segunda-feira, 20 de junho de 2022

Patente como direito de propriedade

A LPI em seu Artigo 6º claramente define o direito conferido pela patente como uma propriedade (“Ao autor de invenção ou modelo de utilidade será assegurado o direito de obter a patente que lhe garanta a propriedade, nas condições estabelecidas nesta Lei”) e o faz em harmonia com o entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência. Segundo Pontes de Miranda[1] “no sistema jurídico brasileiro temos de afirmar que o direito após a patente é direito de propriedade”. Antes de realizar o depósito no INPI o inventor possui um “direito de aquisição de propriedade (direito formativo gerador)”. Ainda segundo Pontes de Miranda “a proteção como de direito de propriedade é ex nunc [...] só então nasce a propriedade, que é efeito constitutivo do ato jurídico da patenteação”.

Para o belga Picard: “a propriedade industrial repousa sobre uma base tripla: 1) existe sobre o domínio intelectual assim como sobre a ordem material, um verdadeeiro direito de propriedade, 2) o inventor de uma ideia adquire a propriedade por um modo tanto legítimo quanto aos demais modos de aquisição da propriedade ordinária, 3) o benefício a qual esta propriedade é responsável exige a restrição da sua liberdade do titular diante de seus benefícios”. [2] Para Picard: “os direitos de intelectuais de todas as categorias em por objeto, ou seja, aquilo que eles incorporam, uma entidade puramente cerebral, uma criação da inteligência, considerada como tal em sua substância espiritual e de forma alguma como uma coisa material”.[3] Para Jean Marc Mousseron: “Nós temos, pessoalmente defendido a tese que encara o direito de patente como uma propridade sobre a invenção reservada. Seu titular tem, de efeito, o uso, o fruto e o gozo do valor que representa a invenção”.[4] Na doutrina italiana Luigi di Franco refere-se ao direito de patente industrial como tendo “índole jurídica de propriedade”.[5]

Sendo direito de propriedade e cumprindo sua função social a doutrina e jurisprudência[6] rejeitam as tentativas de apropriação dos direitos do titular. Segundo Denis Barbosa: “o que caracteriza a patente como uma forma de uso social da propriedade é o fato de que é um direito limitado por sua função: ele exisste enquanto socialmente útil”. Segundo Enrico Luzzato: “[a patente é] um produto no qual a sociedade e o indivíduo se associam, um produto destinado a beneficiar a sociedade e não, sobretudo, o indivíduo por si só”. [7]O direito de exclusiva conferido pela patente deve portanto ter em vista o equilíbrio com o desenvolvimento econômico e social do país: “ou seja, só se faça prevalecer o interesse coletico até a proporção exata, e não mais além, necssária para satisfazer tal interesse [...] o mesmo princípio de proporcionalidade, ancorado no artigo 5º da carta de 1988 tem recebido constante apoio da jurisprudência de nossa Suprema Corte. Assim, seguidamente o STF tem entendido que quaisquer coerções aos direitos de raiz constitucional devem ser moderadas por tal princípio, para assegurar que somente as limitações necessárias sejam impostas, e assim mesmo até o indispensável para tingir as finalidade legais”. [8] .Mesmo críticos como Pedro Barbosa reconhecem: “a titularidade deve ser prestigiada sempre que cumprir a cláusula finalística do Artigo 5º, XXIX, quanto ao desenvolvimento social, tecnológico e econômico do Brasil e dos brasileiros”. [9]

