domingo, 31 de agosto de 2014

Programa em si, o que esta reivindicação protege ?

Philip R. Wadsworth da Qualcomm[1] mostra que a contrafação direta (direct infringment) da reivindicação de método ocorre quando há o teste do software que executa tal método. Neste caso o fabricante do software acusado de cópia, comete contrafação direta (contabilizado pelo número de vezes que o software foi submetido a testes), porém a distribuição de tais discos gravados ou por meio de download para outros fabricantes OEM ou usuários finais não os colocam como contrafatores da reivindicação de método.
Por outro lado, para uma reivindicação de programa de computador haverá contrafação por contribuição (271.f) quando o software é executado em teste por um contrafator direto que ao distribuir este programa para terceiros os coloca na posição de contrafatores por contribuição. Neste caso a contrafação direta ocorre para cada cópia de software fabricado, vendido ou utilizada. Aqueles que receberam cópias gravadas em discos ou em download, sejam outros fabricantes OEM ou usuários finais, desta vez, ao contrário da reivindicação de método, se enquadram com contrafatores por contribuição e os danos são calculados pelo número de cópias distribuídas ao invés do número de testes efetuado pelo contrafator direto.
O titular garante assim sua proteção sem limitação quanto a forma de distribuição de seu software. Desta forma as reivindicações de programa de computador ou de meios lidos por computador (CRM – Computer readable Medium) constituem a forma mais eficiente para proteção de tais criações.
O critério de contrafação direta exige que o réu realize a invenção em todos os seus elementos presentes na reivindicação tal como decidido pela Suprema Corte em 1997 em Warner-Jenkinson Corp. v. Hilton Davis Corp[2]. Antes de 1997 as Cortes interpretavam que nos casos em que duas pessoas realizam atos que combinados infringem a reivindicação, a contrafação somente estará caracterizada se uma pessoa instruiu a outra para realizar as etapas complementares conforme Shields v. Halliburton[3], Mobil Oil Corp. v. W.R. Grace & Co.[4] Decisões mais recentes exigem que a parte não apenas instrua mas controle cada etapa do processo realizado pela outra parte para que se configure a infração por contribuição conforme MuniAuction, Inc. v. Thomson Corporation LLC[5]; BMC Resources, Inc. v. Paymentech, L.P.[6] Um critério ainda mais restrito foi proposto em Akamai Technologies, Inc. v. Limelight Networks, Inc.[7], and McKesson Technologies Inc v. Epic Systems Corp.[8], que exige uma relação contratual entre as partes para configurar infração por contribuição.

Em Akamai a patente tratava de método para distribuição de conteúdo pela internet de um servidor e armazenamento de objetos embutidos na página em outro servidor. A Limelight, concorrente da Akamai, alegou que realizava apenas algumas etapas do processo restando as demais etapas de seleção e distribuição dos objetos para outro servidor por conta do usuário. A Corte Distrital entendeu que a Limelight não estava direcionando ou controlando as ações dos clientes de uma forma direta e, portanto, não havia contrafação por contribuição. O Federal Circuit manteve a decisão alegando que neste caso seria necessário uma relação contratual entre cliente e provedor prevendo a realização de tais etapas por parte do cliente. A Suprea Corte[9] em decisão de maio de 2014 confirmou que para se configurar a contrafação o réu deve executar todas as etapas da patente de processo e não apenas algumas destas etapas: “um réu não é passível de infração por contribuição (inducing infringement) sob o parágrafo 271(b) do Código quando não existe um contrafator direto conforme o 271(b) ou qualquer outro dispositivo da lei”. [10] A decisão segundo analistas inibe a ação de trolls de patentes que buscam fazer valer suas patentes mesmo quando nem todas as etapas do processo patenteado é infringida pelos acusados.[11] A Suprema Corte reconhece que a decisão tomada possibilita, segundo o entendimento de contrafação direta de método adotada pelo Federal Circuit em Miniauction que um eventual contrafator divida as etapas de uma reivindicação de método entre diferentes empresas dificultando a caracterização da contrafação por contribuição, porém entende que é este o entendimento que se deva dar a Seção 271(b) embora entenda que há motivos para preocupação dos titulares das patentes de método diante de tal “anomalia”.
Nos Estados Unidos o Federal Circuit na decisão BMC v. Paymentech[12] e em Cross Medical Products v. Medtronic Sofamor Danek Inc[13], concluiu que em uma reivindicação de método é necessário que o contrafator realize todas as etapas do método para que se configure a contrafação, ou quando o mesmo controla ou direciona as ações de outra parte para executar uma ou mais etapas do método (one party controls or directs the actions of another to perform one or more steps of the method). No caso de uma reivindicação de método que descreve a funcionalidade de um sistema computacional, muitas das etapas descritas não são executadas pelo usuário final o que descaracteriza a contrafação pelo usuário do sistema. Em Cross Medical a reivindicação tratava de um dispositivo médico implantado em cururgias de ossos humanos. A Corte entendeu que uma vez que o dispositivo era implantado no osso humano, a fabricante do implante não fabricava propriamente o dispostivo reivindicado, nesse caso, seria o cirurgião a pessoa que propriamente fabricava o produto reivindicado ao interagir diretamente com o paciente. O fabricante do implante poderia ser contrafator caso o cirrugião agisse como representante da empresa.
Em Centillion Data Systems, v. Qwest, 2010-2220, 1131 (Fed. Cir. 2011)[14] ao invés de estender este mesmo conceito para reivindicações de sistema, a Corte entendeu que reivindicações de método e de sistema tem escopo distinto, observando que o uso de uma reivindicação de sistema ocorre no local em que o sistema como um todo é colocado em operação pelo usuário e não onde cada uma de suas partes é executada remotamente. Assim o usuário não precisa ter o controle físico de todos os elementos citados na reivindicação de sistema, basta que ponha o sistema a operar com o modo descrito na reivindicação. A patente US5287270 refere-se a um sistema para coleta, processamento e distribuição de informação de um provedor de serviço como uma empresa de telefonia para seus clientes. O sistema inclui o que a patente chama de serviços back end mantidos pelo provedor, e por serviços front end acessíveis diretamente pelo cliente. A empresa Quest alegou que comercializa apenas o software front end e, portanto, não configuraria contrafação pela Seção 271(a). No caso do software da Quest, o usuário sob demanda faz solicitação ao back end, de modo que o usuário de fato coloca o sistema como um todo em operação, controlando-o e obtendo benefícios disto, pois como resultado de sua ação consegue obter a resposta que deseja. Quanto a empresa Quest a Corte entende que ao comercializar seu software a empresa não “usa” o sistema conforme a Seção 271(a) pois a mesma não coloca o sistema em operação, quem o faz é o cliente, não sendo, portanto contrafatora: “o sistema como um todo não é usado até que o cliente carregue o software em seu computador pessoal e porcesse os dados. A Quest claramente não preenche esta exigência da reivindicação”.
Em NTP Inc. v. Research in Motion[15] o Federal Circuit já concluíra que haveria contrafação por contribuição em reivindicação de sistema quando do uso do sistema está sob controle do contrafator e em benefício do mesmo. A patente em questão era relativa a um sistema de telecomunicações usado em telefonia celular em que uma das estações de transmissão estava localizada fora dos Estados Unidos e discutiu-se a aplicabilidade da Seção 271(a): “o uso de um sistema reivindicado sobre a Seção 271(a) refere-se ao local em que o sistema como um todo é colocado em serviço, i.e, o local onde o controle do sistema é exercido e o benefício do uso de tal sistema é obtido” (we hold that to use a system for purposes of infringement, a party must put the invention into service, i.e control  the systema as a whole and obtain benefit from it). Em Centillon, seguindo o entendimento de NTP, a Corte entende que o uso de um sistema conforme a Seção 271(a) não é necessário que o contrafator exerça um controle físico e direto sobre cada elemento individual do sistema.
Com base nestas decisões recomenda-se ao depositante no caso de uma invenção patenteável descrever sua invenção na forma de reivindicações de método e de sistema, para melhor garantir sua proteção em caso de litígio.[16]



