quinta-feira, 27 de março de 2014

O que Microsoft e HP pensam das patentes de sofwtare

Em sua manifestação de subsídios (amicus curiae) para a decisão em CLS da Suprema Corte, a Microsoft e HP argumentam que executar uma idea não patenteável em um computador de uso geral não torna tal ideia patenteável. Esta conclusão contudo não deve significar um risco para as invenções implementadas por computador. Computador de todos os tipos baseiam sua operação na mesma atividade física: transformar milhões de transistores minúsculos segundo sequência de acionamentos e desligamentos desejados. É o software que define o operação de tais transistores. Desta forma, controlando o acionamento de tais transistores um software pode permitir um computador de uso geral a funcionar como uma câmera, um telefone, um videoplayer, um jogo e muito mais. Estes avaços digitais são os herdeiros de predecessores mecânicos do passado, eles não são menos inovativos, eles servem ao mesma prática função em fazer avançar o estado da técnica. O fato dele tomarem a forma de um processo implementado por software que reconfigura transistores ao invés de modificar a estrutura física de uma máquina, não os torna menos patenteáveis.
A evolução tecnológica das máquinas de escrever ao processadores de texto atuais ilustra este aspecto. Na época de Christopher Sholes as máquinas de escrever eram puramente mecânicas (US79265). Aperfeiçoamentos permitiam, por exemplo, imprimir em maíusculas utilizando a mesma grade que sustentava as hastes de caracteres utilizando-se de diferentes mecanismos para se atingir este fim (US202923, US551842, US564699).  Na década de 1930 foram incorporados motores elétricos para aumentar a velocidade de digitação (US1940155, US2063530)[1]. Na década de 1970 a tecnologia digital surge com a impressoras como a Lexitron dotada de monitor, memória, processador e teclado (US3810107), funcionalidades como o chaveamento de letras maiúsculas e minúsculas e espaçamento de caracteres antes alcançadas de forma mecânica passaram a ser determinadas por software (US3654609). A tecnlogia permitiu a construção dos primeiros corretores ortográficos (US4859091), função nunca antes alcançadas mecanicamente.atualmente estes software são executados em computadores de uso geral ao invés de máquinas customizadas para função de edição de texto (US5787451, US5761689, US6405225, US7340675). O mesmo fenômeno ocorre em outras tecnologias. A fabricação de automóveis introduziu os primeiros robôs na década de 1960 em uma fábrica da GM e atualmente máquinas controladas por software executam tarefas como solda, pintura e controle de qualidade a ponto dos carros atuais poderem ser descritos como “computadores sob rodas”, uma vez que sensores e processadores compreendem sua “coluna vertebral”. Motores, transmissão, freios, airbags e mesmo o acionamento dos vidros são equipados com eletrônica inteligente de bordo. Sistemas de controle de estabilidade controlados por software monitoram cada roda e fazem os devidos ajustes para maximizar a tração. O software fornece a infraestrutura da economia da informação dos tempos atuais.
A patente de Alice refere-se a um método financeiro do tipo que a Suprema Corte considerou como não patenteável em Bilski. Embora a patente seja implementada por software a mesma não se refere a qualquer avanço na computação, software ou qualquer outra technologia (while some of petitioner’s claims refer to a computer or computer implemented , none relates to na advance in computing, software, or any other technology). Tais tipos de reivindicações envolvem processos em campos não tecnológicos, tal como finanças e negócios. Porque tais reivindicações se referem a conceitos intangíveis sobre a organização do comportamento humano e transações, elas incidem na exceção de ideia abstrata da seção 101. O ato de ser implementada usando um computador não é por si só suficiente para transformar uma ideia abstrata não patenteável em patenteável (The fact that a business-method claim may also instruct that the concept be implemented using a computer is not itself sufficient “to transform an unpatentable [abstract idea] into a patent-eligible application of such [an abstract idea]). As conexões com um computador neste caso são incidentais.
Para invenções implementadas por computador capazes de novas funcionalidades, ou de outra forma, que produzam um efeito técnico  que contribua para a utilidade do computador não devem ser provadas de proteção (True computer-implemented inventions—those that are inherently connected to computer technology, enable new functionality, or otherwise produce a technical effect. contributing to the utility of the computer—should not run afoul of that prohibition). Quando uma patente de software descreve uma aplicação prática como parte de um processo que produz um efeito tecnológico ou resultado útil em um computador, por exemplo, criptografia, compressão de dados, maior velocidade de processamento – este pode ser patenteável. A mesma lógica de considerar o pedido de Alice como ideia abstrata também é aplicada na análise das reivindicações de suporte de mídia lida por computador e de sistema. Nenhuma destas reivindicações descreve uma inovação tecnológica seja na forma de hardware ou na forma de software que a permite executar tais funções e tal como a Suprema Corte afirmou no caso Flook, não se pode exaltar a forma sobre a substância. Isto não significa que as Cortes devam isolar aquilo que elas percebem como o “coração” ou “essencial” da reivindicação e perguntar se isto é uma ideia abstrata. Ao invés disso a Corte deve considerar a combinação de elementos como um todo para garantir que tal reivindicação representa algo significativamente mais do que uma ideia abstrata. Não se deve buscar o conceito subjacente de uma reivindicação divorciado do contexto da reivindicação.  




[1] http://www.03.ibm.com/ibm/history/exhibits/modelb/modelb_history.html

Embraco: exemplo do uso de patentes

A Embraco é um exemplo de empresa que inicialmente absorvendo tecnologia estrangeira (o primeiro compressor, um PW com tecnologia da empresa dinamarquesa Danfoss) acabou desenvolvendo tecnologia própria e é hoje detentora de dezenas de patentes. Com fábricas no Brasil, Itália, China e Eslováquia seus produtos abastecem 25% do mercado mundial de compressores para refrigeração. 


O VCC, merecedor do prêmio FINEP 2001 de Inovação Tecnológica, foi integralmente desenvolvido por profissionais da EMBRACO, é um compressor controlado eletronicamente, que varia sua capacidade de refrigeração em função da rotação de seu motor, permitindo redução de até 40% do consumo de energia de refrigeradores e freezers. Com o sistema VCC (PI9601535, PI9301879), compressor de capacidade variável, desenvolvido pela Embraco em 1996, consegue-se um método de controle da velocidade de operação de um compressor hermético, apresentando motor de velocidade variável, para manter a temperatura do ambiente sob refrigeração dentro de um intervalo de temperaturas previamente definido, sem necessitar submeter o motor compressor a operações contínuas de liga e desliga e sem utilizar circuitos eletrônicos complexos para tratamento do sinal de realimentação. 