Na legislação antitruste há um paralelo com a aplicação da chamada “regra da razão” que considera ilegais apenas as práticas que restrinjam a concorrência de forma não razoável, ou seja, não são permitidas as práticas que causem a restrição ao livre-comércio sem justificativa. A “regra da razão” foi introduzida pela primeira vez pela Suprema Corte dos Estados Unidos em 1911 em um julgamento de prática de cartel pela Standard Oil[10].As práticas que contribuem para um aumento de eficiências para uma atividade econômica e que viabilizam resultados pró competitivos são vistos como não infringindo a legislação antitruste. O bem estar social deve desta forma ser avaliado pelo conjunto de efeitos proporcionados pela ação de mercado em julgamento. Segundo Eduardo Gaban: “Existe um elevado grau de indeterminação sobre quais seriam as condições necessárias para a caracterização de uma conduta como infração antitruste. O ponto de vista geral, que dá unidade a essas condições, está no denominado bem estar social e o modo de operacionalizar este critério, tecnicamente, está na determinação quantitativa e qualitativa dos efeitos líquidos produzidos pela conduta”[11] Entre as eficiências positivas para o bem estar social que devam ser avaliadas encontram-se economias de escala, economias de escopo, introdução de novas tecnologias que resultam em processos produtivos mais eficientes, menos custosos, apropriação de exeternalidades positivas ou eleiminação de externaliades negativas e por fim formação de poder de mercado compensatório. Quando estes benefícios compensam os danos, não se configura exercício de poder de mercado danoso a sociedade.[12] Hovenkamp observa que a aplicação da regra da razão envolve análises de peritos para caracterização de poder de mercado da empresa acusada o que representa um custo financeiro ao processo de litígio. Em alguns casos pode-se aplicar a chamada “regra per se”, onde a caracterização de prática contrária a lei antitruste se configura sem a necessidade desta análise mais ampla de tais fatores. [13]

Embora o direito de patente seja entendido como um tipo de propriedade, seu alcance não é o de um direito real na medida que ao contrário da posse que não possui limitação temporal a seu detentor, no caso das patentes tais direitos previstos estão limitados a um período de tempo determinado. No entanto, o equilíbrio de interesses é atendido na medida em que a lei prevê a possibilidade de exploração por terceiros da invenção patenteada através da cessão e licenças. Nos casos de abuso de direito por parte do titular a LPI prevê necessariamente a aplicação de licenças compulsórias antes que seja aplicada a caducidade da patente em cumprimento à Revisão de Estocolmo da Convenção de Paris. Para Josserand o que explica a limitação temporal do direito patentes e não o de marcas, por exemplo, é o fato do primeiro atender a necessidade de difusão da cultura e do conhecimento, do progresso técnico e da liberdade do comércio e da indústria. [14]



[1]  MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1956. Tomo XVI, p. 256 e 270.

[2] PICARD, Edmond; OLIN, Xavier, Traité des brevets d'invention et de la contrefaçon industrielle, précédé d'une théorie sur les inventions industrielles, 1869, p. 11

[3] HAEGHEN, Vander. Brevets d'invention marques et modèles, Bruxelas:Ed. Ferdinand Larcier, 1928, p.206

[4] MOUSSERON, Jean Marc. Traite des brevets.Paris:Librairies Techniques, 1984,p.47. cf. BARBOSA, Pedro Marcos Nunes. Direito Civil da propriedade intelectual: o caso da usucapião de patentes. Rio de Janeiro, Lumen Juris,2012, p.52

[5] FRANCO, Luigi. Trattato della Proprietà Industriale, Milão: Societá Editrice Libraria, 1933,p.158

[6] TJRJ, 2ª Câmara Cível, Des. Elisabete Filizzola, AC 2001.001.14417, julgado de 27/11/2001

[7] LUZATTO, Enico. Trattato generale delle privative industriali, v.1, Milã:Pilade Rocco, 1914, p.43. cf. BARBOSA, Pedro Marcos Nunes. Direito Civil da propriedade intelectual: o caso da usucapião de patentes. Rio de Janeiro, Lumen Juris,2012, p.227

[8] BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual, Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2003, p.499-500

[9] BARBOSA, Pedro Marcos Nunes. Direito Civil da propriedade intelectual: o caso da usucapião de patentes. Rio de Janeiro, Lumen Juris,2012, p.60

[10] HOVENKAMP, Herbert. Antitrust enterprise: principle and execution, Cambridge:Harvard University Press, 2005, p.1305/4769

[11] GABAN, Eduardo Molan; DOMINGUES, Juliana Oliveira. Direito antitruste. Saraiva:Rio de Janeiro, 2012,p.68

[12] GABAN,op.cit.p.105

[13] HOVENKAMP, Herbert. Antitrust enterprise: principle and execution, Cambridge:Harvard University Press, 2005, p.1454/4769

[14] POLLAUD-DULIAN, Frédéric , Propriété intellectuelle. La propriété industrielle, Economica:Paris, 2011, p.13

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