sábado, 30 de setembro de 2017

Invenções contra ordem pública


Segundo Manual da DIRPA de 1994 “as invenções que se destinem aos jogos de azar (por exemplo, jogo de roleta) não se incluiriam, necessariamente, nas proibições, uma vez que a lei coíbe tão somente a exploração não autorizada de tais jogos, e não o jogo em si. No que tange à segurança pública, o exemplo citado a nível internacional diz respeito às denominadas cartas-bomba, uma vez que as mesmas têm como única finalidade o dano, atingindo de forma direta à segurança pública[1]. Segundo Manual da DIRPA de 1994 “a disposição legal deve ser entendida de modo a alcançar somente as invenções cujo caráter de licitude relacione-se diretamente ao objeto da invenção, não alcançando aquelas cuja ilicitude pode advir de uma das formas ou modos particulares de utilização ou emprego da mesma não previstas no relatório descritivo do pedido[2]. O Estado não protege invenções que possam prejudicar o ser humano, em consonância com um dos fundamentos do Estado brasileiro que é a dignidade da pessoa humana (Constituição Federal, artigo 1o III). Trata-se de princípio geral de direito a proteção do bem comum, de interesse geral da coletividade de modo que todo ato jurídico terá objetos lícitos nos termos do artigo 185 do Código Civil, sendo, portanto, impossível a patenteação de objetos ilícitos, como os contrários à moral, aos bons costumes, à segurança, à ordem e à saúde públicas[3]. O guia de exame da Argentina de 2012 cita como exemplos contrários á ordem publica uma carta bomba: “uma prova  adequada para aplicar é considerar se é provável que o público considere tal invenção em geral tão detestável que a concessão de direitos de patente seria visto como algo inconcebível[4] David Pressman cita como exemplos invenções úteis unicamente para fins ilegais sistemas para desarmar alarnnes de ladrões, sistemas para quebrar a segurança de cofres, máquinas para copiar cédulas, contudo outras invenções embora possam ter algum fim ilícito não se restringe a tais aplicações podendo ser objeto de patentes como sistemas que alertam a presença de radares em estradas com intuito de evitar multas, mas que pode ser visto como um equipamento de teste dos radares.[5]



[1] Diretrizes de análise de patentes, proposta para discussão, 1a versão, agosto 1994, INPI/DIRPA, p.96, Comentários à Lei de Propriedade Industrial, Douglas Gabriel Domingues, Rio de Janeiro:Ed. Forense, 2009, p.72
[2] Diretrizes de análise de patentes, proposta para discussão, 1a versão, agosto 1994, INPI/DIRPA, p.95
[3] Direito de Patentes: condições legais de obtenção e nulidades, Jacques Labrunie, São Paulo:Manole, 2006, p.52
[4] BENSADON, Martin. Derecho de Patentes, Buenos Aires:Abeledo Perrot, 2012, p. 261, 212
[5] PRESSMAN, David. Patent It Yourself, California:Nolo, 2009, p.99

O papel do acaso: raios X


Ao realizar experimentos com o tubo de raios catódicos, conhecido como tubo de Crookes, o alemão Wilhem Roentgen notou um efeito curioso. Em suas pesquisas Wilhem Roentegn usava tubos de diferentes formatos, alguns em formato de pera, com o catodo na extremidade mais fina. Os raios catódicos eram lançados sobre a extremidade maior e faziam brilhar o vidro. Para ocultar a luminosidade excessiva, Roentgen cobria alguns tubos com papel preto ou um pedaço de papelão. Próximo do tubo haviam placas de um material fluorescente, chamado platino cianeto de bário, que brilhava sempre que o tubo era ligado. Num certo dia havia, por acaso, uma barra de ferro de um aparelho estava entre o tubo e o anteparo de papelão colocado em uma mesa. Ele pode observar que no anteparo se observava uma sombra da vara de ferro, embora sobre ela não incidisse nenhuma luz que justificasse a sombra. O brilho persistia mesmo que Roentgen colocasse obstáculos entre o tubo e as placas de cianeto de bário. Aqueles não eram raios catódicos, embora fossem produzidos quando estes atingiam as paredes de vidro do tubo. Não poderiam ser partículas, pois os raios não eram defletidos por um campo magnético ou elétrico, por outro lado não eram refratadas por uma lente, o que mostrava que se tratava de raios de comprimento de onda muito pequeno [1]. A natureza dos raios X foi determinada somente em 1912 com os trabalhos de Max von Laue, ao demonstrar que estes são uma forma de radiação como a luz que se produz quando elétrons em movimento são subitamente detidos ao chocar-se contra um alvo metálico. O fenômeno que havia sido percebido por outros cientistas como Philip Lenard [2] era visto como mera curiosidade, levou a Roentgen desenvolver o que viria a se tornar o primeiro aparelho de raios X para detecção de fraturas em ossos [3]. Em dezembro de 1895 apresentou seu relatório à Associação Física e Médica de Wurzburg sob o título: “De uma nova espécie de raios”. [4]Inicialmente Roengten não percebera o alcance da descoberta na área de diagnóstico.[5] A seu pedido, suas anotações de laboratório foram queimadas após sua morte, de modo que não podemos ter certeza em que circunstâncias Wilhelm Roentgen descobriu os raios X. [6] Embora não representasse qualquer questionamento das teorias existentes, a comunidade científica reagiu com surpresa. A princípio Kelvin considerou um embuste muito bem elaborado, no entanto, tais dúvidas rapidamente se dissiparam.[7] O jornal da Associação Médica Americana publicou matéria mostrando-se cético quanto a viabilidade prática do método diante da necessidade de um tempo excessivo de exposição e o custo do equipamento, no entanto já na guerra greco turca de 1897 a radiografia já estaria sendo empregada para identificação de projéteis nos feridos.[8]