Segundo Marcos Guilherme Schwarz, gerente geral da unidade de negócios EECON (Embraco Electronic Contols) as invenções surgiram da busca de soluções para problemas práticos: “Meu perfil pessoal é de transitar entre uma visão ampla do problema para um aprofundamento técnico em busca da solução, repetindo os ciclos até encontrar a solução viável e tecnologicamente diferenciada (e protege-la por patentes), fator necessário para assegurar o direito de uso da tecnologia, e a vantagem competitiva no mercado”. [1] 


O compressor sem óleo para refrigeradores Wisemotion é o primeiro do mundo com esta tecnologia. Segundo o vice-presidente de Pesquisa e Desenvolvimento e Operações da companhia, Lainor  Driessen: “Investimos várias dezenas de milhões de dólares nesse produto e muitos anos de pesquisas. É uma quebra de paradigma. Nesse compressor, temos mais de 80 patentes. Acredito que vai demorar para alguém copiar. Temos parceiros tecnológicos em todos os continentes que já estão testando o produto”. Os investimentos em P&D da empresa variam, anualmente, de 3% a 5% do faturamento. Multinacional do Grupo Whirlpool com sede em Joinville, a Embraco tem fábricas na Itália, China, Eslováquia e México. Nos 43 anos de atuação, a Embraco já produziu 500 milhões de compressores, o que daria para dar quatro voltas ao redor do Planeta. Um a cada cinco refrigeradores do mundo usa produto da companhia[2]

Ernesto Heinzelmann recebendo o Prêmio Finep 
de Inovação tecnológica em 2001



[1] http://www.redetec.org.br/inventabrasil/embraco.htm
[2] http://wp.clicrbs.com.br/estelabenetti/2014/03/19/embraco-lanca-compressor-wisemotion-o-primeiro-do-mercado-sem-oleo/?topo=67,2,18,,,67

quarta-feira, 26 de março de 2014

Proteção das descobertas científicas

Roger Bacon no século XIII filósofo e autor de diversos trabalhos em óptica com telescópios afirmava que nenhum cientista deveria registrar suas descobertas em texto ostensiva mas ao invés disso deveria recorrer à escrita oculta. Robert Hooke manteve o sigilo de seus trabalhos sobre as leis de elasticidade por meio de um anagrama; CEIIINOSSSTUU o qual decifrado significava UT TENSIO SIC VIS (conforme a tensão, tal força)[1]. Galileu usou uma cifra para comunicar a Kepler sua descoberta dos anéis de Saturno, que decifrada significava: “observei que o planeta mais distante tem forma tripla” mas que foi incorretamente decifrada como “salve companheiros gêmeos, filhos de marte” levando a concepção errônea de que Saturno possuía duas luas.[2] Huygens também se utilizou no século XVII de anagramas para garantir  a prioridade sobre sua descoberta de luas em Saturno.[3] 
Na Itália do século XVI Niccolò Tartaglia conseguiu resolver o problema de encontrar as raízes das equações de terceiro grau, porém preferiu manter seu algoritmo em segredo. Com a insistência de Cardano, Tartaglia escreveu a solução na forma cifrada de um poema de 25 linhas, o qual o matemático Cardano foi capaz de decifrar, com o compromisso de manter o segredo de seu autor. Cardano, contudo, transmitiu o algoritmo a seu secretário um jovem chamado Ludovico Ferrari que aperfeiçoou o método para obter a solução das equações de quarto grau. Cardano ficou em situação difícil, se publicasse a descoberta de Ferrari tornaria público o algoritmo de Tartaglia se comprometera em não revelar. Tendo decorrido seis anos e sentindo-se liberado da promessa de segredo, ao  saber que outro matemático, Scipione del Ferro, resolvera o problema das equações cúbicas, Cardano pode publicar sua solução na sua obra a Ars Magna, em 1545 em Nurembergue[4], atribuindo a solução das equações cúbicas a Scipione Del ferro, o que deixou Tartaglia enfurecido. [5] Tartaglia em sua Quesiti et inventioni diverse de 1546 acusou Cardano de perjúrio escrevendo em termos ofensivos que contribuíram para má reputação de Cardano na posteridade[6].
Thomas Merton observa que com a disseminação do artigo científico em revistas especializadas diminuiu consideravelmente o número de casos de disputas de autoria de descobertas científicas. Merton cita os números de 72% no século XVIII, 59%  na segunda metade do século XIX e 33% na primeira metade do século XX.[7] Uma grande controvérsia em torno da descoberta do cálculo infinitesimal e integral foi estabelecida no século XVII entre Newton e Leibnitz. Newton descobriu o cálculo em 1665 porém suas primeiras publicações sobre o assunto viriam a ocorrer em 1704 como um apêndice do livro Óptica. Em sua grande obra Principia publicada em 1687 utilizou de argumentos geométricos, uma forma de manter a obra acessível à matemática da época, garantir a continuidade da tradição geométrica clássica e dar uma referência objetiva aos procedimentos e conceitos usados. [8] A controvérsia levou os britânicos a negligenciar por muito tempo os avanços na matemática no Continente em prejuízo próprio. [9] Para membros da Royal Society com Boyle e Hooke, somente o registro de invenções, observações e descobertas no Gresham College poderia se constituir uma forma segura para solução de controvérsias. Adrian Johns mostra que este mecanismo de proteção foi utilizado muito embora tenha contribuído para internalizar as discussões entre os cientistas, mas não extinguir as controvérsias de prioridade. [10]

