a Suprema Corte considerou que mesmo métodos que envolveu agentes físicos podem ser enquadrados como criações abstratas. [3]

Em Ex parte Milder (PTAB 2018) o USPTO considerou patenteável uma reivindicação de método de jogo de dados em que são usados poliedros cada qual com uma face de cores diferentes e em que as apostas são feitas em função das possíveis combinações de cores alcançadas após o lançamento dos dados e que inclui uma mesa com as representações dos possíveis resultados de combinações e prêmios respectivos. O USPTO considerou que a utilização de cores não padrão bem como formas geométrica dos dados é suficiente para afastar o método de ideia abstrata e entendeu que existe uma relação funcional entre os índices de cores e as respectivas faces dos dados com o resultado do jogo. [4]



[1] RAMAGE, Edward. Card game too abstract to be patentable, 23/03/2016 http://www.iam-media.com/
[2] Can’t Beat the House: Card Game Rules Are Patent Ineligible Under Alice, 28/04/2016, www.lexology.com
[3] https://www.patentdocs.org/2018/12/in-re-marco-guldenaar-holding-bv-fed-cir-2018.html
[4] https://www.patentdocs.org/2019/01/ex-parte-milder-ptab-2018.html

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Automação como ideia abstrata (USPTO)

O guia de exame do USPTO menciona dois exemplos de aplicação dos critérios de patenteabilidade. A primeira reivindicação trata de "Método de estabelecimento de comunicações criptográfica entre um primeiro terminal e um segundo terminal que compreende receber um texto no primeiro computador, transformar este texto em uma ou mais mensagens de bloco MA, codificar cada mensagem de bloco MA para produzir um sinal cifrado CA em que Ca = MA e(mod n) em que n é um numero composto na forma n = p*q sendo p, q números primos e transmitir o sinal cifrado CA ao segundo computador. A reivindicação menciona uma fórmula matemática, porém a combinação de elementos adicionais usa a fórmula matemática em um modo específico que limita suficientemente o uso de tais conceitos matemáticos a aplicação prática de transmissão de um texto cifrado para um computador a partir de uma rede de comunicações de modo que duas pessoas que não se conhecem e não compartilham uma chave privada comum entre si podem estabelecer uma comunicação segura que é baseada na dificuldade de se fatorar números primos. A reivindicação é, portanto, patenteável.

Uma segunda reivindicação trata de método que compreende o armazenamento de informação médica em formato padronizado em um ambiente em rede tendo uma coleção de registros médicos, prover a usuários remotos a possibilidade de atualização destas informações relativas a condição do paciente em tempo real através de uma interface gráfica, converter a informação não padronizada inserida pelo usuário em um formato padronizado e respectivo armazenamento e transmissão dessa mesma em rede. A reivindicação trata de um método para organizar a atividade humana, portanto o método descreve uma ideia abstrata. Os elementos adicionais constituem um aperfeiçoamento dos sistemas conhecidos do estado da técnica na medida em que permite usuários remotos compartilharem informações padronizadas independente do formato que o usuário insere os dados, de modo que a reivindicação é patenteável. Uma reivindicação similar que não mencionasse o diferencial de conversão de formato não padronizado em padronizado, por outro lado, seria enquadrada como ideia abstrata por tratar de sistema automatizado de troca de informações de registros médicos em rede,. A simples implementação desta ideia abstrata em um computador genérico não constitui uma aplicação prática de uma ideia abstrata.[1]

[1] https://www.patentdocs.org/2019/01/uspto-on-patent-eligibility-examples-41-and-42.html

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Venda comercial com detalhes técnicos em sigilo constitui anterioridade