[1] RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência, vol. IV A ciência nos séculos XIX e XX, Rio de Janeiro: Zahar, 1987, p106
[2] FRIEDMAN, Meyer; FRIEDLAND, Gerald. As dez maiores descobertas da medicina. São Paulo:Cia das Letras, 2000, p. 175; PHILBIN, Tom. As 100 maiores invenções da história, Rio de Janeiro:DIFEL, 2006, p.164
[3] DUARTE.op. cit. p. 215
[4] STOKLEY, James. A ciência reconstrói o mundo, Rio de Janeiro:Ed. Globo,1951, p.138
[5] ROBERTS, Royston. Descobertas acidentais em ciências, Campinas:Papirus, 1993, p.179
[6] HART DAVIS, Adam. O livro da Ciência, São Paulo:Globo Livros, 20144, p. 187
[7] KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas, São Paulo:Perspectiva, 2003, p.85
[8] ABRIL Cultural, Medicina e Saúde. História da Medicina, v.II, São Paulo, 1970, p. 548

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Vantagens do segredo industrial

A patente atua como um incentivo à inovação, atua como uma recompensa pelos investimentos feitos pelo inventor em P&D além de estimular a divulgação de conhecimentos antes mantidos como segredo industrial, promovendo assim um benefício a sociedade. Nos Estados Unidos as Cortes em Kewanee Oil v. Bicron Corp destaca a oposição entre segredos industriais e patente: “Sentimo-nos, assim, compelidos a concluir que uma lei estadual de trade secret, que protege o inventor para manter o monopólio de algo que é um objeto apropriado para patentear sob as leis de patente dos Estados Unidos, está em conflito com as metas e proposições daquelas da lei de patentes onde a invenção tenha sido usada comercialmente por mais de um ano. Por porceder assim o inventor perdeu o direito de patentear; mas pelo uso de uma lei estadual de trade secret, ele esta habilitado a excluir a competição e prevenir o disclosure, obtendo assim uma proteção que não poderia obter sob as leis dos Estados Unidos. A lei estadual de trade secret não tem limitação de prazo temporal e, detsa forma, está em conflito direto com as leis de patente, as quais pprpoõem como objetivo o disclosure público após um determinado período de tempo”.[1] David Pressman destaca algumas das vantagens da proteção por segredo industrial: i) a principal vantagem é a possibilidade de proteção por prazo indeterminado, ii) o segredo industrial pode ser mantido sem custo, iii) com o segredo  não há necessidade de revelar os detalhes de sua invenção ao público, iv) com o segredo você não depende de um escritório de patentes para avaliar se tem ou não direito, v) não há possibilidade dos concorrentes buscarem alternativas em torno de sua solução, porque eles a desconhecem (design around), vi) o segredo industrial pode ser mantido sem a necessidade de revelar os inventores, tampouco é preciso autorização dos inventores para transferir a titularidade do segredo, vi) um segredo industrial não precisa ser inventivo, vii) o segredo pode incluir detalhes que normalmente não são descritos em uma patente por fazer parte do know how, viii) o segredo industrial pode ser exercido de imediato, não há backlog de exame.[2] Chavanne e Burst mostram que em alguns casos dispositivos legais impedem a utilização de segredos industriais. Um decisão do Minstério de Saúde francês de 25 de 1975 impôs aos fabricantes de aromatizantes, em caso de venda a farmacêuticos, de tornar conhecida a sua composição. O Conselho de Estado reconheceu a legalidade deste dispositivo tendo em vista o princípio da liberdade de comercio e da indústria. [3]



