quarta-feira, 29 de julho de 2020

Patentes farmacêuticas e licença compulsória em meio à pandemia de COVID 19

Patentes farmacêuticas e licença compulsória em meio à pandemia de COVID 19, Câmara Britânica de Comércio e Indústria no Brasil 29/07/2020


Gabriel Leonardos, ABPI
O momento é oportuno para conversar sobre esse tema. A mídia não especializada frequentemente aborda o tema sobre um viés ideológico. Em primeiro lugar temos de deixar claro que o acesso a medicamentos e vacinas deve sempre ser assegurado como direito fundamental estabelecido na Constituição. O sistemas de patentes não é, nunca foio e não deve ser obstáculo para o acesso a medicamentos. Os Estados Unidos tem dificuldades de acesso a saúde pela população não é por causa do sistema de patente seja o sistema europeu em que esse acesso é maior que no caso norte americano. A patente assegura uma propriedade temporário para a concretização de uma ideia, não se trata de uma mera ideia pois isso não pode protegido por patente, é fundamental suficiência descritiva. Ademais ela deve ter novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. O exame pelo INPI é feito de modo absolutamente técnico. Não se trata de um título concedidos aos amigos do rei. Temos uma tradição em patentes desde a Convenção de Paris e as licenças compulsórias desde a Revisão de Haia de 1925.  TRIPs também assegura as licenças compulsórias ou seja, é um mecanismo previsto nos acordos internacionais. De 1945 a 1996 a indústria farmacêutica não tinha proteção de fármacos e um grupo importante de empresários se limitava a cópia. A lei de genéricos logicamente só faz sentido com uma lei de patentes em vigor pois se refere a medicamentos em que a patente expirou. No caso da pandemia da AIDS houve uma licença compulsória ao Efavirenz pelo ministro Temporão, comumente chamada quebra de patentes. Essa expressão não informa que o titular continua com sua patente e recebe por ela.  O artigo 71 da LPI trata das hipóteses de emergência nacional e interesse publico regulamentado pelo Decreto 3201 que prevê no artigo 7 a plicação imediata de uma licença compulsória em casos de urgência, que é o nosso caso atual, podendo ser decretada em horas, bastaria uma Portaria do Ministro em um ato unilateral do Ministério. A licença compulsória na prática nunca deverá ser usada pois o maior comprador é o governo e o titular tem todo interesse em ter um acordo para não perder mercado. José Serra anunciou o licença compulsória do Nelfinavir e a empresa logo concordou em negociar. Há pressões certamente mas o país é soberano em aplicar tais licenças. As patentes farmacêutica são menos de 8% das patentes depositadas no INPI. Não podemos desarticular todo o sistema por conta de um mecanismo já previsto na lei atual. O projeto de lei 1462/2020 promovido por setores que na verdade querem o fim da patente de medicamentos.   Os projetos de liei em discussão buscam ampliar as possibilidades de aplicação de licenças compulsórias e royalties pre estabelecidos de 1,5% fixos. Todos são de partido de esquerda como Jandira Feghali, Rondolfe Rodrigues, Paulo Ramos. Tradicionalmente os partidos de esquerda tem uma preocupação em torno da saúde pública o que é bom mas que vem o sistema de patentes de forma muito crítica e aproveitam para introduzir dispositivos que visam a enfraquecer tais patentes de farmacêuticas. Esse royalty de 1,5% parece pouco mas pode ser muito porque não faz sentido fixar royalty. A solução por arbitramento pelo INPI é muito mais interessante na discussão caso a caso. Não acho oportuno açodadamente mudar uma lei por conta da pandemia pois já temos leis que permitem tal dispositivo ser aplicado.  De fato a lei no artigo 71 da LPI poderia ser melhor descrita , mas se formos passar o pente fino na lei poderíamos rever vários outros trechos da lei. Só devemos aprovar leis nesse momento em que em meio a pandemia estamos todos preocupados, apos uma discussão ponderada e não açodadamente.  A iniciativa da OMS de um pool de patentes em covid para facilitar a obtenção de licenças . Em nenhum  momento a OMS disse que é contra patentes de medicamentos, pelo contrário o pool é uma indicação de que reconhece tais patentes, numa forma de reduzir o custo de transação na medida em que facilita tais licenciamentos. Tal como no ECAD onde você simplesmente paga o ECAD sem se preocupar em contactar o artista, o que facilita muito esse distribuição de direitos autorais. A proposta é da Costa Rica e o Brasil aderiu, é uma iniciativa louvável que funciona em eletrônica e comunicações mas não sei se haverá tempo para operacionalizar isso entre as empresas, as licenças compulsórias me parecem mais imediatas. A licença compulsória deve ser considerada um mecanismo de equilíbrio do sistema de patentes e não ser banalizado, temos de ter confiança que nosso sistema jurídico está razoavelmente adequado formulado e temos de sempre suspeita de soluções miraculosas seja na medicina ou no direito. 