[1] Congresso ABPI, agosto 2014, São Paulo
[2] 520, US 17 (1997)
[3] 493 F. Supp. 1376 (W.D. La. 1980)
[4] 367 F. Supp. 207 (D. Conn. 1973)
[5] 532 F.3d 1318 (Fed. Cir. 2008)
[6] 498 F.3d 1373, 1380 (Fed. Cir. 2007)
[7] 629 F.3d 1311 (Fed. Cir. 2010)
[8] 2011 U.S. App. LEXIS 7531 (Fed. Cir. 2011)
[9] http://ipkitten.blogspot.com.br/2014/06/us-supreme-court-in-limelight-casts.html
[10] http://www.supremecourt.gov/opinions/13pdf/12-786_664d.pdf
[11] http://www.theregister.co.uk/2014/06/03/supreme_court_nixes_idea_of_indirect_patent_infringement/
[12] 498 F.3d.1373, 1381 (Fed. Cir. 2002)
[13] 424 F.3d 1293 (Fed. Cir. 2005)
[14] http://www.cafc.uscourts.gov/images/stories/opinions-orders/10-1110%20-1131.pdf
[15] 418 F.3d 1282 (Fed. Cir. 2005)
[16] KALOW, David.; SPRINGUT, Milton. Patent infringment and systems claims in the information age. New York Law Journal. v.245, n.42, 4 mar. 2011, http://www.creativity-law.com/wp-content/uploads/2011/05/NYLJ_-2011-_Patent-Infringement-and-Systems-Claims-in-the-Information-Age_.pdf

sábado, 30 de agosto de 2014

Fim das patentes de software ? Planet Bingo

Em agosto de 2014 o Federal Circuit em Planet Bingo, LLC v. VKGS LLC (Fed. Cir. 2014)[1] analisou as patentes US6398646 e US6656045 referentes a métodos implementados por programa de computador para jogos de bingo. A Corte entendeu que, tendo em vista as decisões em CLS Bank v. Alice Corp da Suprema Corte o uso de um computador na reivindicação de método não representa nada mais do que impementar o bingo de forma mais eficiente, aplicando-se a mesma lógica para as reivindicações de sistema (As a preliminary matter, we agree with the district court that there is no meaningful distinction between the method and system claims or between the independent and dependent claims). As reivindicações foram enquadradas como ideia abstrata relativa ao gerenciamento de um jogo de bingo. O juiz Hughes observou que a invenção era similar aos métodos de organização de atividades gumanas considerados ideias abstratas em Alice. O uso de computadorr de uso geral, memórias e terminais de entrada e saída não foram entendidos como tendo qualquer impacto na anáise de patenteabilidade e portanto não são capazes de descaracterizar o método como ideia abstrata. O juiz Huges observou que o gerenciamento de bingo proposto consiste apenas de etapas mentais que podem ser executadas por uma pessoa usando lápis e papel, mesmo raciocínio presente no caso Gottschalk v. Benson da Suprema Corte da década de 1970. O titular da patente Planet Bingo alegou que o sistema manipula milhões de números que não poderiam ser gerenciados de forma manual por qualquer pessoa. O juiz contudo observou que a reivindicação não possui esta restrição e aplica-se independente da quantidade de números gerenciados (the claims recite a program that is used for the generic functions of storing, retrieving, and verifying a chosen set of bingo numbers against a winning set of bingo numbers […] Accordingly, we hold that the claims at issue do not have an ‘inventive concept’ sufficient to ‘transform’ the claimed subject matter into a patent-eligible application). Michael Borella[2] entende que a decisão deixa o camnho aberto para considerar os métodos implementados por programa de computador como ideias abstratas, uma vez que o volume de processamento seja impossível ou impraticável de ser executado mentalmente por um ser humano ou em papel.



[1] http://www.cafc.uscourts.gov/images/stories/opinions-orders/13-1663.Opinion.8-22-2014.1.PDF
[2] http://www.patentdocs.org/2014/08/planet-bingo-llc-v-vkgs-llc-fed-cir-2014.html

sábado, 23 de agosto de 2014

Importação paralela no Brasil

O artigo 68 parágrafo 1o inciso I da LPI estabelece que ensejam licença compulsória: “a não exploração do objeto da patente no território brasileiro por falta de fabricação ou fabricação incompleta do produto, ou, ainda, a falta de uso integral do processo patenteado, ressalvados os casos de inviabilidade econômica, quando será admitida a importação”, ou seja, se a tecnologia possui viabilidade econômica para produção local e titular não a explora, está sujeito à licença compulsória, por outro lado se alega inviabilidade econômica para produção local, então neste caso terceiros poderão importar o produto patenteado.