[1] BARBOSA, Antonio Figueira. Propriedade e quase-propriedade no comércio de tecnologia, v.2, Brasília:CNPq, 1981, p.  84
[2] PRESSMAN, David. Patent It Yourself, California:Nolo, 2009, p.27
[3] CHAVANNE, Albert; BURST, Jean-Jacques; Droit de la Propriété Industrielle, Précis Dalloz:Paris,1998, p.29

Contrafação pelo uso

Segundo o 35USC271(a) “Whoever without authority makes, uses, offers to sell, or sells any patented invention, within the United States or imports into the United States any patented invention during the term of the patent therefore, infringes the patent”, de modo que o uso não autorizado de uma patente constitui infração. Segundo o Federal Circuit citando decisão de 1875 (Paragon Solutions, LLC v. Timex Corp., 566 F.3d 1075, 1091 (Fed. Cir. 2009) (citing Roberts v.  Ryer, 91 U.S. 150, 157 (1875)) “o inventor de uma máquina tem em seu direito o benefício de todos os usos que podem servir, não importa que ele não tenha previsto a ideia de tal uso ou não”. A infração do uso de um método se distingue da infração do uso de um dispositivo ou sistema, uma vez que uma reivindicação de aparelho, por exemplo, abrange o dispositivo per se, e não o que o dispositivo faz. Segundo Joy Techs., Inc. v. Flakt, Inc., 6 F.3d 770, 775 (Fed. Cir. 1993) a Corte conclui que uma reivindicação de processo é infringida somente que o processo é executado de modo que a simples venda de um equipamento não necessariamente implica uma infração do processo que este equipamento realiza: “ se patente é de processo ela não concede a seu titular monopólio sobre os dispositivos pelo qual o processo é executado”. Em NTP, Inc. v. Research in Motion, Ltd. 418 F.3d 1282 (Fed. Cir. 2005) a Corte fez uma distinção entre reivindicações de método e de sistema de modo que um sistema montado não necessariamente implica na infração do método por este operacionalizado. Para que haja infração da reivindicação de método é fundamental que aquela sequência de ações específicas seja executada dentro dos Estados Unidos. Em NTP uma das etapas do método era executada fora dos Estados Unidos, e portanto, não havia infração da reivindicação meramente porque o sistema estava sendo usado. No caso de uma reivindicação de sistema o uso a que se refere o 35USC271(a) é o local em que o sistema como um todo é colocado em operação, ou seja, o local que detém o controle do sistema e os benefícios de tal uso do sistema são alcançados. Ao contrário da reivindicação de método não se trata de encontrar o locus de cada elemento do sistema, mas de enxergar o sistema como um todo. Conclusão semelhante foi obtida em Centillion Data Systems, LLC v. Qwest Communications Int’l, Inc. 631 F.3d 1279 (Fed. Cir. 2011). Como recomendação os depositante devem buscar melhor proteção elaborando quadros reivindicatórios que contemplem reivindicações de sistema e de método.

[1]
STRAND, Peter. What's the use? Understanding method vs. apparatus use infringement, Lexology, 28/06/2012