Pedro Barbosa, PUC-RJ
O direito subjetivo do titular da patente somente advém com a concessão, até então o que ele tem é a expectativa de direito. Enquanto perdura o trâmite o titular não consegue tutelas inibitórias que se pode ser aplicada quando da concessão. Os pedidos de covid portanto são meras expectativas porque são recentes e ainda não foram concedidos. Uma licença compulsória é um dos instrumentos administrativos mais brandos de intervenção do poder público quando comparado com expropriações quando alguém por exemplo faz uso de trabalho escravo ou planta maconha, ou uma desapropriação com compensação como no caso de despropriação de imóveis. Se o Estado quiser expropriar uma patente ele o fará aplicando a compensação devida. Porque será que numa das formas mais brandas como a licença compulsória tem tanta resistência ? A propriedade industrial a propriedade intelectual não é sagrada , só no feudalismo a propriedade é sagrada. A propriedade intelectual é intensamente regulada pela constituição que trata da ordem econômica.  Vamos desmitificar o sistema de licença compulsória. Não faz sentido usar evocativos exasperados como "quebra da patente". Qual  diferença da doação e o furto ? a diferença esta na autonomia do ato, a diferença é que a licença compulsória é prevista na lei, o estado pode delimitar a autonomia provada mas ela não extirpa tal autonomia. A licença compulsória só trata inoponibilidade ao titular a este licenciamento que será devidamente remunerado, ou seja, não é nada tão radical assim, está devidamente delimitada por lei.  Se posso licenciar compulsoriamente a patente também posso licenciar compulsoriamente o pedido de patente. O chefe do Executiva pode conceder licenças compulsórias, seja do poder executivo federal ou do municipal, porém neste caso estaria delimitada aquele município só na medida daquele necessário. Aparelhos, respiradores, EPIs também podem ser sujeitos a licenças compulsórias e não apenas medicamentos. Soluções conciliatórias são sempre a melhor opção mas não devemos ter medo de usar esse mecanismo. O artigo 71 da LPI tem um aposto desde que o titular não atenda a essa necessidade ou seja, o Estado teria de provar esse ônus para só depois fazer uso da medida, o que no caso de uma pandemia não faz sentido, pois essa comprovação pode se arrastar por anos.  Esse instrumento integra o regime competitivo num estado capitalista, previsto em várias nações, logo não tenhamos.  medo de usá-la. A lei proposta é apoiada pro PSL, DEM e PP e outros deputados que não são de esquerda.  Não me parece que é uma questão de esquerda ou de direita. Condicionar uma emergência nacional a uma demonstração por parte do titular é ruim, e se o decreto conserta isso, me parece bom. Licenças compulsórias automáticas não são boas, é preciso fundamentação, concordo com Gabriel, não podemos banalizar esse instrumento.  Royalties fixados sem saber qual é a tecnologia em questão pode gerar mais confusão, sempre as vias consensuais são melhores opção. Ainda hoje a fixação de royalties é de uma legislação da década de 1950. Não acho que esse projeto abala a credibilidade internacional do país pois senão o Canadá estará com credibilidade abalada, e existe um movimento internacional no mesmo sentido.  Concordo com Gabriel sobre os pools de patentes. Precisamos discernir entre licença compulsória cruzada onde há uma sobreposição de tecnologias e pools de patentes que tem a vantagem de facilitar a cooperação e o desenvolvimento tecnológico.  Recomendo Yochai Benkler (The Wealth of Networks: How Social Production Transforms Markets and Freedom. New Haven: Yale University, 2006) para entender melhor tais pools.  Temos de tomar cuidado, porque até agora não temos um tratamento efetivo para covid. Precisamos justificar o uso de licenças compulsórias para não banalizar seu uso. A própria concorrência desleal pode fundamentar o uso de licença compulsória. 

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