segunda-feira, 27 de julho de 2020

Suficiência descritiva e o processo Haber Bosch

No século XIX a produção de salitre chileno estava sob exploração de industriais ingleses como John Thomas North presidente da Liverpool Nitrate Company. Segundo Alejandro Soto: “os britânicos lançaram as bases da industrialização do salitre quando introduziram o sistema Shanks. Este foi introduzido por James Humberstone e seu nome deve-se a John Shanks um britânico que o utilizou para a refinação do carbonato de sódio em Lancanshire em 1870. O sistema de Shanks permaneceu como a tecnologia básica para o refino do salitre até 1925. Seu impacto foi tal que permitiu os chilenos satisfazer a demanda crescente de salitre no mundo inteiro pelo esço de quase conquenta anos”.[1] Em 1890 uma tentativa de nacionalização das empresas de salitre por parte do presidente José Balmaceda foi seguida de uma guerra civil em que os rebeldes foram financiados por North garantindo os suprimentos de salitre necessários aos ingleses. No início do século XX a liderança técnica alemã na indústria de produtos químicos foi reforçada pela invenção do processo Haber-Bosch de fixação do nitrogênio, desenvolvido pela BASF e utilizado na área de fertilizantes, provocando uma revolução na agricultura.[2] Embora o nitrogênio seja abundante na atmosfera  ele é relativamente inerte, havendo necessidade de métodos para fixar o nitrogênio, ou seja, removê-lo da atmosfera comm cobinação química com outros elementos. Em uma tempestade a descarga elétrica dos raios faz com que certa quantidade de nitrogênio se combine com uma porção de nitrogênio formando o óxido nítrico. À medida em que este esfria, forma-se o gás dióxido de nitrogênio  que logo se combina com a água da chuva para formar o ácido nítrico que ao cair no solo faz com que o nitrogênio se fixe no solo necessário ao crescimento natural das plantas. O processo Haber Bosch buscou uma alternativa sintética deste processo natural. O nitrogênio ferve a 195C e o oxigênio a 183C, assim, quando o ar é liquefeito o nitrogênio entra primeiro em ebulição permanecendo apenas o oxigênio líquido. O processo Haber aproveita esta característica para separar os dois gases e assim obter-se o nitrogênio. Extrai hidrogênio da água por eletrólise e combina-se com hidrogênio em ambiente de alta pressão a 500C para se formar amônia. Depois combina-se a amônia produzida com oxigênio para se formar óxido nítrico. Em seguida o óxido nítrico se combina com mais oxigênio para formar dióxido de nitrogênio que misturado com água forma o ácido nítrico usado na indústria bélica.[3] Grande parte do trabalho de Fritz Harber, cujo objetivo  era produção de amônia para aindústria de fertizantes, foi encontrar um catalisador para aumentar a taxa desta reação que era relativamente lenta.

Em 1913 a primeira fábrica de amônia sintética foi instalada na Alemanha usando o processo Haber. Em reação com o oxigênio,a  amônia formava o dióxido de nitrogênio, precurso do ácido nítrico usado em explosivos e armamentos. O aperfeiçoamento do processo para produzir nitratos fixando nitrogênio do ar, levou a economia chilena à crise, pois o país obtinha até as vésperas da Primeira Guerra Mundial dois terços de suas receitas de exportação com a venda de salitre, que deixou de ter interesse no comércio mundial.[4] O bloqueio  dos britânicos cortando o fornecimento de salitre do Chile para a Alemanha tornara-se desta forma inócuo para a Alemanha. A indústria chilena tentou compensar essa perda pela criação de um cartel, a Associación de Productores de Salitre de Chile, porém, sem sucesso.[5] Um informe da Liga das Nações de 1933 assinala que o Chile foi um dos países mais afetados pela crise provocada pela grande depressão de 1929.[6] O Reich alemão, desprovido das importações de salitre do Chile, tinha grande necessidade de nitratos, indispensáveis para a fabricação de pólvora. [7] Com o processo foi possível a Alemanha continuar a produção de explosivos mesmo depois do corte de seus suprimentos de nitrato de sódio do Chile, prolongando a Primeira Guerra Mundial.[8] Muitos historiadores acreditam que a Alemanha teria esgotado todas suas fontes de nitrato já no início do ano de 1916 se não fosse pelo grande avanço proporcionado pelo processo Haber-Bosch que possibilitou aos alemães manter a produção de amônia e pelo processo Ostwald  converter a amônia em ácido nítrico e nitratos. Com esses dois processos, os Alemães conseguiram produzir fertilizantes e explosivos sem necessitar de fontes estrangeiras de compostos nitrogenados.[9]