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

INPI mudando de opinião nos seus pareceres

O TRF2 esclarece que uma eventual mudança de opinião do INPI não pode se dar ao sabor da subjetividade do examinador, mas deve se ater em aspecto material da invenção e estar fundamentado de forma convincente: “Quando o INPI define que há suficiência descritiva, que é um dado objetivo, não pode, posteriormente, modificar a sua opinião, principalmente se a insuficiência descritiva era em relação a aspectos meramente formais. Se fosse um aspecto material, ainda seria razoável, mas não em se tratando de um aspecto meramente formal.” [1] O julgado discute a patenteabilidade do sistema de discagem direta a cobrar DDC (PI8003673) em que a Desembargadora Liliane Roriz comenta: “Se objetivamente o INPI entendeu que havia suficiência descritiva, um outro técnico, em um momento posterior, pode concluir por sua inexistência, tratando-se de um dado objetivo? Parece-me que se sujeitar a diversas opiniões, sobretudo quando diametralmente opostas, em situações-limites, significaria nunca dar fim ao processo. Cada vez que um servidor examinasse, ia achar que havia suficiência e um outro achar que havia insuficiência. Dessa forma, creio que, quando o INPI define que há suficiência descritiva, que é um dado objetivo, não pode, posteriormente, modificar a sua opinião, principalmente se a insuficiência descritiva era em relação a aspectos meramente formais. Se fosse um aspecto material, ainda seria razoável, mas não em se tratando de um aspecto meramente formal.” E ainda, a mesma Desembargadora Liliane Roriz: “Outro aspecto que eu queria destacar é que, pelo relatório, observei que o INPI havia primeiro feito um parecer dizendo que não havia atividade inventiva. Depois voltou atrás, disse que havia atividade inventiva, e aí deferir a patente (...) Então, eu tenho sérias dúvidas, uma vez deferida a patente dizendo que há atividade inventiva, se o INPI pode voltar atrás com base nos mesmos documentos dizendo que pensou melhor. Outro técnico vai examinar e vai dizer: ‘Não.  Eu não concordo.’. Quer dizer, cada técnico que examinar vai dizer que acha que tem  ou acha que não tem ?”.[2]
O TRF2 em julgado de 2017 sobre a patente PI0204535 se alinha com o laudo do perito judicial e conclui que o objeto da patente em questão carece de novidade, de atividade inventiva, como também de suficiência descritiva, conforme exigido pelos artigos 11, 13 e 24 da LPI. O INPI negara o pedido de nulidade administrativa e mantivera a patente, mas o juízo alinhou-se com o entendimento do perito de que a patente não tinha novidade:  Ora, tratando-se de patente relativa a uma nova tecnologia, é sempre muito tênue a linha que distingue a inovação verdadeira da mera evolução daquelas existentes, o que permite posições distintas do INPI, como no caso concreto, ou seja, primeiro concedendo a patente e depois recomendando a sua anulação. Obviamente, seria menos traumático para a imagem da Autarquia que  tais  opiniões  distintas  fossem  observadas  apenas  na  seara administrativa, porém, nada impede que isto ocorra apenas nos autos de um processo judicial”.[3]



[1] TRF2 Processo: EIAC 198851010136820 RJ 1988.51.01.013682-0 Relator(a): Desembargador Federal ANDRÉ FONTES Julgamento: 03/12/2010 Órgão Julgador: PRIMEIRA SEÇÃO ESPECIALIZADA Publicação: E-DJF2R - Data::22/12/2010 - Página::2 http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/18801780/embargos-infringentes-na-apelacao-civel-eiac-198851010136820-rj-19885101013682-0-trf2
[2] AC 2006.51.01.539508-0, Data de julgamento: 26/10/2010 Relator: Des. Liliane Roriz
[3] TRF2 AC 2014.51.01.108299-6, Decisão: 22/08/2017, Relator: Antonio Ivan Athié, 1ª Turma Especializada

Information Disclosure Statement (IDS) no USPTO

No USPTO o inventor deve assinar uma declaração em que se reconhece como inventor (35 USC 111). Conforme manual de exame 37 CFR 1.56 o requerente tem o dever (duty of candor) de comunicar ao escritório de patentes a existência de qualquer documento relevante[1] que possa ser considerado útil na avaliação da patenteabilidade de seu pedido em exame em documento hábil, conhecido como Information Disclosure Statement (IDS). No IDS o inventor deve citar todos os documentos relevantes que tem conhecimento, caso cite documentos irrelevantes as Cortes podem considerar isso uma manobra para enganar o USPTO.[2] Esta comunicação, feita em formulário próprio, poderá ser feita pelo requerente no momento do depósito ou a qualquer momento até o fim de exame. [3] Sempre que o inventor soubre de uma anterioridade relevante citado no exame de algum outro país, ele deve se apressar em apresenta-la ao USPTO solicitando um novo formulário de IDS[4]. Joseph Root destaca que no entendimento das Cortes a má-fé do inventor se configura através da materialidade do fato (omissão de um documento importante do estado da técnica que era do conhecimento do inventor) e intenção em enganar o USPTO e não apenas negligência ainda que grosseira. [5] Esta por sua vez deve ser demonstrada através de evidência clara e convincente (clear and convincing evidence). Mark Lemley destaca que uma vez em litígio existe menos probabilidade de uma patente ser invalidada por documentos citados como estado da técnica pela própria patente, o que tem levado a muitios depositantes a citar extensamente o estado da técnica como forma de reforçar a validade de suas patentes.[6] Em Hoffman La Roche Inc. v. Promega Corp. diante da acusação de omissão de documentação do estado da técnica relevante para o USPTO que poderia na pior das hipóteses ser considerada como negligência por parte do titular o juiz aponta que esta tática de de se tentar anular patente tem sido utilizada de forma abusiva em mjuitos litígios a ponto de se referir á mesma como uma “nova praga” no sistema de patentes. [7]