A Convenção de Estocolmo de 1967 que estabeleceu a criação da OMPI afirma em seu Artigo 1º que a propriedade intelectual deve incluir os direitos relativos as descobertas científicas. No entanto, tanto a Convenção de Paris que trata sobre propriedade industrial como a Convenção de Berna excluem a proteção de descobertas científicas. O Artigo 1º da CUP[11] embora se refira a indústria em sentido amplo, a princípio veda a proteção para descobertas científicas sem aplicação industrial. A Convenção de Berna por sua vez em seu Artigo 2º prevê a proteção de obras científicas apenas enquanto obras literárias o que exclui a proteção da teoria científica per se.[12] Na legislação brasileira as descobertas científicas não são protegidas pela legislação de patentes (Artigo 10 inciso I da LPI) tampouco pela Lei de Direitos Autorais nº 9610/98 que em seu Artigo 7º § 3º “No domínio das ciências, a proteção recairá sobre a forma literária ou artística, não abrangendo o seu conteúdo científico ou técnico, sem prejuízo dos direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial”.
No âmbito da Liga das Nações junto ao Institut International de Coopération Intellectuelle (IICI), foi apresentada em 1923 pelo senador italiano Francesco Ruffini uma proposta de legislação internacional que previa o patenteamento de descobertas científicas como forma de promover o progresso da ciência. [13] Entre 1923 e 1927, foram estabelecidas diversas consultas com governos e representantes da indústria que deram origem a um relatório final escrito pelo senador francês Marcel Plaisant.[14] Uma reunião realizada em 1927 em Paris, organizada pela Academia Real da Espanha e presidida por Julio Casares, contando com a participação de diversos cientistas aprovou recomendação que previa a proteção de descobertas científicas por 30 anos contados da data de depósito além de uma remuneração ao autor da descoberta.[15] A Conferência diplomática que ratificaria tais decisões, contudo, não foi estabelecida[16]. Em 1948 a lei espanhola atribuía proteção patentária para descobertas científicas. No sistema soviético, os pesquisadores recebiam certificados após o depósito de suas descobertas por Comissão de avaliadores, o que lhes conferia a possibilidade de uma remuneração e benefícios sociais.[17]
Ugo Murano em texto de 1972 defende a tulela das descobertas científicas desde que a mesma tenha fundamentado posteriormente alguma invenção. Com isto caberia ao seu autor alguma vantagem econômica na invenção que haja dependido diretamente da descoberta, seja através de um prêmio ou sobretaxa na patente.[18] Segundo Douglas Gabriel Domingues, o Tratado Internacional de Genebra para Registro de Descobertas Científicas, proposta plea delegação soviética[19] em 1978, no artigo 1(1)(i) definia descoberta científica como o reconhecimento de um fenômeno, propriedades ou leis de um material ou universo ainda desconhecido e capaz de verificação[20]. Carlos Alberto Bittar observa que este tratado embora aprovando a expedição de certificados em nome do autor, no que diz respeito as ideias científicas estas continuam livres[21]. De qualquer forma tal Tratado não logrou sucesso, ademais o seu registro internacional não produzia qualquer efeito jurídico. O período de registro de dez anos para o registro era considerado excessivamente amplo impedindo que o sistema se tornasse fonte de informação útil.[22]

Obra de Tartaglia onde acusa Cardano de perjúrio [23]





[1] http://en.wikipedia.org/wiki/Robert_Hooke
[2] KING, Ross. O domo de Brunelleschi: como um gênio da Renascença reinventou a arquitetura, Rio de Janeiro:Record, 2013, p.42
[3] http://carlkop.home.xs4all.nl/huyglens.html
[4] EVES, Howard. Introdução à história da matemática, São Paulo:Unicamp,2004, p.303
[5] BELLOS, Alex. Alex no país dos números: uma viagem ao mundo maravilhoso da matemática. São Paulo:Cia das Letras, 2011, p.218
[6] GILLISPIE, Charles. Dicionário de biografias científica, volume 1, Rio de Janeiro:contraponto, 2007, p.403
[7] HELLMAN, Hal. Grandes debates da ciência: dez das maiores contendas de todos os tempos. São Paulo:Unesp, 1999, p.65
[8] Scientific American Brasil, Gênios da Ciência, v.7. Newton: o pai da física moderna, 2013, p. 45
[9] EVES, Howard. Introdução à história da matemática, Campina:Ed. Unicamp, 2004, p.444
[10] JOHNS, Adrian. Piracy: the intellectual property wars from Gutenberg to Gates. The University Chicago Press, 2009, p.70
[11] http://www.wipo.int/treaties/en/ip/paris/trtdocs_wo020.html#P71_4054
[12] http://www.wipo.int/treaties/en/ip/berne/trtdocs_wo001.html#P85_10661
[13] RUFFINI, F. Report on scientific property, Geneva:Kundig, 1923. cf. JOHNS, Adrian. Piracy: the intellectual property wars from Gutenberg to Gates. The University Chicago Press, 2009, p.375; MILLER, David Philip. Intellectual property and narratives of discovery/invention: The League of Nations’s draft convention on scientific properly and its fate. Science History, xvli, 2008 p.300-341
[14] BEHAR, Gabriel Galvez. The “French connection”: French Scientists and International Debates on Scientific Property during the Interwar Period, ISHTIP WORKSHOP 2013 "Cultural Economy and Intellectual Property", Paris : France, 2013 http://www.academia.edu/3813279/The_French_connection_French_Scientists_and_International_Debates_on_Scientific_Property_during_the_Interwar_Period
[15] HAMSOM, C. J. Patent Rights For Scientific Discoveries, 1930
[16] VALDERRAMA, Fernando. A history of UNESCO. Paris:UNESCO, 1995, p. 17. Disponível em <http://unesdoc.unesco.org/images/0010/001017/101722E.pdf> acesso em 23 mar. 2008
[17] Tratado da Propriedade Intelectual: Patentes. Denis Borges Barbosa. Tomo II, Rio de Janeiro:Lumen, 2010, p.1117
[18] Comentários à Lei de Propriedade Industrial, Douglas Gabriel Domingues, Rio de Janeiro:Ed. Forense, 2009, p.37
[19] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2009, p.84
[20] "the recognition of phenomena, properties or laws of the material universe not hitherto recognized and capable of verification" Propriedade Intelectual de setores emergentes, Marcelo Dias Varella, São Paulo:Atlas, p.63 http://www.wipo.int/edocs/mdocs/tk/en/wipo_indip_rt_98/wipo_indip_rt_98_3_add-annex1.html
[21] Direito de Autor, Carlos Alberto Bittar, Rio de Janeiro:Forense, 2001, p. 29
[22] Tratado da Propriedade Intelectual: Patentes. Denis Borges Barbosa. Tomo II, Rio de Janeiro:Lumen, 2010, p.1117
[23] http://pt.wikipedia.org/wiki/Tartaglia