O produto importado deverá ter sido colocado no mercado externo diretamente pelo titular ou com seu consentimento, caso contrário, tal importação constituirá crime (Artigo 184 inciso II da LPI). Denis Barbosa [1] alerta: “com muito mais razão se aplicará aqui a regra de que não há crime se a importação se faz licitamente – quando o consentimento do titular era inexigível por ter expirado ou inexistir vedação de fabricação no país de onde se importa”. Portanto, a LPI dispõe de mecanismos para coibir estas práticas consideradas lesivas à sociedade.

Está em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 139/99 proposto pelo então Deputado Alberto Goldman (PSDB/SP) que visa a permitir a importação paralela e possibilitar o licenciamento compulsório sempre que o objeto da patente não for explorado no território brasileiro (por falta de fabricação ou manufatura incompleta do produto, ou ainda pela falta de uso integral do processo patenteado), independentemente de viabilidade econômica [2]. Segundo o deputado o Artigo 68 da LPI permite que “se uma empresa entende ser mais interessante instalar uma planta industrial na Argentina e exportar seu produto para o Brasil, ela tem a garantia de reserva do mercado brasileiro, mesmo decorrido o prazo de três anos da concessão de patente previsto no parágrafo 5º do Artigo 68 para que seja requerida a licença compulsória. É uma verdadeira aberração”.

O PL 824/91 que deu origem a LPI o Artigo 58 definia como exploração local efetiva a fabricação completa do produto objeto da patente ou o uso integral do processo patenteado pelo titular ou seu licenciado e sua comercialização de modo a satisfazer as necessidades do mercado dentro das normas e especificações técnicas. A importação poderia ser considerada exploração efetiva quando entre outras condições a sua fabricação no País fosse comprovadamente antieconômica considerando-se o nível da demanda interna e o seu preço em comparação com o produto importado. A Mensagem Presidencial nº 192 que encaminha o PL 824/91 ao Congresso destaca as vantagens da exaustão internacional: “Dentro desse entendimento, caso haja disponibilidade no mercado internacional, o produto, ainda que patenteado no Brasil, poderá ser livremente importado, desde que tenha sido produzido pelo titular ou pessoa por ele autorizada”. O texto justifica a adoção da exaustão internacional pelo fato de na época estar sendo admitida pela maioria dos países que integravam o grupo negociador de TRIPs. No entanto, cumpre destacar que esta perspectiva não se confirmou, uma vez que o texto final de TRIPS se isenta quanto a questões relacionadas á exaustão de direitos do titular da patente. (Artigo 6º). 

Na Europa  Corte de Justiça em decisão de 1996 entendeu que se um produto é colocado em circulação em um território de algum país membro da Comunidade Europeia como consentimento do titular do direito , tal direito se exaure  conforme a doutrina da exaustão de direitos (règle de l’ épuisement du droit) do objeto em questão, que deve então circular livremente dentro do conjunto de países que forma a União Europeia conforme o artigo 36 do Traité sur de fonctionnement de l’Union européenne (TFUE) antigo artigo 36 do Tratado de Roma . O titular do direito não poderá restringir tal circulação livre alegando concorrência desleal quando da importação paralela deste produto. [3]

O Relator Ney Lopes em seu substitutivo PL 824-A, manteve o princípio da exaustão internacional ou importação paralela, porém restringiu sua aplicação apenas para a importação direta do titular da patente ou de seu licenciado no exterior: “Não permitimos, porém, que a pura e simples importação caracterize a exploração do objeto da patente, a contrapartida à concessão de patentes para os setores que atualmente não são protegidos está vinculada à criação de empregos, pagamentos de impostos em nosso país. Exigimos, portanto, a produção local, como regra geral”.

Em seu substitutivo PL 824-A o relator Ney Lopes vinculou a licença compulsória ao exercício abusivo dos direitos pelo titular. Desta forma no substitutivo PL  824-A (Artigo 72) o titular que , explorando ou não, exercer os direitos patentários de forma abusiva estaria sujeito a ter sua patente licenciada compulsoriamente. O deputado Pratini Moraes (PDS/RS) apresentou emenda em abril de 1993 que previa a possibilidade de importação pelo titular como forma de exploração efetiva nos casos em que a comercialização da matéria  patenteada fosse objeto de acordo internacional: “a emenda visa definir melhor os casos em que não cabe a licença compulsória. A crescente internacionalização da economia brasileira e os acordos firmados com países como os que temos em âmbito do Mercosul, recomendam que não se obrigue a licença compulsória quando o país tiver interesses comerciais a preservar

O texto final da LPI permite a importação por terceiros apenas quando da não exploração do objeto da patente no território brasileiro pelo titular ou licenciado, por falta de fabricação ou fabricação incompleta do produto, ou, ainda, a falta de uso integral do processo patenteado, ressalvados os casos de inviabilidade econômica (Artigo 68, parágrafo 1º).





[1] BARBOSA, Denis. Uma Introdução à propriedade intelectual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 468.
[2] http: //www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=15088.
[3] POLLAUD-DULIAN, Frédéric , Propriété intellctuelle. La propriété industrielle, Economica:Paris, 2011, p.57

domingo, 17 de agosto de 2014

IP/Engine v. AOL, Google e outros

Em IP/Engine v. AOL, Google e outros o Federal Circuit[1] em decisão de agosto de 2014 discutiu a não obviedade das patentes US6775664 e US6314420 referentes a método para filtragens de buscas na internet que utiliza uma combinação de critérios baseados no conteúdo da informação e em filtragem colaborativa, ou seja, em informações obtidas dos usuários quanto a relevância das páginas na busca. No estado da técnica são encontradas as duas técnicas, tanto a baseada em conteúdo como a colaborativa como técnicas complementares. A I/P Engine alegava que o estado da técnica mostra o uso híbrido destas técnicas para se detectar a relevância de um documento mas não para utilizar este recurso em um método de filtragem de buscas.  A Corte conclui que integrar este critério de busca com um processo de filtragem em mecanismos de buscas é considerado óbvio uma vez que a própria descrição do estado da técnica das patentes em questão se referem a esta combinação. Segundo Constant v. Advanced MicroDevices[2] uma declaração na própria patente de que algo pertence ao estado da técnica é vinculativo (binding) para determinação de antecipação (anticipation - novidade) e obviedade. Ademais a Corte observa que os processos conhecidos de busca conhecidos utilizam-se da etapa de rank de respostas e aplicação de um limiar para filtragem das respostas a ser exibidas. Em voto concordante o juiz Mayer considerou a invenção proposta como óbvia, pois da mesma forma uma pessoa que planeje uma viagem para Londres pode consultar um guia de viagem que irá fornecer informações sobre museus e pontos turísticos (dados baseados no conteúdo) assim como em comentários de ouras pessoas que divulgaram suas impressões sobre estes mesmos museus (dados colaborativos) se modo que o viajante possa tomar uma decisão levando em conta a combinação destes dois dados. A implementação deste mesmo conceito na internet usando um computador de uso geral é considerada como óbvia pelo juiz Mayer, citando o caso CySource Corp. v. Retail Decisions[3] em que a Corte entendeu que a reivindicação em análise consistia meramente na coleta e organização de dados relativos a números de cartões de crédito e endereços de internet.