[1] LUNDBERG, Steven; DURANT, Stephen; McCRACKIN, Ann. Electronic and software patents. The Bureau of National Affairs, 2005, p.9-9
[2] PRESSMAN, David. Patent It Yourself, California:Nolo, 2009, p.284, 338
[3] Intellectual Property for Paralegals: the Law of trademark, copyrights, patents and trade secrets, Deborah Bouchoux, West Law Studies, Canada:Thomson, 2005, p.325, 328
[4] PRESSMAN, David. Patent It Yourself, California:Nolo, 2009, p.340 343
[5] ROOT, Joseph. E. Rules of Patent Drafting from Federal Circuit Case Law. Oxford University Press, 2011, p.420
[6] BURK, Dan L.; LEMLEY, Mark, A. The patent crisis and how the Courts can solve it. The University of Chicago Press, 2009, p.52
[7] GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.201

Teste de Motivação Criativa confirmado pelo TRF2


Em decisão de 22 de agosto de 2017 o TRF2 confirmou o chamado “teste da Motivação Criativa” usado por tribunal de primeira instância para aferir a atividade inventiva e confirma entendimento de que a patente PI0003364 (composições farmacêuticas compreendendo um inibidor da HMG CoA Redutase, e método para produzir uma composição farmacêutica estabilizadora) não tem atividade inventiva, alinhando-se com a posição do INPI em oposição à posição do perito do juízo.

Ao fundamentar a sua metodologia para verificação de atividade inventiva, a MM. Juíza empreendeu um esforço louvável de explicitar aquilo que poderia ter feito internamente. Nesse quadro, trouxe parâmetros objetivos para a aferição da atividade inventiva, o que, longe de surpreender as partes, traz segurança jurídica, facilitando inclusive o posterior reexame por parte do Tribunal, em sede de eventual apelação”

“Embora a jurisprudência deste Tribunal seja no sentido de que o laudo do perito oficial deva ser prestigiado, dada sua equidistância do interesse das partes, isso não significa que o juiz não possa deixar de acolher suas conclusões, desde que o faça motivadamente e apoiado em outras manifestações técnicas, como inclusive já permitia o art. 436 do CPC/73, atual art. 479 no CPC/2015, assim como ocorreu no caso concreto”


“No mérito, a sentença deve ser mantida, eis que a PI 0003364-2 de fato não possui atividade inventiva. Como observou a própria Magistrada de Primeiro Grau, considerando que "que o emprego de estatinas para o controle de triglicerídeos e colesterol, incluída a rosuvastatina, pertence ao domínio público, de modo que as patentes que versam sobre esta matéria consistem em invenções meramente incrementais, acrescido do fato de que o agente estabilizante fosfato tribásico de cálcio fora indicado como potencialmente útil à estabilização de estatinas, verifico elementos suficientes a comprovar a falta de atividade inventiva na patente em litígio. Um técnico no assunto, entendido como alguém dotado de capacidade mediana de investigação e experimentação, com acesso aos meios necessários a realizar testes rotineiros, certamente estaria motivado a testar o emprego do fosfato tribásico de cálcio de cátion multivalente, para estabilizar a rosuvastatina, com razoável expectativa de sucesso”

[1] AC TRF2 2011.51.01.802461-7 Decisão 22/08/2017, Relator: Simone Schreiber, 2ª Turma Especializada