quarta-feira, 19 de março de 2014

CLS v. Alice

Em CLS Bank International v. Alice Corporation Pty. Ltd. (Fed. Cir. 2012) submetido ao Federal Circuit a Corte alegou que uma rejeição de ideia abstrata somente deve ser utilizada quando “manifestamente evidente[1]. Segundo a Corte: “ao tomar todas as reivindicações em consideração, exceto no caso em que a reivindicação é direcionada para uma ideia abstrata, a mesma não pode se considerada inadequada pelo parágrafo 101. Salvo se o entendimento mais razoável for o de que a reivindicação está direcionada a nada mais do que uma verdade fundamental ou conceito abstrato, com nenhuma limitação que vincule aquela ideia a uma aplicação específica, será inapropriado alegar que a reivindicação está dirigida a uma ideia abstrata”.
Aplicando esta regra o Federal Circuit conclui como patenteável a reivindicação na patente US7149720 de Alice referente a “Sistema de processamento de dados que habilita a troca de obrigações entre partes, o sistema compreendendo uma unidade de armazenamento para armazenar informações de crédito [..] um computador configurado para receber uma transação [...] ajustar valores de crédito [...]”. Para a Corte “a mera implementação em um computador de uma ideia de outra forma abstrata não torna a matéria como invenção conforme Fort Props Inc. Am. Master Lease[2]: um conceito abstrato não pode se transformar em matéria patenteável meramente por causa de suas conexões com o mundo físico e ainda conforme Dealertrack Inc. v. Huber: simplesmente acrescentar uma limitação referente a ser auxiliado por computador em uma reivindicação que abrange um conceito abstrato, sem nada mais, é insuficiente para tornar a reivindicação patenteável, e também conforme Cybersource v. Retail Decisions: nós nunca sugerimos que simplesmente citar o uso de um computador para executar um algoritmo que possa ser executado inteiramente pela mente humana, seja suficiente para tornar uma reivindicação patenteável”. Segundo a Corte: “Não importa em que categoria estatutária (processo, máquina, manufatura ou compsição da matéria) a linguagem de uma reivindicação esteja expressa como literalmente invocando, nós devemos olhar para a invenção subjacente – underlying invention – para os propósitos de patenteabilidade”.
Apesar destes conceitos a corte em CLS destaca que qualquer reivindicação pode ser dissecada de modo que em seu núcleo seja caracterizada por ideia abstrata, porém seria incorreto proceder desta forma: “a patenteabilidade deve ser avaliada baseado no que as reivindicações descrevem, e não meramente nas ideias sobre as quais são construídas. Ao se avaliar a patenteabilidade a Corte deve avaliar a reivindicação como um todo [...] quando manifestamente evidente – manifestly evident - que uma reivindicação é direcionada para uma ideia abstrata inelegível é que a reivnidcaão pode ser considerada, por essa razão, inadequada pela seção 101”. Ao analisar a reivindicação descrita em Alice a Corte entende que é difícil concluir que a programação não exerce um papel significativo – significant part – no desempenho da invenção, não podendo ser considerada como meramente acessória. Em voto discordante o juiz Prost alega que a decisão majoritária diverge da orientação manifestada pela Suprema Corte em Bilski[3] pela qual devemos dar mais atenção à substância do que a forma da reivindicação, e assim devemos analisar a invenção além da implementação em computador procurando pelo conceito inventivo da patente quando então concluímos que se trata de uma ideia abstrata. Donald Chisum [4]critica que os conceitos de “ideia” e “abstrato” da seção 101 pode levar a resultados subjetivos, arbitrários e imprevisíveis. Mark Lemley na mesma linha também critica que ninguém entende o que significa uma ideia abstrata.[5]
A Suprema Corte aceitou a revisão do caso em dezembro de 2013 onde deve responder a questão se reivindicações de invenções implementadas por computador, seja na forma de sistemas, máquinas processos ou itens de manufatura, são matéria patenteáveis pela seção 101 do 35 USC.[6] Donald Chisum considera esta dúvida como vergonhosa e alarmante. [7] Chisum já criticara a decisão em Bilski, ao rejeitar um método financeiro porém sem definir critérios mais gerais, definindo a decisão como “a contribuição mais notavelmente inconclusiva sobre a lei em matéria de patenteabilidade”. Mostra disso que é algumas decisões posteriores do Federal Circuit se alinharam a Bilski (Bancorp v. Sun Life, 2012; Fort Properties v. American Master Lease, 2012; CyberSource Corp. v. Retail Decisions, 2011) enquanto outras divergiram (CLS Bank v. Alice, 2012; Ultramercial v. Hulu, 2011; Research Technologies v. Microsoft, 2010). Em 2013 o Federal Circuit não conseguiu obter um voto majoritário ao reavaliar CLS Bank v. Alice. Um painel de sete votos contra três decidiu pela rejeição da reivindicação de método e de suporte de gravação. Um painel de cinco votos contra cinco levou as reivindicações de sistema serem decididas conforme resultado da Corte Distrital, que votara contra a patenteabilidade de tais reivindicações. Enquanto Bilski descrevia um método financeiro sem uso de computador, CLS reivindica método com suporte de computador, sistema e mídia de gravação. Segundo o Juiz Lourie: “em sua forma mais básica, um computador é tal qual uma calculadora capaz de executar etapas mentais mais rápido que um humano poderia. Ao menos que a reivindicação exija uma computador para execitar suas operações que não sejam meros cálculos acelerados, um computador não confere a uma patente eligibilidade”. Os mesmos argumentos usados análise de método aplicam-se as reivindicações de suporte de gravação na análise da seção 101.
Em sua manifestação de subsídios (amicus curiae) para a decisão em CLS da Suprema Corte, a IBM argumenta que não deve haver qualquer dúvida séria sobre a patenteabilidade de invenções implementadas por programas de computador uma vez que as Cortes tem concordado que as funções realizadas por um software também podem ser executadas por hardware na forma de chips e componentes eletrônicos discretos e a tangibilidade destes elementos está fora de questão. Para a IBM a implementação de uma ideia em um computador, embora de fato hoje em dia envolva um esforço mínimo, definitivamente separa aquela implementação tecnológica específica da ideia propriamente dita. Embora a tecnologia diminui incrivelmente a distância entre homem máquina, ela não apagou a necessidade desta interface e assim mesmo o mais problemático método (do ponto de vista de patenteabilidade) será significativamente mais restrito que a ideia abstrata propiramente dita. Assim invenções implementadas por programa de computador nunca poderão serão considerados como ideias abstratas. A tecnologia caminha para a chamada computação cognitiva que irá reduzir ainda mais esta distância entre homem e máquina, com máquinas cada vez mais “inteligentes”.
Para a IBM adotar um teste de ideia abstrata para avaliar a patenteabilidade significa não atribuir qualquer importância para presença do computador o que coloca em risco os incentivos para o desenvovimento desta tecnologia, que ainda está em seu iníicio. Mesmo as Cortes reconhecem que em algum grau todas as invenções são uma ideias abstrata, como dito em Mayo v. Prometheus. Ainda que as etapas para implementação de uma ideia em um programa de computador sejam triviais, continua sendo verdadeiro o fato de que esta é uma aplicação em uma máquina e não uma ideia amorfa ou criação da mente, assim tais implementações são mais do que simples meras ideias abstratas. Ao invés de focar no conceito de ideia abstrata as Cortes deveriam concentrar suas análises na avaliação de obviedade da invenção. Uma pessoa não precisa ser um especialista para concluir que muitas destas implementações tidas como incidentais são consideradas óbvias. A análise de obviedade tal como definida nos critérios objetivos de KSR v. Teleflex é um filtro potente para impedir patentes triviais. A incerteza hoje existente em relação a patenteabilidade das invenções coloca toda a economia relacionada com software em risco. Clareza e previsibilidade das decisões é um imperativo. Assim não deve haver nenhum debate de que invenções implementadas por computador tais como o software sejam matéria patenteável. A exceção de ideia abstrata tem sido extremamente difícil de ser aplicada pelas Cortes e tem criado substancial incerteza. O teste da seção 101 presume uma análise rápida, direta, para o enquadramento da matéria como porcesso, máquina, manufatura ou composição da matéria. Esta proposta evita adicionalmente que o examinador faça uma análise de inventividade para fins de exame de patenteabilidade da seção 101.[8]