Segundo MPEP § 2128 para que um documento se encontre como anterioridade do tipo “printed publication” é necessária a comprovação da acessibilidade pública deste documento. Com o American Inventor Act (AIA) em 2011 o parágrafo 102 do 35 USC recebeu nova redação[1]: “uma pessoa terá direito a uma patente a menos que a invenção reivindicada tenha sido patenteada, descrita em uma publicação impressa, ou em uso público, disposta à venda, ou de outra forma tenha sido disponibilizada ao público antes da data efetiva de depósito da invenção reivindicada”. Para Dennis Crouch a referência à matéria patenteada parece redundante uma vez que em geral uma patente necessariamente é publicada, salvo se, por exemplo, um país estrangeiro conceder patentes em sigilo, sem publicação. Toshiko Takenaka também se refere à redundância da legislação quando a sessão 102(a) se refere à documentos patenteados e publicações impressas, uma vez que todo documento patenteado é uma publicação impressa[2]. A nova seção 102(a)(1) se refere a divulgações, vendas ou uso público em sentido amplo, em qualquer parte do mundo. Pela redação anterior (pré AIA) a divulgação feita no exterior somente era reconhecida se feita de forma documental. O uso público era reconhecido como anterioridade para fins de novidade apenas se feito dentro do território dos Estados Unidos.[3] David Bassett observa que na seção 102 pre-AIA o Federal Circuit aplicava a restrição on sale bar mesmo se a atividade comercial ocorrer em segredo[4]. O AIA por sua acrescenta a cláusula “otherwise available to the public[5] ao 35 USC 102 a(1) o que implica a necessidade da disponibilização ao público, o que significa que menos documentos se qualificam como anterioridades válidas, embora segundo David Basset este entendimento deva ser confirmado pelo Federal Circuit.[6] A Suprema Corte em 2019 em decisão em Helsinn Healthcare S.A: v. TEVA Pharmaceuticals. A Helsinn é titular de patente e moveu ação contra a fabricante de genéricos Teva. A Helsinn havia feito um contrato de licenciamento, com cláusula de confidencialidade com a empresa MGI Pharma mais de um ano antes do depósito da patente (fora do período de graça), sem, contudo, que o conteúdo técnico fosse revelado ao público. A Teva alegou que por ter disponibilizado à venda a invenção antes do depósito a patente não tinha novidade segundo a restrição “on sale bar” (35 US 102). A Suprema Corte confirmou esse entendimento já manifestado no Federal Circuit (855 F. 3d 1356, 1360 (2017)) de que a restrição de “on sale bar” se aplicava neste caso uma vez que “se a existência da venda é pública, os detalhes da invenção (ainda que mantidos sob sigilo) não precisam ser revelados publicamente”.[7]


[1] A person shall be entitled to a patent unless a the claimed invention was patented, described in a printed publication, or in public use, on sale, or otherwise available to the public before the effective filing date of the claimed invention http://www.patentlyo.com/patent/2011/09/35-usc-102-newly-amended-by-the-leahy-smith-america-invents-act-of-2011.html
[2] TAKENAKA, T., The novelty and priority provision under the United States first-to-file principle: a comparative law perspective. In: TAKENAKA, Toshiko. Patent law and theory: a handbook of contemporary research,Cheltenham:Edward Elgar, 2008, p.388
[3] MILLER, Arthur; DAVIES, Michel. Intellectual property: patents, trademarks and copyright in a nutshell, West Pub.1990,p.42
[4] Special Devices, Inc. v. OEA, Inc., 270 F.3d 1353, 1357 (Fed. Cir. 2001)
[5] 35 USC 102 a (1) [a] person shall be entitled to a patent unless — (1) the claimed invention was patented, described in a printed publication, or in public use, on sale, or otherwise available to the public before the effective filing date of the claimed invention https://www.uspto.gov/web/offices/pac/mpep/s2152.html
[6] BASSETT, David; DUH, Christine. Prior Art: When On Sale Is Not 'On Sale', Law360, New York 02/06/2016 www.lexology.com
[7] http://ipkitten.blogspot.com/2019/01/the-novelty-of-on-sale-inventions-under.html

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Patente de videogame na EPO

Em T717/05 foi avaliado um sistema de recompensas progressivas em um jogo. A Câmara de Recursos considerou que as regras de jogo estão envolvidas apenas na etapa referente a determinação do prêmio como dependente dos eventos com crédito e sem crédito e não com relação as etapas de monitoração e apresentação de tais prêmios. A apresentação dos resultados dos jogos anteriores informa ao jogador do estado interno do aparelho de jogo e o modo com que ele se comporta na ocorrência de um resultado adicional e nesse sentido tal como exibir o estado interno de um aparelho em um campo mais clássico, tal como a apresentação e temperatura de uma máquina de combustão interna ou a pressão de uma autoclave. A regra de jogo por sua vez não requer a apresentação de qualquer dado.[1] A apresentação dos resultados de jogos passados possui um conteúdo cognitivo que é transmitido ao jogador. O jogo desta forma não se comporta como substrato passivo tal como papel ou um meio magnético, mas ao invés disso, ele determina ativamente a informação a ser exibida em resposta ás decisões do jogador e resultados aleatórios. A situação seria diferentes caso a informação a ser exibida fosse fixa como em um painel de propaganda. A Câmara considerou a etapa de monitoração dos resultados de jogos anteriores e a apresentação destes dados como um aspecto técnico não excluído de patenteabilidade, na medida em que não se refere a regra de jogo ou a apresentação de informação em si.[2] O fato do jogo ter como objetivo a diversão do jogador, como propósito psicológico, não descaracteriza o fato da invenção reivindicar características técnicas.


[1] STEINBRENER, Stefan. Patentable subject matter under Article 52(2) and (3) EPC: a whitelist of positive cases from the EPO Boards of Appeal—Part 1. Journal of Intellectual Property Law & Practice, 2018, Vol. 13, No. 1, p. 28
[2] STEINBRENER, Stefan. Patentable subject matter under Article 52(2) and (3) EPC: a whitelist of positive cases from the EPO Boards of Appeal—Part 2. Journal of Intellectual Property Law & Practice, 2018, Vol. 13, No. 2, p. 119