Contrafação de sistemas

A contrafação de reivindicações de sistema pode ser particularmente de difícil caracterização especialmente quando envolve o uso de um processo distribuído em que cada etapa é realizada por diferentes usuários. Uma estratégia dos titulares de patentes é pleitear reivindicações que incluam tanto o sistema como o método e o programa de computador (reivindicações do tipo Beauregard). As reivindicações de sistema podem ser úteis ao titular exercer seus direitos para um método que é operacionalizado em uma ambiente de computação distribuída. Em Centillion Data Systems, LLC v. Qwest Communications International, Inc., (Fed. Cir. 2011) o Federal Circuit conclui que haverá contrafação de uma reivindicação de sistema quando o acusado de contrafação coloca o sistema em operação e sob este exerce controle ainda que não implemente ele cada uma das etapas do método subjacente a este sistema. Contudo, os efeitos das reivindicações de sistema em ambientes distribuídos podem estar diminuindo. Em Intellectual Ventures I LLC v. Motorola Mobility LLC, (Fed. Cir. Sep. 13, 2017) o Federal Circuit qualificou como o termo “uso” deve ser interpretado no caso de contrafação de reivindicações de sistema e neste caso exige que o acusado de contrafação usufrua dos benefícios de todos os elementos do sistema para que possa ser enquadrado como contrafator [1].

[1] NYDEGGER, Workman. System Claims May Be Superior/Diminished, www.lexology.com 27/09/2017

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Patente de plantas no USPTO

No USPTO (MPEP 1600) patentes de plantas são concedidas àqueles que inventarem ou descobrirem e reproduzirem assexuadamente qualquer variedade nova e distinta de planta[1], como por exemplo flores (35 USC 161). A reprodução assexuada permite a reprodução de clones, ou seja, cópias idênticas da planta original o que satisfaz aos critérios de repetibilidade de uma patente com alto grau de precisão qualificando-as como manufatura industrial.[2] Diepenbrock e outros autores alegam que a restrição as plantas assexuadas se deve ao fato do Departamento de Agricultura na época ter um projeto de cultivo de batatas o qual gostaria de deixar de fora da possibilidade de patente. Pela lei de 1930 a planta deve ser produzida por meios diferentes de sementes, tais como cortes de raízes, brotos, calos etc. Plantas reproduzidas assexuadamente são, em todos os aspectos, idênticas à planta que as originou, de modo que sua identificação é clara enquanto que a reprodução sexuada, por meio de sementes, ocasiona modificações nas gerações seguintes, o que dificulta a identificação no caso de contrafação da patente. [3] Exemplos são as inúmeras variedades de rosas caracterizadas pela coloração diferente, perfeição da forma, maior durabilidade das folhas, ou novas variedades de maçãs. A patente, contudo, protege à nova variedade de planta e não à flor ou ao fruto. [4] A patente é concedida para a planta inteira, assim apenas uma reivindicação é permitida[5]. Plantas reproduzíveis sexualmente são protegidas pelo Plant Variety Protection Act (7 USC 2321). Um dos defensores da lei de 1930 Luther Burbank baseava-se nos trabalhos de Darwin de domesticação de plantas ou seleção artificial para potencializar o que a natureza já colocara em movimento. Segundo Darwin: “o homem não causa a variabilidade das plantas e não pode nem mesmo evita-la, mas ele pode selecionar, preserva e acumular as variações dadas à ele pela natureza quase que de qualquer modo que ele queira”, ou seja, há um elemento de intencionalidade nesta seleção próprio de uma invenção patenteada.[6] Segundo Luther Burbank “nós inventores de plantas não podemos patentear um novo tipo de planta, embora o homem que fabrique um buzina de automóvel pode ter uma patente e se aposentar na California e vestir pijamas de seda pelo resto da vida”.[7] Por outro lado, uma decisão de 1931 em Cole Nursery v. Youdath Perenial Garden a Corte Distrital questionou a validade da patente de uma planta obtida após apenas seis gerações por ter sido resultado de uma casualidade sem que houvesse controle por parte do fazendeiro ou alguma seleção consciente. Os fazendeiros por sua vez alegam que as invenções na área de química também são decorrência muitas vezes de variações metodológicas experimentais que em algum momento, por acaso, acabam produzindo algum composto químico de efeito industrial importante[8]