[1] http://www.cafc.uscourts.gov/images/stories/opinions-orders/13-1307.Opinion.8-13-2014.1.PDF
[2] 848 F.2d 1560, 1570 (Fed. Cir. 1988)
[3] 654 F.3d 1366, 1370 (Fed. Cir. 2011)

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Contrafação de método nos Estados Unidos

Nos Estados Unidos o Federal Circuit na decisão BMC v. Paymentech, 498 F.3d.1373, 1381 (Fed. Cir. 2002) concluiu que em uma reivindicação de método é necessário que o contrafator realize todas as etapas do método para que se configure a contrafação. Para a configuração de contrafação por contribuição é necessário que antes alguém tenha sido identificado como realizando contrafação direta. No caso de uma reivindicação de método que descreve a funcionalidade de um sistema computacional, muitas das etapas descritas não são executadas pelo usuário final o que descaracteriza a contrafação pelo usuário do sistema. Em Centillion Data Systems, v. Qwest, 2010-2220, 1131 (Fed. Cir. 2011) ao invés de estender este mesmo conceito para reivindicações de sistema, a Corte entendeu que reivindicações de método e de sistema tem escopo distinto, observando que o uso de uma reivindicação de sistema ocorre no local em que o sistema como um todo é colocado em operação pelo usuário e não onde cada uma de suas partes é executada remotamente. Assim o usuário final não precisa ter o controle físico de todos os elementos citados na reivindicação de sistema, basta que ponha o sistema a operar com o modo descrito na reivindicação. Com base nestas decisões recomenda-se ao depositante no caso de uma invenção patenteável descrever sua invenção na forma de reivindicações de método e de sistema, para melhor garantir sua proteção em caso de litígio.[1]
Em SiRF Technology, Inc. v. International Trade Commission o Federal Circuit conclui pela necessidade de que todas as ações descritas na reivindicação de método devam ser realizadas por apenas uma das partes para se caracterize a contrafação. No caso a Corte entendeu que todo o processo, que descrevia um método de utilização de GPS, recepção e transmissão de dados via satélite, era controlado por chips e caberia ao usuário final meramente ativar o serviço, desta forma configurando a contrafação.[2]
Diversos casos na justiça norte-americana tem discutido a caracterização de contrafação seja direta ou por contribuição para reivindicações de método em que cada etapa é realizada pelo contrafator de forma isolada. A conclusão tem sido a de que quando as ações de diferentes partes podem ser combinadas para realizar as etapas descritas na reivindicação, somente haverá infração direta se uma destas partes possui o controle ou o direcionamento sobre todo o processo de modo que cada uma destas ações pode ser imputada como tendo sido realizada sob o comando da parte que detém o controle do processo (Akamai Technologies, Inc. v. Limelight Networks, Inc.; McKesson Technologies Inc. v. Epic Systems Corp.).
A Suprema Corte em Limelight Networks, Inc. v. Akamai Technologies, Inc. em junho de 2014 concluiu que uma empresa não pode ser acusada de induzir a contrafação segundo o § 271(b) se não há um contrafator direto segundo o § 271(a), seguindo o entendimento já expresso em Aro Mfg. Co. v. Convertible Top Replacement Co[3]. A decisão analisou a contrafação da patente US6108703 de titularidade do MIT e licenciada para a Akamai, referente a um método de distribuição de dados eletrônicos usando uma rede de distribuição de conteúdos (CDN) que utiliza coomo uma de suas etapas a marcação (tagging) de alguns componentes dos websites. A Limelight operava uma rede CDN similar porém os próprios clientes faziam suas próprias marcações. A Corte Distrital citou o caso Muniauction, Inc. v. Thomson Corp[4] em que o Federal Circuit entendeu que para haver contrafação direta segundo o § 271(a)[5] é preciso que um agente execute todas as etapas do método patenteado, ou que mesmo que cada etapa seja executada por diferentes pessoas, que exista uma pessoa que mantenha o controle e direção do processo como um todo.[6] O Federal Circuit entendeu que a Limelight não detinha o controle do processo como um todo do processo, pois não tinha o controle da marcação feita pelos usuários. [7]



[1] KALOW, David.; SPRINGUT, Milton. Patent infringment and systems claims in the information age. New York Law Journal. v.245, n.42, 4 mar. 2011, http://www.creativity-law.com/wp-content/uploads/2011/05/NYLJ_-2011-_Patent-Infringement-and-Systems-Claims-in-the-Information-Age_.pdf
[2] When “valid” patent claims are not enforceable Taft Stettinius & Hollister LLP Anthony P. Filomena II USA July 18 2011, http://www.lexology.com/library/detail.aspx?g=98b31541-f3b8-4ff8-9bd6-34141c249bbd ; FABER, Robert. Faber on Mechanics of Patent Claim Drafting (Sixth Edition), 2012, p.4-30
[3] 365 U. S 336, 341 (1961)
[4] 532 F. 3d 1318 (2008)
[5] 271 (a) Except as otherwise provided in this title, whoever without authority makes, uses, offers to sell, or sells any patented invention, within the United States or imports into the United States any patented invention during the term of the patent therefor, infringes the patent.
[6] DENGLER, Ralph. Supreme Court curbs inducement doctrine in Limelight Networks v. Akamai Technologies 5/06/2014 http://www.lexology.com
[7] 02/06/2014 http://www.patentdocs.org/2014/06/limelight-networks-inc-v-akamai-technologies-inc-2014.html

terça-feira, 12 de agosto de 2014

A vocação internacionalizante da propriedade industrial

Nas palavras de Joseph Kohler [1]: “qualquer um que tenha criado uma obra do pensamento deve ter seu direito em todos os lugares do mundo, porque ele não é somente membro da nação, ele é membro da humanidade”.