[1] http://www.lexology.com/r.ashx?i=2892512&l=7GTPN1F
[2] 671 F.3d 1317, 1322 (Fed.Cir.2011)
[3] RATANEN, Jason. CLS Bank v. Alice: The "Nothing More Than" Limitation on Abstract Ideas. 10 julho 2012 http://www.patentlyo.com/patent/2012/07/cls-bank-v-alice-corp.html
[4] CHISUM, Donald. Weeds and seeds in the Supreme Court’s Business Method Patent Decision: new directions for regulating patent scope. Lewis & Claark Law Review, v.15 , 2011, p.11-14
[5] LEMLEY, Mark. Life after Bilski. Stanford Law Review, v.63, 2011, p.1315-1316
[6] http://www.patentlyo.com/patent/2013/12/is-software-patentable-supreme-court-to-decide.html
[7] CHISUM, Donald. Patents on computer implemented methods and systems: the Supreme Court grants review (CLS Bank) background developments and comments. December 2013 http://www.chisum-patent-academy.com/wp-content/uploads/Supreme-Court-on-Computer-Software-Patents-1.pdf
[8] http://ipwatchdog.com/blog/IBM_CLS_brief.pdf

Patentes em padrões: o caso GSM

O excesso de patentes em um mesmo setor tecnológico e as dificuldades de coordenação dos titulares para o licenciamento cruzado destas tecnologias foi observado por exemplo no caso da tecnologia GSM[1]. Inicialmente conduzida em 1981 dentro do âmbito europeu da CEPT (Conference Des Administrations Europeans Des Posts et Telecommunications) as empresas se dividiram entre a adoção da tecnologia CDMA proposto pelas empresas francesas e alemãs, e a tecnologia TDMA proposta pelas empresas escandinavas. Finalmente a sueca Ericcson concordou em cooperar com a alemã Siemens e o consórcio SEL/Alcatel tendo sido assinado um memorando de entendimento em 1987. Em 1988 as discussões do padrão foram transferidas para o recém criado ETSI (European Telecommunications Standards Institute) o que permitiu a adesão de empresas não européias na definição do padrão. Ao final dos anos 1990 haviam cerca de 140 patentes consideradas essenciais no setor, de diferentes titulares o que exigiu anos de entendimentos até que se conseguisse atingir um acordo entres os diferentes fabricantes. Destas 140 patentes a maior parte pertencia a Motorola com 27 patentes, Nokia (190, Alcatel (14) e Philips (13). Em 1996 o 85% do mercado europeu de estações base, terminais móveis e comutação era concentrado em apenas cinco empresas Ericsson, Nokia, Siemens, Motorola e Alcatel.[2]
Rudi Bekker mostra que a estratégia das empresas do consórcio GSM em relação a propriedade industrial não foram homogêneas. As poucas patentes da Philips em GSM foram obtidas antes da consolidação do padrão e mesmo após foram licenciadas sem custo, tais como as patentes relativas ao codificador de voz. Embora a tecnologia GSM tenha se baseado em tecnologia da Ericsson a empresa mantinha poucas patentes, e das poucas que posssuía foram resultado da aquisição da empresa inglesa Orbitel. Ou seja, Ericsson e Simens foram capazes de manter fatias importantes do mercado mesmo sem deter um grande número de patentes essenciais. Numa época em que a maior parte das empresas diminuía o ritmo de novas patentes a Motorola entrou no consórcio como uma estratégia oposta de conquistar posições baseada em seu portfólio de patentes. Após os anos 1990 empresas como Nokia e Alcatel também passaram a adotar uma atividade mais importante na construção de um portfólio de patentes essenciais.
A Motorola titular da maior parte das patentes essenciais do acordo mostrava-se relutante em licenciar suas patentes para fora dos membros do acordo preferindo um acordo baseado em licenças cruzadas entre os membros do acordo como forma de ganhar acesso ao mercado europeu. Estudo da European Public Telecommmiunications Network (ETNO) mostra que o valor cumulativo de licenças pagas para exploração da tecnologia GSM por empresas fora do acordo chega a cerca de 29% do custo do aparelho de GSM. [3] O lançamento das primeiras operadoras GSM viria a ocorrer somente em 1991 com o lançamento do TPU 900 da empresa inglesa Orbitel capaz de enviar mensagens de texto.[4] Posteriormente a empresa foi vendida para a Ericsson que adquiriu suas patentes. A Nokia adquiriu patentes da tecnologia GSM da empresa Voicecraft e da Universidade de Sherbrooke, o que mostra as oportunidades das pequenas empresas em negociar suas tecnologia dentro do padrão.
A desregulamentação do setor de telecomunicações nos anos 1980 e 1990 aumentou o papel da inovação e da propriedade industrial no setor. Com o aumento de patentes essenciais  a partir dos anos 1980 intensificaram-se na mesma medida os acordos de licenciamento entre empresas o que mostra uma forte correlação entre estas duas variáveis. A adoção do padrão GSM pela ETSI em 1989 possibilitou o rápido aumento de assinantes da nova tecnologia. Enquanto que na Europa o número de usuários conectados à rede digital aumentou de 4 por cento em 1992 para cerca de 90 por cento em 1998, nos Estados Unidos, onde adotou-se uma estratégia de mercado, o que levou a adoção de diversas tecnologias entre as quais a AMPS, estima-se que o percentual de usuários de telefones digitais em 1998 se encontrava abaixo de 30 por cento.[5]
Buscando superar esta experiência negativa os grandes fabricantes  na tecnologia 3G de tecnologia móvel formaram o Third Generation Patent Platform Partnership (3G3P) em 1999 com intuito de coordenar as ações dos titulares das patentes consideradas essenciais de modo a minimizar os custos de transação em termos de tempo e dinheiro. [6] Nos Estados Unidos a adoção da tecnologia 3G envolveu cinco anos de negociações para se chegar um consenso do padrão a ser adotado pela IUT.[7] Na Europa a ETSI recomendou em 1998 o padrão UMTS no entanto disputas de patentes com a empresa Qualcomm detentora da tecnologia CDMA-2000 retardaram a adoção da tecnologia 3G resolvidas apenas no final de 2004. [8]