Nos Estados Unidos em 2001 a Suprema Corte decidiu que o fato de uma planta poder ser protegida por diferentes tipos de proteção complementares (patente de invenção, patente de planta ou certificado de proteção de variedade de planta) com diferentes prazos de vigência não constitui qualquer impedimento legal.[9] Enquanto uma planta nativa de uma floresta não pode ser patenteada pelo Patent Plant Act, aquelas obtidas em áreas cultivadas e que possam ser reproduzidas de forma assexuada (crescimento obtido de outra forma que não a partir de sementes, por exemplo, por poda) poderão ser objeto de proteção. Tubérculos foram excluídos desta categoria porque neste caso a arte da planta envolvida na reprodução era comercializada como comida, como por exemplo batatas, ao contrário de frutas. O efeito disto foi deixar culturas grãos como trigo e milho fora da proteção pelo Plant Patent Act. Plantas obtidas por reprodução sexuada poderão ser protegidas pelo Plant Variety Protection Act de 1970.[10] Peter Drahos[11] explica que esta legislação surgiu como resposta á competição de produtores europeus da Bélgica, França, Alemanha, Itália e Holanda que em 1961 assinaram um Acordo Internacional para proteção de novas variedades de plantas (UPOV) incluindo a reprodução de plantas sexuadas e que entrou em vigor em 1968.

Para proteção de plantas reproduzidas de forma sexuada, a legislação norte americana prevê o Plant Variety Protection Act (7USC 2321) de 1970 com certificado concedido pelo Departamento de Agricultura. A exigência de não obviedade que se aplica a patente de plantas não é aplicável ao Plant Variety Protection Act. [12] Janice Mueller destaca que a razão para estas legislações diferenciadas tem razões históricas. Antes de 1930 o entendimento era de que plantas não poderiam ser objeto de patentes por serem produtos da natureza além de não se adequarem as exigências de descritivas de uma patente. O Plant Patent Act foi aprovado em 1930 para atender esta demanda de proteção legal para plantas, muito embora o escopo destas patentes seja bastante restrito. Em Imazio Nursery v. Dana Greenhouses o Federal Circuit o escopo da patente se restringe a geração assexuada da variedade de planta patenteada. Uma planta desenvolvida de forma independente, ainda que geneticamente idêntica a planta patenteada não constitui contrafação. [13] Tinoco Soares observa que a restrição a reprodução assexuada se fez pelo lobby dos produtores de rosas e de árvores frutíferas, onde somente a reprodução assexuada era importante. Um segundo motivo apontado é o de que assexuadamente reproduzidas as plantas eram sob certos aspectos idênticas à planta mãe o que facilita a identificação em casos de contrafação. Com a reprodução sexuada as modificações a cada nova geração descaracterizam o enquadramento ao conteúdo da patente. [14]


[1] Intellectual Property for Paralegals: the Law of trademark, copyrights, patents and trade secrets, Deborah Bouchoux, West Law Studies, Canada:Thomson, 2005, p.310
[2] POTTAGE, Alain; SHERMAN, Brad. Figures of invention: a history of modern patent law. Oxford University Press, 2010, p.153
[3] BEN-AMI, Paulina. Manual de Propriedade Industrial, São Paulo: Secretaria da Ind. Com. e Tecnologia, SEDAI, 1983, p.20
[4] BEN-AMI, Paulina. Manual de Propriedade Industrial, São Paulo: Secretaria da Ind. Com. e Tecnologia, SEDAI, 1983, p.20
[5] Programa de Examinadores Estrangeiros em Residência “Foreign Examiner-In-Residence (FEIR) program” Maio 2007 a Janeiro 2008 USPTO – Alexandria Virginia, p.1
[6] POTTAGE, Alain; SHERMAN, Brad. Figures of invention: a history of modern patent law. Oxford University Press, 2010, p.157
[7] PRESSMAN, David. Patent It Yourself, California:Nolo, 2009, p.10
[8] POTTAGE, Alain; SHERMAN, Brad. Figures of invention: a history of modern patent law. Oxford University Press, 2010, p.162
[9] http://www.bio.org/ip/action/agsupply.asp
[10] Intellectual Property for Paralegals: the Law of trademark, copyrights, patents and trade secrets, Deborah Bouchoux, West Law Studies, Canada:Thomson, 2005, p.310
[11] DRAHOS, Peter; BRAITHWAITE, John. Information feudalism: who owns the knowledge economy ? The New Press: New York, 2002, p.159
[12] Intellectual Property for Paralegals: the Law of trademark, copyrights, patents and trade secrets, Deborah Bouchoux, West Law Studies, Canada:Thomson, 2005, p.312
[13] MUELLER, Janice. Patent Law. New York:Aspen Publishers, 2009, p.288
[14] SOARES, Tinoco. Tratado da Propriedade Industrial: patentes e seus sucedâneos. São Paulo; Ed. Jurídica Brasileira, 1998, p.554