Para Edmond Piccard ao discorrer sobre a propriedade intelectual afirma: “a produção do espírito, objeto do direito intelectual, destina-se naturalmente a expandir-se para todos os lugares aonde vai a civilização. Ela é divisível ao infinito, mas permanece sempre uma. O autor de um livro, o inventor de um processo industrial, aquele que produziu uma obra musical ou uma obra suscetível de ser divulgada por não importa qual arte ou desenho, certamente não trabalhou unicamente para seu próprio mundo, no qual ele vive, nem mesmo para a nação à qual pertence. Seu desejo, sua esperança, é de ver seu trabalho se expandir. Sua intensidade não se perde, mas, ao se expandir, adquire um vigor novo” [2]. Para Paul Roubier: “a proteção industrial tende a tomar cada vez mais um caráter internacional”. [3]

Como coloca Bodenhausenuma proteção neste domínio, limitada a um território nacional, teria por conseguinte, um valor muito relativo e aqui, mais que em qualquer outro domínio, uma proteção internacional é necessária”. Apesar disso, as patentes tem validade territorial, ou seja, uma patente concedida pelo INPI tem validade apenas no Brasil.

Mesmo críticos do sistema de patentes como Edith Penrose reconhecem que [4]: “se há um sistema de propriedade dos bens intelectuais, ele deve ser, necessariamente, internacional. Este postulado é particularmente claro no que toca à proteção da tecnologia. O país que concede um monopólio de exploração ao titular de um invento está em desvantagem em relação aos que não o outorgam: seus consumidores sofreriam um preço monopolista, enquanto os demais teriam o benefício da concorrência, além de não necessitarem alocar recursos para a pesquisa e desenvolvimento”. A vantagem dos free riders de que trata Edith Penrose, porém, é ilusória, pois a longo prazo o país que não protege seus ativos intelectuais é incapaz de gerar tecnologia autônoma, uma vez que cessa um estímulo importante para tais investimentos.

O caráter internacionalizante da propriedade intelectual se evidencia, por exemplo, pelo fato de as Convenções de Berna e Paris serem consideradas as primeiras a regulamentar e uniformizar juridicamente um tema de interesse internacional [5].





[1] BASSO, Maristela. O Direito Internacional da propriedade intelectual.Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2000. p. 21 e 24.
[2] BASSO. op. cit. p. 19.
[3] Cf. BINCTIN, Nicolas. Droit de la propriété intellectuelle, LGDJ:Paris, 2012, p.619
[4] BARBOSA, Denis. Uma Introdução à propriedade intelectual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 73.
[5] BARBOSA, Denis Borges; MAIOR, Rodrigo Souto; RAMOS, Carolina Tinoco, O contributo mínimo em propriedade intelectual: atividade inventiva, originalidade, distinguibilidade e margem mínima. Rio de Janeiro: Lumen, 2010. p. 141.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

USPTO: nova diretriz proposta

Em junho de 2014 o USPTO divulgou uma proposta de guia de exame (Preliminary Examination Instructions in view of the Supreme Court Decision in Alice Corporation Pty. Ltd. v. CLS Bank International, et al., No 13-298 (June 19, 2014) (Preliminary Alice Corp. Instructions)[1] No caso Alice, a Suprema Corte amplia uma análise já implementada no caso Mayo para leis naturais e fenômenos naturais. A mesma abordagem agora também se aplica as ditas ideias abstratas. O novo guia do USPTO diere da prática anterior em dois aspectos: i) o USPTO vinha tratando de forma diferenciada a análise de patenteabilidade de ideias abstratas e leis da natureza, ii) a Suprema Corte em Alice estabelece que a mesma análise deva ser aplicada para todas as categorias de reivindicações, tanto para reivindicações de produto como para as de processo, enquanto a análise anterior nesses casos, aplicava o conceito de ideia abstrata apenas para os métodos, tal como em Bilski. Apesar disso, mantém-se a análise de patenteabilidade nas seguintes etapas: i) determine se a reivindicações se enquadram como processo, máquina, manufatura ou composição da matéria, caso contrário rejeite a reivindicação, ii) determine se a reivindicação incide em alguma exclusão estabelecida pelo judiciário, ou seja, lei da natureza, fenômeno natural e ideia abstrata. Para tanto use a análise detalhada a seguir.
Para enquadrar uma reivindicação como ideia abstrata (reivindicações de porduto oou porcesso) lembtre-se que toda a invenção em alguma medida se fundamenta em alguma ideia abstrata, de modo que o fato de envolver uma ideia abstrata não necessiriamnee significa que devemos rejeitar esta reivindicação. Exemplos de ideias abstratas: práticas econômicas fundamentais, certos métodos para organizar a atividade humana, uma ideia propriamente dita, uma relação matemática. Se uma ideia abstrata está presente na reivindicação determine se qualquer elemento ou combinação de elementos presentes na reivindicação são suficientes para garantir que a reivindicação representa algo significativamente mais (significantly more) do que a ideia abstrata propriamente dita. Em outras palavras: existem outras limitações que mostrem tratar-se de uma aplicação patenteável de uma ideia abstrata ? Considere a reivindicação como um todo, por exemplo, se a reivindicação proporciona melhoria em outro campo tecnológico, melhoria no funcionamento do computador propriamente dito, se estão presentes limitações significativas que vão além do uso de uma ideias abstrata para um ambiente tecnológico em particular. Nesta análise não são considerados significativos: i) simplesmente adicionar os termos “aplicado para” ou termo equivalente, ou mera instrução para implementar uma ideia abstrata em um computador, ii) fazer de uso de um computador genérico executando funções conhecidas de rotina e convencionais previamente conhecidas da indústria. Se não forem encontradas tais limitações significativas a reivindicação deve ser rejeitada como ideia abstrata, contrariando o 35 USC 101. Ainda que rejeitada a reivindicação deve ser submetida a análise dos demais critérios da seção 101, como utilidade e dupla porteção, bem como suficiência descritiva (112), novidade (102) e não obviedade (103).