[1] PARK,Jae Hun. Patents and Industry Standards,Edward Elgar, 2010, p. 80
[2] BEKKERS, Rudi; DUYSTERS, Geert; VERSPAGEN, Bart. Intellectual property rights, strategic technology agreements and market structure. Research Policy, v.31, 2002, p.1143
[3] BEKKERS,op.cit.p.1147
[4] http://www.mobilephonehistory.co.uk/orbitel/orbitel_900.php
[5] WTO, WORLD TRADE REPORT: Standards, ‘offshoring’ and air transport focus of 2005 WTR, p.38 http://www.wto.org/english/news_e/pres05_e/pr411_e.htm
[6] GUELLEC, Dominique; POTTERIE, Bruno van Pottelsberghe de la. The economics of the european patent system. Great Britain:Oxford University Press, 2007, p.103
[7] WTO, WORLD TRADE REPORT: Standards, ‘offshoring’ and air transport focus of 2005 WTR, p.37 http://www.wto.org/english/news_e/pres05_e/pr411_e.htm
[8] WTO, WORLD TRADE REPORT: Standards, ‘offshoring’ and air transport focus of 2005 WTR, p.39 http://www.wto.org/english/news_e/pres05_e/pr411_e.htm

terça-feira, 18 de março de 2014

Programa em si e método

Uma das grandes críticas contra as patentes de métodos implementados por programas de computador é a de que sendo o programa de computador um conjunto de instruções ele não se distingue do método e portanto ambos estão protegidos por direito de autor, que seria suficiente para proteger todos os aspectos de interesse do programa de computador. Nesta perspectiva a proteção por direito de autor seria suficiente. Esta análise, contudo, perde a perspectiva fundamental de que temos nestes casos dois objetos distintos: o programa de computador em si, enquanto conjunto de instruções específicos, mera expressão de um método, e o método propriamente dito capaz de definir a solução técnica proposta de forma independente da linguagem de programação utilizada e, portanto, passível de ser implementada por diferentes programas de computador cada qual protegido pelo direito de autor respectivo. Esta interpretação de dois objetos distintos está consolidada na doutrina e jurisprudência de direito de autor, assim como no direito de autor do programa de computador.
Nesta perspectiva encontramos na doutrina e jurisprudência o entendimento consolidado que ideias, conceitos abstratos, processos patenteáveis ou não, cálculos, não podem ser objeto de proteção por direito autoral que protege apenas o que se denomina “expressão da ideia”, desde que esta expressão possa se manifestar de diferentes formas de modo a dar margem aos aspectos subjetivos de criatividade do autor. Nos casos em que há uma fusão entre ideia e expressão, ou seja, uma única forma de se exprimir tal ideia, então já não se pode falar em criatividade do autor, de modo que a proteção autoral já não é possível.
Antonio Chaves cita diversas decisões do extinto CNDA que consolidam a tese de que a ideia em si não é protegível por direito de autor e conclui “o objeto do direito de autor é o produto da criação intelectual, isto é, a obra, o que exclui a proteção à simples ideia, que não encontra ainda, no sistema monopolístico do direito de autor, proteção adequada. Apenas sua expressão, a forma, é que encontra amparo, persistindo ainda hoje o conceito de que a ideia, manifestada sem suporte material, poderá ser aproveitada por qualquer pessoa[1].
Pela Deliberação n°25 de 1980 o CNDA conclui: “No âmbito da Lei 5988/73 não cabe proteção aos trabalhos intelectuais que ainda se caracterizem por simples ideia. Não é cabível, por conseguinte, o registro pleiteado”. O direito autoral não tem em princípio como fim o incentivo à criação, mas a proteção à personalidade do autor, tal como ela se exprime através de sua obra[2].
O argumento tem se repetido desde as origens da proteção autoral. D. Pedro II em 1889, em discurso proferido durante uma das sessões da Comissão de organização do Projeto de Código Civil argumenta: “O pensamento não pode ser objeto de propriedade, como as coisas corpóreas. Produto da inteligência, participa da natureza dela, é um atributo da personalidade garantido pela liberdade da manifestação, direito pessoal. Uma vez manifestado, ele entra na comunhão intelectual da humanidade, não é suscetível de apropriação exclusiva.O pensamento não se transfere, comunica-se. . . chamo a atenção da Comissão sobre a necessidade do harmonizar os direitos do autor com a sociedade”.[3]
O conceito de ideia como de livre difusão, não passível de apropriação se coaduna com a lei patentária que da mesma forma não protege as concepções puramente abstratas, ou seja, aquelas que existem no plano das ideias apenas sem qualquer realização prática, ou aplicação industrial. O sistema de patentes por sua vez protege métodos, que por se constituírem de ações não configuram produtos físicos, no entanto tais ações por serem operáveis no mundo físico, por provocarem efeitos técnicos não podem ser vistas como concepções meramente abstratas, e desta forma, podem ser protegidas por patentes. De modo geral, a referência na doutrina e jurisprudência a não apropriação de ideias, invariavelmente estará se referindo a tais concepções puramente abstratas.
Segundo Carlos Alberto Bittar ao tratar do direito autoral “esse Direito não alcança as ideais em si senão enquanto inseridas e entrelaçadas em formas literárias, artísticas e científicas .... A obra protegida em seu contexto é aquela que constitui exteriorização de uma determinada expressão intelectual, inserida no mundo fático em forma ideada e materializada pelo autor[4].
Para Eliane Abrão[5]: “Há um campo de verdadeira imunidade a qualquer proteção de caráter autoral: é o das ideias, dos conceitos, dos métodos, dos sistemas, dos cálculos. Toda obra parte de uma ideia, de um conceito, de uma sinopse, contém um método, um cálculo. Isso é só o ponto de partida. Para se chegar à obra concretizada, há um longo caminho a percorrer, partindo da materialização da ideia á produção da obra até sua disponibilização ao público. A ideia ponto de partida, não se confunde com a obra. O resultado sensorial dessas ideias, métodos, conceitos, isto é, a forma ou expressão fixada em base corpórea, ou incorpórea é que protegida plea lei de direito autoral, e não as ideias, os métodos, os cálculos em si,ou que nelas se incrustam. Exemplifica-se: o livro de ensino de matemática é de criação de determinado autor, mas não os cálculos utilizados em cada exercício”.
Para Plínio Cabral “o que a lei protege são as manifestações concretas do espírito criador, aquilo que, a partir do pensamento abstrato do autor, se materializa de tal forma que fale á sensibilidade. A Convenção de Berna em seu artigo 2º declara - os termos obras literárias e artísticas compreendem todas as produções do campo literário e científico qualquer que seja o modo ou a forma de expressão - Dois pontos básicos de destacam: 1) a ideia em si não é protegível, 2) a proteção recai sobre a forma de manifestação artística [...Segundo Deli Lipszyc ...] Só está protegida a forma sensível sob a qual se manifesta a ideia e não a ideia mesma, que se expresse de maneira esquemática, ou seja, em uma obra”.[6]
A legislação do direito autoral garante proteção à forma de expressão das ideias e não às ideias e conceitos em si. Assim manifestou-se a Suprema Corte[7], tendo como relator o Ministro Cordeiro Guerra: “nos trabalhos científicos o direito autoral protege a forma de expressão, e não as conclusões científicas ou seus ensinamentos que pertencem a todos, no interesse do bem comum”. E ainda a decisão[8] do TJESP “sob a égide do direito do autor estão só as formas de expressões de atividade espiritual. Isto é, só o produto intelectual criado pela expressão de uma forma, com características de individualidade, criatividade, novidade e originalidade são protegíveis no âmbito do direito autoral”. E ainda decisão[9] do TJRJ “a ideia em si, ou uma simples concepção ideal, não constitui trabalho intelectual protegível”. Para José de Oliveira Ascenção “as ideias, uma vez concebidas, são patrimônio comum da humanidade. È inimaginável um sistema em que as ideias de alguém fossem restritas na sua utilização[10].