Contrafação na Itália


A patente equivalente na Itália a EP1313508 foi objeto de litígio na Corte de Milão em que o fabricante de produtos genéricos Fresenius baseado em pemetrexede diácido (com trometamina) foi acusado de contrafação. A Fresenius alegou que não havia contrafação pois: 1) as reivindicações da patente se limitam ao pemetrexede dissódico de forma não ambígua, 2) a infração por equivalência deve ser excluída porque no histórico do processamento a Ely Lilly limitou o escopo de sua patente ao sal pemetrexede dissódio para escapar á objeção de obviedade, 3) o uso de pemetrexed diácido com trometamina não é sugerido na patente. A Corte italiana observou que no processamento do pedido houve emendas que restringiram a reivindicação inicial de uma classe inteira de antifolatos para pemetrexede e finalmente para pemetrexede dissódico o que denota uma clara delineação da proteção da patente para se restringir a pemetrexede dissódico. Outros compostos tais como o pemetrexede diácido estão portanto excluídos do escopo da patente. No produto da Fresenius, apesar de mesmo efeito terapêutico, a associação de pemetrexede dissódico associado com trometamina não ode ser considerada uma substituição obvia do pemetrexede dissódico em combinação com a vitamina B12. A infração direta incluindo a baseada em equivalentes, fica portanto excluída. Tampouco ficou configurada a contrafação indireta. A Corte destaca que embora trate da mesma patente, o objeto acusado de contrafação é distinta do que se apresentou na Suprema Corte da Inglaterra [1].
 
[1] http://ipkitten.blogspot.com.br/2017/09/pemetrexed-pops-up-in-milan.html

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Contrafação na França

A Corte de Cassação de Paris (PIBD 2017, 1077, IIIB-27) EP1799083 em decisão de 8 de junho de 2017 tratou da contrafação de uma patente de combinação de meios mantendo a aplicação do artigo L613-4 que proíbe a exploração de um elemento considerado essencial (élément essentiel) da invenção.  Segundo L613-4 é vedada a exploração de elemento essencial da invenção por pessoa não autorizada.


“a própria invenção consiste na nova combinação entre, por um lado, um papel higiênico específico e, por outro lado, o uso de um bico dispensador de folhas associado a uma tira deste papel pré-cortado específico, de modo a ter uma distribuição das folhas um a um, com vinco reduzido na saída do bico. Considerando que se trata de uma invenção de combinação consistindo na combinação de meios (papel higiênico e bocal) que cooperam, em particular devido à sua disposição particular como descrito na patente, com vista a um resultado comum (distribuição das folhas uma por uma, não muito enrugada); que apenas o arranjo dos meios que cooperam entre si para um resultado comum é protegido pela patente. [...] Nesse caso, o fundamento relativo a um elemento essencial da invenção patenteada na acepção do artigo L 613-4 não pode consistir apenas em um dos elementos combinados”. Ao chegar a esta decisão, o Tribunal considerou que o fornecimento de rolo de papel, que são apenas consumíveis, sem o fornecimento do bico dispensador, não pode constituir um ato de infração por meios. [1]


segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Obviedade na automação

Em T1756/14 OJ 2017 a patente trata de um método para sincronizar os programas de dois computadores. A divisão de exame considerou o pedido evidente para o técnico no assunto pois trata-se de um método não técnico executado sobre um computador de uso geral conhecido. A Câmara de Recursos chega a mesma conclusão embora por uma justificativa distinta. Em primeiro lugar, observa que quando a invenção resolve um problema de automação de um método conhecido, a presença de atividade inventivo não depende se o método também não é técnico, parcial ou totalmente. Como o estado da técnica mais próximo, a Câmara de Recursos parte de uma situação conhecida antes da data de prioridade, ou seja, uma família que recebe um segundo computador como presente. A questão da instalação neste segundo computador de programas já instalados no primeiro surge naturalmente. A solução do porblema neste casso exige necessariamente as seguintes etapas: 1) determinar os programas instalados no primeiro computador, 2) determinar como obter estes programas, 3) uma vez obtidos instalar tais programas no segundo computador. Se o técnico no assunto tiver de implementar este método, seria óbvio reunir todas as informações necessárias em uma folha de papel e desta forma a mera automação de tais etapas por um gerenciador de sincronização é considerada óbvia. A Câmara considera óbvia tal automação proém não discute a questão de saber se este método conhecido é considerado técnico ou não, de modo que as críticas do depositante à abordagem seguida em T641/00 não foram consideradas relevantes. [1]