Suprema Corte dos Estados Unidos




[1] http://www.uspto.gov/patents/announce/interim_alice_guidance.jsp

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Patente de métodos matemáticos

Uma invenção baseada em método matemático, para aplicação industrial e não meramente restrita ao campo da matemática pode ser patenteável. Uma equação que descreva um fenômeno da natureza não será patenteável por consistir uma descoberta, uma descrição de como “funciona” a natureza. A equação de Newton que afirma que a força é dada pelo produto da massa e aceleração de um corpo, por exemplo, apenas descreve algo do mundo físico e, portanto, não será patenteável, ainda que a natureza não se comporte exatamente conforme esta equação. Uma vez enquadrado o pedido e patente como teoria científica não compete ao examinador discutir com o requerente se a teoria apresentada está correta ou não. Em T 1538/05 o Boards of Appeal conclui que caracterizado como teoria científica, sem qual efeito técnico observável, não compete ao escritório de patentes analisar o mérito ou a veracidade da teoria, sendo tal discussão mais pertinente a forums acadêmicos. [1] Nicolas Binctin observa que as invenções fundamentadas em teorias matemáticas ou científicas podem ser patenteadas, uma vez que a exclusão se deve a teorias como tal, de modo que u método de criptografia pode ser considerado invenção.[2]
Uma invenção baseada em uma equação matemática que descreva o modo como se deva controlar a temperatura de um forno, levando-se em conta diversas variáveis, mostra a intervenção do homem sobre a natureza, sendo portanto passível de proteção por patentes. Por exemplo o PI0213904 refere-se a uma solução aquosa de formaldeído compreendendo formaldeído em forma de formaldeído monomérico, metileno glicol e polioximetileno glicóis em uma concentração total superior a 65 % em peso, caracterizada pelo fato de que a massa molar média dos polioximetileno glicóis, como uma função da concentração de formaldeído, é igual a ou inferior aos valores dados na equação XYZ: em que: m é a massa molar média, x é a concentração total de formaldeído em forma de formaldeído monomérico, metileno glicol e polioximetileno glicóis em % em peso (concentração total de formaldeído). A reivindicação apesar de citar textualmente uma equação matemática não se configura como método matemático, pois resolve um problema de natureza técnica na preparação de produtos de reação.
Mario Livio em “Deus é matemático” analisa se devemos considerar os métodos matemáticos como invenções, produtos da criação humana, ou descobertas. Mesmo teorias matemáticas antes tidas como meras abstrações acabam adquirindo aplicação prática, tal como erro com a teoria dos números que viria a ser aplicada por Clifford Cocks no desenvolvimento de algoritmos de criptografia. Mesmo a geometria euclidiana antes tida como representação inevitável da natureza em suas formas, teve de enfrentar o surgimento da geometria n-dimensional, dita não-euclidiana, criada por matemáticos como Lobachevsky  em 1850, que libertou os matemáticos das restrições de espaço tempo até então submetida. Outros pontos de ruptura com uma visão única de matemática foi o surgimento na primeira álgebra não comutativa proposta por Hamilton em 1843, o das lógicas multivalentes proposta por Lukasiewicz em 1921 e o paradoxo  na teoria dos conjuntos de Cantor. [3]
Henri Poincaré chegou a afirmar que os axiomas de geometria “não são nem intuições sintéticas a priori nem fatos experimentais. São convenções. Nossa escolha entre todas as convenções possíveis é guiada por fatos experimentais, mas ela permanece livre”. Nesta interpretação a matemática está muito mais próxima de uma invenção do que de uma descoberta. [4]  Segundo Howard Eves: “o postulado de Euclides, por exemplo, na medida em que tenta interpretar o espaço real, revela ter o mesmo tipo de validade da lei de queda livre dos corpos de Galileu; isto é, ambos são leis que decorrem da observação e ambos são suscetíveis de verificação dentro dos limites do erro experimental”. Ainda segundo o historiador Horward Eves, com a geometria não euclideana “a matemática despontou como uma criação arbitrária do espírito humano e não como algo necessariamente ditado a nós pelo mundo que vivemos”. Para o historiador Eric Bell “Da mesma maneira que um romancista cria personagens, diálogos e situações dos quais ele é, ao mesmo tempo, autor e senhor, o matemático inventa à vontade os postulados sobre os quais baseia seus sistemas matemáticos. Tanto o romancista como o matemático podem ser influenciados pelo meio ambiente na escolha e tratamento de seu material; mas nenhum deles é compelido por uma necessidade extra humana, eterna, a necessariamente criar certos personagens ou a inventar certos sistemas”.[5] James Maxwell referia-se ao trabalho de Fourier como “um grande poema matemático”.
O lógico norte americano Alonzo Church aprofunda a crítica na medida em que não somente os postulados da matemática são mutáveis como a própria lógica: “Não se atribui nenhum caráter de unicidade ou de verdade absoluta a qualquer sistema lógico particular. Os entes da lógica formal são abstrações criadas com o fito de descrever ou sistematizar fatos da experiência ou observação, e suas propriedades, delineadas aproximadamente pelo uso em vista, dependem do inventor para adquirir um caráter exato [...] Consequentemente pode haver, e realmente há, mais do que uma geometria suscetível de descrever o espaço físico. Analogamente existe, sem dúvida nenhuma, mais de uma lógica suscetível de ser usada e, de todas elas, uma pode ser mais agradável ou mais conveniente, mas não se pode dizer que esta seja certa e aquela errada”.[6]
Na sociologia de acordo com Paul Feyerabend, novas teorias na ciência devem ser aceitas não pelo fato de estarem de acordo com o método dito científico, mas porque seus proponentes podem fazer uso de qualquer artifício – racional, retóricos ou vulgares – no sentido de desenvolver sua causa. Para Paul Feyerabend a única possibilidade de progresso ocorre quando se admite que “todas as teorias valem”. [7] Para David Bloor, da Universidade de Edimburgo, Escócia, defensor de um “programa forte em sociologia das ciências”, esta análise que relativiza as “verdades da ciência” pode ser estendida também para domínios considerados inexpugnáveis, como o da matemática.
Para Mario Livio a matemática é uma combinação de invenções e descobertas: “os axiomas da geometria euclidiana como um conceito foram uma invenção assim como as regras de xadrez foram uma invenção. Os axiomas foram também suplementados por uma variedade de conceitos inventados, como triângulos, paralelogramos, elipses, a razão áurea e assim por diante. Os teoremas da geometria euclidiana, por outro lado, foram no geral descobertas, foram caminhos ligando os diferentes conceitos ... Tipicamente os conceitos foram invenções. Números primos como um conceito foram uma invenção, mas todos os teoremas sobre números primos foram descobertas[8]. Maria Livio utiliza o termos invenção para tudo o que é fruto da liberdade de criação do homem. Este não é o conceito de invenção que é empregado na lei de patentes. Nem todas as obras da criação do espírito humano são objeto de patente. Assim os exemplos citados por Mario Livio encontram-se excluídos da proteção patentária por falta de aplicação industrial.
O autor cita, contudo, um exemplo que pode se aplicar a distinção entre invenção e descoberta pela lei de patentes. Tanto a relatividade especial quanto a relatividade geral desenvolvidas por Einstein não são patenteadas por constituírem teorias científicas, uma das possíveis descrições do universo. O GPS utiliza tais teorias ao determinar a posição atual do receptor por meio da medição do tempo que leva um sinal eletromagnético de vários satélites chegar até ele e pela respectiva triangulação de posições de cada satélite. A relatividade especial nos informa que o tempo nestes satélites deve ser um pouco mais lento do que o registrado nos relógios no solo terrestre por conta de seu movimento relativo. A relatividade geral por outro lado prediz que os relógios dos satélites devam ser mais rápidos dos que os do solo por conta da curvatura espaço tempo resultante da massa da Terra ser menor na altitude dos satélites. Um sistema que leve em conta estes efeitos garante medições de posição mais precisas, o que de outra forma poderia levar a erros cumulativos de até 8 kilômetros por dia. Um sistema de sincronização de sistemas GPS que leve em conta tais efeitos é patenteado ao passo que qualquer pessoa continua livre para utilizar as mesmas teorias relativísticas para outras aplicações.[9]
O parecer do pedido PI9407646 sintetiza os argumentos para patenteabilidade de métodos matemáticos. O pedido trata de processo computadorizado para otimização de gastos e a taxa de crescimento em criaturas vivas tomando por base curvas de Gompertz que levam em conta múltiplos parâmetros (genéticos e não genéticos). O parecer conclui: “Uma invenção relativa a programa de computador cuja novidade está na utilização de um método matemático para solução de um problema será considerado invenção desde que a invenção como um todo traga a solução de um problema técnico, isto é, um problema que não seja puramente matemático. Um programa de computador que implemente um método matemático, tal como um método de solução de equações, por exemplo, não será considerado invenção pois se trata de um problema de matemática pura, isto é, o estudo das propriedades das grandezas em abstrato. Para tal criação ser considerada invenção é necessário que tal algoritmo matemático seja aplicado em determinado campo da prática, isto é, fora do universo da matemática propriamente dito. A requerente procede em seu argumento, de que no presente caso, há a aplicação de um modelo matemático para um problema de ordem prática, e não meramente matemática”.