Segundo entendimento do TJRJ[11]A ideia em si ou uma simples concepção ideal, não constitui trabalho intelectual passível de proteção”. O uso de ideia alheia não configura violação do Direito Autoral. O entendimento é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Os Ministros mantiveram a decisão de segunda instância que negou pedido de reparação por danos morais da empresa Mostaert Publicidade contra o Banco Bradesco, acusado de apropriação indevida de obra intelectual. De acordo com a empresa, o Banco se apropriou de sua ideia sobre um projeto de captação compulsória nas compras efetuadas pelo cartão “Poupe Card”. Em primeira instância, o pedido não foi acolhido. A empresa recorreu. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manteve a decisão. Os desembargadores consideraram que, “embora sejam criações do espírito, as ideias não ensejam direitos de propriedade ou de exclusividade. Em conseqüência, o fato de alguém utilizar ideia desenvolvida por outro, por si só, não constituindo violação das regras de direito autoral, não configura ato ilícito, que dá origem ao direito de indenização”.
Segundo o TJRJ “não estão amparadas pelo Direito Autoral simples ideias, mas sim a sua exteriorização concreta e original, de cunho artístico, que efetivamente constitua trabalho intelectual[12] e ainda “a ideia, a concepção teórica somente tem tutela legal, se se concretizar em trabalho[13]. Segundo TJRS “A simples ideia ou descoberta, enquanto não materializada, é patrimônio de todos, podendo ser utilizada por qualquer pessoa”.[14] Segundo o STJ ao analisar a proteção por direitos autorais dos conhecimentos científicos expostos numa bula de remédio “Nos trabalhos científicos o Direito Autoral protege a forma de expressão, e não as conclusões cientificas ou seus ensinamentos. Que pertecem a todos, no interesse do bem comum[15].
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou ser improcedente o pedido de indenização feito pela artista Ana Maria Athayde Caldas Pinto contra a TV Globo. A artista alegou que a emissora usou, sem a devida autorização, estilo de arte desenvolvido por ela na abertura de novelas (como na segunda versão da novela Selva de Pedra em 1986) e outros programas, denominado “fragmentismo”, que permite que qualquer visual seja mostrado com desenho ou composição abstrata utilizando fragmentos coloridos. Para o ministro Humberto Gomes de Barros, a técnica discutida na ação é apenas um meio para a formação de obras artísticas. O resultado da utilização dessa técnica é que, segundo ele, teria proteção legal. Ou seja, somente se sujeita à proteção intelectual a obra formada pela utilização do estilo, individualmente considerada[16].
Em outro processo[17] de 2006, Vander Nascimento dos Reis ajuizou ação de indenização em face de Rádio e Televisão Bandeirantes Ltda e José Luiz Datena, alegando, em síntese, que: a) o autor idealizou um programa de televisão valorizando as características regionais do Brasil intitulado Coração Brasileiro, que seria uma reedição de um programa produzido anteriormente pelo autor; b) o projeto teria sido apresentado ao segundo réu José Luiz Datena que teria dito que responderia; b) o segundo réu não teria respondido e meses depois foi surpreendido com um programa de televisão chamado “No Coração do Brasil” produzido pela primeira ré e apresentado pelo segundo réu; c) teria ocorrido violação ao direito autoral.
Segundo o juiz Sang Duk Kim, da 33ª Vara Cível de São Paulo "A apresentação dos confins do imenso Brasil com suas características regionais e diversidade cultural é um quadro já permeado nos programas existentes. A prosperar a tese do autor, ninguém no país ou fora dele, poderia fazer programas televisivos ou jornalísticos apresentando e desbravando o próprio país .. .Pergunta-se: Será que este conceito e formato de apresentação é passível de conferir à alguém o direito autoral? Obviamente que não. Ainda que se comprove que os réus tenham tido a ideia do programa do programa veiculado nos materiais encaminhados pelo autor, este não passa de uma ideia, sendo que este não é passível de apropriação e sim as obras acabadas. Inexistente a originalidade da obra do autor bem como impossibilidade da apropriação de ideias, o pedido de indenização do autor é improcedente ".
Segundo o artigo 9o de TRIPS que regula a relação do acordo com a Convenção de Berna “a proteção do direito de autor abrangerá expressões e não ideias, procedimentos, métodos de operação ou conceitos matemáticos como tais”. Assim como no direito autoral a doutrina a e jurisprudência confirmam a existência de dois objetos distintos: a ideia e a expressão da ideia, sendo que em alguns casos esta ideia subjacente pode ser patenteada, também no software podemos identificar os mesmos dois objetos distintos: a ideia e método implementado pelo software, sendo o método passível de proteção de patentes em alguns casos.
Segundo Manoel Joaquim dos Santos[18]ao se cuidar da proteção autoral de programas de computador, o enfoque deve ser na originalidade expressiva (ou seja naquilo que o nosso legislador designou como forma literária ou artística) e não na qualidade das soluções técnicas que o programa implementa (ou seja naquilo que o nosso legislador designou conteúdo científico ou técnico)”.
Segundo Roberto Chacon: “a proteção do direito autoral não pode ser conferida aos elementos da expressão que advenham, necessariamente, da ideia, ou seja – das expressões que são indispensáveis, ou ao menos padronizadas, no tratamento de uma questão. Caso a semelhança substancial entre dois programas de computador for resultante, por exemplo, das limitações na forma de expressão associadas à ideia de criar um software no qual se simule um combate de artes marciais, não há nenhuma infração ao direito autoral[19].
O direito autoral protege a expressão da ideia, e não a ideia propriamente dita. Para Roberto Chacon: “o direito autoral protege a expressão concreta de um obra intelectual, consubstanciada numa unidade orgânica original[20]. Pela Lei 9609/98 artigo 6o não há infração quando da “ocorrência de semelhança de programa a outro, preexistente, quando se der por força das características funcionais de sua aplicação, da observância de preceitos normativos e técnicos, ou de limitação de forma alternativa para a sua expressão”. Segundo Denis Barbosa[21]: “a expressão de um programa pode restar sob a Lei de Software, enquanto que o uso do programa para fins de utilidade industrial, inclusive os conceitos e ideias que subjazem ao algoritmo, podem incidir sobre a tutela da Lei patentária”.
José de Oliveira Ascenção não concebe o programa de computador como obra literária por ser uma expressão servil do método, de modo que com ele se identifica de forma biunívoca “Em si, o programa escapa á noção de obra. O programa é um processo ou um esquema para a ação. Mas os processos não são tutelados pelo Direito de Autor. Já vimos que este tutela uma forma, sendo-lhe indiferente que esta forma se refira ou não a uma técnica para a obtenção de um certo resultado. [...] Alguém descobre um método fatal de abertura no jogo de xadrez. Faz a respectiva notação. O método pode ser genial. Mas a notação não é obra literária, porque representa a expressão obrigatória daquele processo. O que é criativo é o processo, não a fórmula que é servil. Estamos, portanto, já muito para além do algoritmo. Observamos que, sendo expressão obrigatória, a notação do processo não é nada diferente do próprio processo. As instruções ao usuário poderão ser obra protegida; o programa não [...] Concluímos assim, que a fórmula do programa de computador, como expressão obrigatória dum processo, não é obra literária, e escapa por isso à tutela pelo direito de autor”.[22]” José Ascenção trata de programas que são a implementação servil de um método, ao passo que em muitos casos os processos pode ser implementada por diferentes programas de computador em diferentes linguagens e estruturas. Esta variabilidade de implementações confere ao programa em si uma característica que o aproxima de obra literária e nestes casos já não podemos dizer que trata-se de cópia servil do método. Este o entendimento de Bruno Jorge Hammes: “para alguns autores não é protegível o que é banal ou uma descrição necessária (funcionamento de um aparelho). No caso concreto deverá ser examinado se há margem ara uma criação pessoal ou não”.[23] Assim entre o método e a implementação em software específico temos definidos dois objetos claramente distintos.
Em decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais de 2006 a Corte concluiu que os programas de computador são protegidos pelo direito autoral e por isso comportam proteção apenas de seu meio exterior, razão pela qual é lícita a criação de software com finalidade assemelhada à de outro.[24] Em decisão do mesmo ano do Tribunal de Justiça de São Paulo a Corte entendeu que a existência de semelhanças nos programas não é, por si só, causa de ferimento a direito autoral, nos termos do art. 6º da Lei 9609/98.[25]