O processo envolvia alta pressão e altas temperaturas, assim como o emprego de um catalisador para produzir amônia, elemento crítico do processo e cuidadosamente omitido pela BASF em todas as suas patentes. Durante a Primeira Guerra Mundial, mesmo com a expropriação governamental das patentes da BASF nos EUA, os peritos norte americanos não foram capazes de replicar o processo Haber-Bosch para a fixação de nitrogênio[10] devido a falta de conhecimento e habilidade para a construção de equipamentos de alta pressão necessários para o processo ser suportado, e a falta de conhecimento dos catalisadores requisitados. As patentes Alemães omitiam vários detalhes técnicos vitais, particularmente aqueles associados à preparação dos catalisadores. As patentes básicas deste processo expiraram em 1927 e ainda depois da primeira guerra pouca informação deste processo estava disponível fora da Alemanha.[11] Por não ser possível sua replicação a partir dos conhecimentos do estado da técnica e do conteúdo revelado no relatório descritivo, tais patentes seriam consideradas nulas pela legislação brasileira atual. Em 1918 Fritz Harber ganhou o Nobel de Química pelo desenvolvimento do processo  da síntese da amônia, sob protestos de cientistas que denunciavam a participação de Fritz Haber no uso de gases tóxicos por parte da Alemanha na Primeira Guerra como um uso de cilindros de gas cloro em abril de 1915 numa linha de frente de cinco quilômetros perto de Ypres na Bélgica e que levou a morte de cinco mil homens. [12]



[1] INAPI, Historia gráfica de la propriedad industrial em Chile, 2015, p.53

[2] Eureka: 100 grandes descobertas científicas do século XX. Rupert Lee. Rio de Janeiro:Editora Nova Fronteira, 2006, p. 186

[3] STOKLEY, James. A ciência reconstrói o mundo, Rio de Janeiro:Ed. Globo,1951, p.12

[4] As veias abertas da América Latina, Eduardo Galeano, Paz e Terra; Rio de Janeiro, 1990, p. 156

[5] LEWINSOHN, Richard. Trustes e cartéis: suas origens e influências na economia mundial. Rio de Janeiro:Liv. Globo, 1945. p.229

[6] INAPI, Historia gráfica de la propriedad industrial em Chile, 2015, p.88

[7] LEWINSOHN, Richard. Trustes e cartéis: suas origens e influências na economia mundial. Rio de Janeiro:Liv. Globo, 1945. p.64

[8] CHALLONER, Jack. 1001 invenções que mudaram o mundo. Rio de Janeiro:Ed. Sextante, 2010, p. 520

[9] http://www.saberatualizado.com.br/2015/07/nitrogenio-bom-e-mal.html

[10] Trajetórias da inovação: a mudança tecnológica nos Estados Unidos da América no século XX, David Mowery, Nathan Rosenberg, 2005, São Paulo:Ed.Unicamp, p.92

[11] Carteles Internacionales, Ervin Hexner, México:Fondo de Cultura, 1950, p. 380

[12] COUTEUR, Penny le; BURRESON, Jay. Os botões de Napoleão: as 17 moléculas que mudaram a história. Rio de Janeiro:Zahar, 2006, p.96


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