Alonso Chuch [10]


[1] Case Law of the Boards of Appeal of the European Patent Office Sixth Edition July 2010, p. 12 http://www.epo.org/law-practice/case-law-appeals/case-law.html
[2] BINCTIN, Nicolas. Droit de la propriété intellectuelle, LGDJ:Paris, 2012, p.297
[3] EVES, Howard. Introdução à história da matemática, São Paulo. Ed. Unicamp, 2004, p.555
[4] Deus é matemático. Mario Livio, Rio de Janeiro:Record, 2010, p.190
[5] EVES, Howard. Introdução à história da matemática, São Paulo. Ed. Unicamp, 2004, p.528, 545
[6] EVES, Howard. Introdução à história da matemática, São Paulo. Ed. Unicamp, 2004, p.671
[7] http://pt.wikipedia.org/wiki/Paul_Feyerabend
[8] LIVIO, Mario. op.cit. p.275
[9] LIVIO, Mario. op.cit. p.257
[10] www.educ.fc.ul.pt

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Função social das patentes

A Constituição de 1988 refere-se a questão ao tratar dos direitos individuais no Artigo 5º inciso XXIX “a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País”. Este mesmo princípio está expresso no artigo 2º da LPI: “A proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País, efetua-se mediante concessão de patentes de invenção e de modelo de utilidade“. No  PL 824/91  não constava a cláusula finalística. Em seu substitutivo (PL 824-A) o relator do projeto Deputado Ney Lopes acolheu emenda de Ariosto Holanda (PSB/CE) ressaltando que a proteção dos direitos relativos à propriedade industrial deva considerar a sua função social e o interesse do desenvolvimento tecnológico e econômico do país. Segundo o relator da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania do Senado ao projeto que deu origem à LPI, Ney Suassuna: “Ou seja, a lei patentária brasileira há que promover a proteção ao direito inafastável do inventor. Este escudo legal, entretanto, em nome do interesse público pelo desenvolvimento social e econômico de todos os brasileiros, deve satisfazer a outro imperativo, além do mero atendimento ao reclamo individual. O comando constitucional, do ponto de vista formal, como vimos no artigo 5o inciso XXIX, e do ponto de vista material, pelo conjunto de princípios que inspira nossa Lei Maior, impõe-nos a elaboração de um dispositivo legal que sirva, ao mesmo tempo, como instrumento de política econômica, de indutor de desenvolvimento e de crescimento social” [1].