[1] Direito de Autor: princípios fundamentais, Antonio Chaves, Rio de Janeiro:Forense, 1987, p.166 e 193
[2] A proteção jurídica dos programas de computador, André Bertrand, 1996, Porto Alegre:Ed. Livraria do Advogado, pág 42, Anotações à lei do direito autoral, Jaury Nepomuceno de Oliveira e João Willington, 2005, Rio de Janeiro:Ed. Lúmen Júris, p.20
[3] Ata sessões Comiss. Org. Proj. Cód. Civ. ­ 1889 ­ Rev. Inst. Hist., vol. 68, lª parte, 33. Cf. http://denisbarbosa.addr.com/historiapi.ppt
[4] Direito de Autor, Carlos Alberto Bittar, Rio de Janeiro:Forense, 2001, p. 23
[5] ABRÃO, Eliane. Direitos de Autor e Direitos Conexos,São Paulo:Ed. Do Brasil, 2002, p.18
[6] CABRAL, Plínio. Direito autoral: dúvidas e controvérsias, São Paulo:Harbra, 2000, p.54
[7] Re 88705/RJ julgado em 25.05.79 pela 2a Turma, DJ de 05.10.79
[8] Le Tarnec, Alain: TJSP, AC nº 54301.1-SP de 13.02.85 in RJTJSP-94/92 apud Propriedade Industrial: política, jurisprudência, doutrina, Aurélio Wander Bastos, p. 92
[9] TJRJ, Ap. Cível 949/91, relator: JD. Subs. Des. Décio Xavier Gama, reg. em 10.04.1992, apud Série Jurisprudência, Direito Autoral, 3a edição, 2000, p.59
[10] apud. Anotações à lei do direito autoral, Jaury Nepomuceno de Oliveira e João Willington, 2005, Rio de Janeiro:Ed. Lúmen Júris, p.20
[11] TJ RJ Ap. Cível 949/91 relator Des. Décio Xavier Gama reg. em 10.04.1992, apud Série Jurisprudência, Direito Autoral, 3a edição, 2000, p.59 apud Anotações à lei do direito autoral, Jaury Nepomuceno de Oliveira e João Willington, 2005, Rio de Janeiro:Ed. Lúmen Júris, p.21
[12] julgado de 30/06/1999 Revista Direito do TJRJ, v.41, p.263 Anotações à lei do direito autoral, Jaury Nepomuceno de Oliveira e João Willington, 2005, Rio de Janeiro:Ed. Lúmen Júris, p.21
[13] julgado em 29/07/1997 ementário 21/99, n.19 de 11/12/1997, op.cit. p.22
[14] Apelação Cível Nº 70010335065, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luís Augusto Coelho Braga, Julgado em 31/08/2005
[15] Origem:Tribunal: STF Acórdão Decisão: 25.05.1979 Proc: RE Num: 0088705 Ano: 79 UF: RJ Turma: 02 RE- Recurso Extraordinário. Fonte:DJ Data: 05.10.79 Pg:07445 Ement Vol:01147-02 Pg:00530 RTJ Vol: 00091-02 Pg:00640 http://www2.uol.com.br/direitoautoral/index_juris.htm
[16] http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=85215
[17] Revista Consultor Jurídico, 5 de novembro de 2006
[18] Manoel Joaquim Pereira dos Santos,op.cit., p.387
[19] A propriedade informática, Roberto Chacon de Albuquerque. Campinas:Russell Editores, 2006, p. 127
[20] A propriedade informática, Roberto Chacon de Albuquerque. Campinas:Russell Editores, 2006, p. 146
[21] Propriedade Intelectual: direitos autorais, direito conexos e software, Denis Barbosa, Rio de Janeiro:Lumes Juris, 2003, p.166
[22] ASCENÇÃO, José de Oliveira. Direito Autoral, Rio de Janeiro:Renovar, 2007 p. 667
[23] HAMMES, Bruno Jorge. O direito de propriedade intelectual. São Leopoldo, 2002, p.54
[24] Audit Business Solutions Ltda. v. ICOMS Soluções Comunicação Interconexão Ltda.- TJ/MG - 14ª C.C.Apelação No. 1.0702.04.147723-4/002/06 Uberlândia - Relator: Dídimo Inocêncio de Paula
[25] Vida Executiva Tecnologia S.C. Ltda. v. Kolynos do Brasil Ltda. – TJ/SP - 4ª C.D.Privado, Apelação No. 404.488-4/6/SP - 01.09.2006 - Relator: Maia da Cunha