O sistema de patentes deve, portanto, encontrar um equilíbrio entre o interesse privado do titular da patente o interesse público da sociedade, sendo estes dois interesses legítimos e constitucionais. O mesmo capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos estabelece no inciso xxii que é garantido o direito de propriedade e no inciso xxiii que a propriedade atenderá a sua função social. Ao observar que o direito à propriedade intelectual é um direito constitucional Gabriel Di Blasi conclui: “isso significa dizer que o seu exercício não é um fim em si mesmo, mas antes um meio de promover os valores sociais, cujo vértice central encontra-se na própria pessoa humana” [2] Segundo Cláudio Barbosa: “A função social é alcançada com a manutenção de um fluxo de criação e circulação de informação, criando-se um valor econômico e social. Quando a proteção é excessiva, perde-se a função de incentivo, estanca-se a criação e a circulação da informação, e, consequentemente, constata-se que a proteção gera externalidades negativas, acarretando um custo social”.[3] Para Pontes de Miranda toda  a propriedade só se justifica por sua função social.[4] Segundo o Ministro Celso Bandeira de Mello: “O interesse social, quando em conflito com o indivíduo deve prevalecer, porque a sociedade é o meio, em que o homem vive; não há homem fora da sociedade [...] O princípio da supremacia  do interesse público sobre o interesse privado é princípio geral do Direito inerente a qualquer sociedade”.[5]

Segundo Izabel Vaz “a propriedade intelectual cria, para o seu titular, através dos instrumentos da patente e do registro, direitos morais e patrimoniais exclusivos, que funcionam como recompensa pecuniária, mas a utilização dos bens produzidos pela criatividade humana vincula-se à observância dos interesses sociais, à necessidade de capacitação tecnológica nacional, ao progresso, e ao bem estar de toda a comunidade. Aí vemos a conveniência de conciliar-se o legítimo interesse do inventor ou do autor, enquanto criador de um bem socialmente útil e economicamente valorável, com a necessidade de torná-lo acessível à sociedade” [6]. Segundo Lucas Rocha Furtado [7] “a propriedade privada, como posta na Constituição, vincula-se a um fim – a função social – não sendo garantida em termos absolutos, mas apenas na medida em que atenda este fim”, ou seja, os direitos do inventor “não poderão sobrepor-se aos interesses sociais e nem frustrar a realização da função social do direito de propriedade industrial, sendo certo ainda que visarão sempre ao desenvolvimento tecnológico e econômico do País”. Para Denis Barbosa a proteção à propriedade industrial tendo em vista sua função não deve inibir por completo o papel da cópia que também exerce um efeito propulsor do desenvolvimento econômico: “Toda a missão do direito no plano da imitação não é, assim, vedar a cópia, mas exercer um balanceamento cuidadoso entre a eficiência da cópia e a eficiência de vedar a cópia, quando essa  vedação exerce uma função social. E distinguir entre as duas hipóteses, segundo o que as normas jurídicas prescrevem, é toda a arte”.[8]

Segundo o TRF3 “A Constituição Federal protege a propriedade na medida em que atenda à sua função social, ou seja, a propriedade não pode obstar à realização dos objetivos públicos e do interesse social.”[9] Segundo o Desembargador André Fontes: “não se pode olvidar a prevalência do interesse social inerente às criações industriais (inciso XXIX do artigo 5.º da Constituição da República), cuja proteção, como se sabe, é exceção à regra de que permaneçam em domínio público, pois tal privilégio é sempre deferido por prazo limitado e se submete à observância de diversos requisitos. É de interesse de toda coletividade que não subsista a exclusividade sobre a exploração de determinado invento” [10].

O termo “função social da propriedade” foi utilizado por Augusto Comte, em 1851, fundador da teoria positivista, onde condenou os excessos capitalistas e as utopias socialistas, defendendo uma função social da propriedade[11]: “O positivismo está duplamente empenhado em sistematizar o princípio da função social, que trata da natureza social da propriedade e sobre a necessidade de regulá-la”[12]. Coube ao francês Leon Duguit, desenvolver a tese de que o direito do proprietário é limitado pela missão social que possui. [13] Na doutrina francesa Renouard e Nicolas Binctin destacam que uma criação tecnológica tem uma função muito importante quanto ao progresso social e ao bem estar, tal progresso deve beneficiar uma grande parte da população.[14]


Auguste Comte [15]





[1] BARBOSA, Denis. Usucapião de patentes e outros estudos de propriedade industrial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 84
[2] Di BLASI, Gabriel. A propriedade Industrial: os sistemas de marcas, patentes, desenhos industriais e transferência de tecnologia.Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 46.
[3] BARBOSA, Cláudio. Propriedade Intelectual: introdução à propriedade intelectual como informação. Rio de Janeiro:Elsevier, 2009, p.53
[4] MIRANDA, Pontes. Tratado do Direito Privado, Rio de Janeiro:Borsoi, tomo XVI, 1956, p.256
[5] MELLO, Celso Bandeira . Curso de direito administrativo, São Paulo: Malheiros, 2011, p. 96 cf. BARBOSA, Pedro Marcos Nunes. Direito Civil da propriedade intelectual: o caso da usucapião de patentes. Rio de Janeiro, Lumen Juris,2012, p.8
[6] VAZ, Izabel. Direito Econômico da Propriedade.Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 420
[7] FURTADO, Lucas Rocha. Sistema de Propriedade Industrial no Direito brasileiro. Brasília: Brasília Jurídica, 1996. p. 22
[8] BARBOSA, Denis.  A propriedade industrial e a sua vertente parasitária. Revista da ABPI – nº 116 – Jan/Fev 2012, p.21
[9] TRF3 Processo: AMS 10245 SP 2003.61.00.010245-5 Relator(a): DESEMBARGADOR FEDERAL MAIRAN MAIA Julgamento: 06/05/2010  Órgão Julgador: SEXTA TURMA http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/9222998/apelacao-em-mandado-de-seguranca-ams-10245-sp-20036100010245-5-trf3
[10] TRF2 AÇÃO RESCISÓRIA 2007.02.01.006831-6, RELATOR: ANDRÉ FONTES, AUTOR: INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL – INPI, PROCURADOR: ANDRE LUIS BALLOUSSIER ANCORA DA LUZ, REU: WARNER-LAMBERT COMPANY, ADVOGADO: JOAQUIM EUGENIO GOULART E OUTROS, ORIGEM: SEXTA VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (9800257675)
[11] GRAU, Eros Roberto. Função Social da Propriedade (Direito econômico). Enciclopédia do Direito. vol. 39, p. 17-27, São Paulo: Saraiva, 1979
[12] COMTE, Auguste. Teoria Positivista: Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1989.
[13] DUGUIT, Leon. Fundamentos do Direito. São Paulo: Ícone, 1996
[14] BINCTIN, Nicolas. Droit de la propriété intellectuelle, LGDJ:Paris, 2012, p.41; RENOUARD, Augustin. Du droit industriel dans sés reports avec les principes du droit civil sur les personnes et sur les choses. Guillaumin, Paris, 1860, p.406
[15] http://pt.wikipedia.org/wiki/Auguste_Comte