segunda-feira, 20 de junho de 2022

Licenças compulsórias aplicadas no Brasil

 

Nas discussões do PL 824-A/91 os deputados Miro Teixeira (PDT/RJ) e Marcelo Barbieri (PMDB/SP) apresentaram emenda em abril de 1993 questionando a necessidade do requerente de uma licença compulsória ter de demonstrar capacidade técnica para realizar a exploração eficiente da patente: “Ora tal dispositivo é vago, dúbio, subjetivo, podendo dar margem a infindáveis disputas acerca da capacidade oiu não de um determinado pretendente. A lei não diz quem julgara da capacidade; a lei não faz igual exigência para conceder a patente e o detentor da patente tem, segundo a lei, a mesmo obrigatoriedade de explorar a invenção “.

Escrevendo em 1980, Douglas Gabriel Domingues mostrava-se cético quanto a eficácia das licenças compulsórias: “trinta anos passados, com a isenção que o tempo empresta e a serenidade de quem não era parte na lide, comprova-se historicamente que Clóvis Rodrigues equivocava-se em suas posições e razão cabia a Gama Cerqueira. O instituto da licença obrigatória mostra-se um ornamento inútil e dispensável na propriedade industrial brasileira, instrumento alienígena incorporado ao nosso direito que, de forma alguma, consulta aos interesses nacionais. Felizmente, sua utilização e aplicação real são quase nulas ou mesmo inexistentes sendo mais comuns e encontradiços os pedidos da caducidade da patente que a licença obrigatória em uma de suas formas atuais”[1]. Pedro Barbosa refere-se às licenças como uma “muito mais ficção jurídica do que objeto de implementação prática”.[2]

Alexandre Gnocchi aponta apenas três casos de pedidos de licença compulsória no Brasil no período 1945/1960: Emil Langer, patente MU323 (diário oficial Seção III de 05/07/1954) com desistência do pedido de licença compulsória conforme publicação no Diário Oficial Seção III de 10/06/1959. O segundo pedido foi solicitado por Einac-Electro Ind e Com. Ltda para patente MI323 (Diário Oficial de 01/08/1952) e o terceiro caso para Ferragens Lock Ind. e Com. Ltda. para patente de invenção PI33389 de propriedade da empresa norte-americana Schlage Lock Co. (Diário Oficial de 11/07/1955). Este último pedido foi recusado após uma discussão de quatro anos cuja decisão foi publicada no Diário Oficial de 10/12/1959.

Gnocchi aponta as contradições do Código de 1945 que no artigo 53 autorizava a aplicação de licença obrigatória após dois anos contados da concessão da patente, de não exploração de modo efetivo do objeto do invento no território nacional, ao mesmo tempo em que determinava a caducidade da mesma decorridos três anos de inação da mesma. Ora se o Código de 1945 admitia em favor do titular um prazo de não exploração de três anos, não haveria sentido a autorização de licenças compulsórias com apenas dois anos de concessão. O projeto Levy de 1952, de reforma da lei de patentes de 1945 em debate na Câmara Federal em 1960 previa a supressão das licenças obrigatórias da lei de patentes “porque nunca tivera aplicação em sete anos de vigência da lei, o que demonstra a sua inoportunidade no estado atual do nosso desenvolvimento industrial”.

Alexandre Gnocchi conclui: “a licença obrigatória, forçoso é reconhecer, é algo inoperante e ainda imaturo no nosso direito industrial [...] Temos para nós que a licença obrigatória não é a solução ideal para o problema da exploração de patentes inativas”.[3] E ainda argumenta: “a licença obrigatória, ou compulsória, já pela sua expressão, se apresenta, aos olhos do inventor, com caráter coativo e humilhante. Daí a pouca sorte que teve em alguns países e o completo fracassso em outros, como aconteceu no Brasil [...] Jamais terá futuro, no Brasil, uma licença em termos de obrigatoriedade ou compulsoriedade”.[4]

Sob a vigência do Código de Propriedade Industrial Lei nº 5772/71, foram concedidas duas únicas licenças compulsórias referentes a duas patentes de processo de um mesmo produto da indústria de defensivos agrícolas concedidas por falta de uso. A licença compulsória obtida por Nortox Agro-Química S/A para exploração da patente PI7107076 da Monsanto[5] foi concedida porque a Monsanto não respondeu a tempo a notificação de licença compulsória publicada em 6 de setembro de 1983. A Monsanto entrou em novembro de 1983 com uma ação alegando que a DIRCO era incompetente para tal publicação e que teria sido feita de forma inadequada ao não publicar o título da patente na seção da DIRCO na Revista de Propriedade Industrial, ao invés da seção da DIRPA. Em 29 de novembro a DIRCO publicou a decisão de licença compulsória. Posteriormente, a DIRCO anulou sua publicação de 6 de setembro e de 29 de setembro de 1983. O juiz em decisão de 25 de abril de 1984 entendeu ser correto tal anulação das publicações. Logo em seguida através do despacho na RPI 710 de 29 de abril de 1984, página 86, foi publicada a decisão de licença compulsória, processo DIRCO/1649/83 e fixada retribuição de 4% sobre a base calculada de acordo com item 2.2.1 do Ato Normativo 15/1975.

Estes dois casos foram julgados quando o Brasil ainda não havia aderido à Revisão de Estocolmo da CUP quanto aos artigos 1 a 12 (que seria realizada apenas em 1992) de modo que a redação do artigo 5o na revisão de Estocolmo “a licença compulsória será recusada se o titular da patente justificar a sua inação por razões legítimas” não vigia no Brasil à época destas decisões.

Com a adoção da Revisão de Estocolmo, portanto a possibilidade de licenças compulsórias tornou-se mais restrita do que antes. Sob a LPI 9279/96 a ameaça de licenças compulsórias sobre medicamentos fez com que empresas como a Merck (fabricante do Efavirenz PP1100250) e a Roche (fabricante do Nelfinavir vendido sob a marca Viracept PI9407782 / PP1100166) reduzissem os custos de remédios utilizados pelo governo brasileiro no coquetel de AIDS. Atualmente o Ministério da Saúde fornece 17 medicamente anti-retrovirais (Abacavir, Atazanavir, Amprenavir, Delavirdina, Didanosina, Efavirenz, Estavudina, Indinavir, Lamivudina, Lopinavir/Ritonavir, Nelfinavir, Nevirapina, Ritonavir, Saquinavir, Tenofovir, Zalcitabina e Zidovudina), sendo oito deles produzidos por laboratórios farmacêuticos nacionais.[6]

O governo brasileiro em junho de 2005 anunciou declaração de interesse público do anti-retroviral de marca Kaletra (Lopinavir/Ritonavir PI1100397), fabricado pelo laboratório Abbott, ameaçando o licenciamento compulsório, caso o produtor não atendesse às condições apresentadas para a garantia da sustentabilidade do Programa Nacional DST/Aids.[7] As estimativas eram de que com a compra do genérico o país economizaria US$ 55 milhões.[8] Governo e laboratório Abbott chegaram a um acordo, com a redução do custo do medicamento, sem que se aplicasse a licença compulsória. O acordo previa a manutenção de um preço estável do medicamento durante seis anos. Esse acordo, que terminou em 2011, rendeu ao governo uma economia total de US$ 340 milhões, de acordo com o Ministério da Saúde. Em março de 2012 uma decisão judicial anulou a patente do medicamento lopinavir, um dos princípios ativos do remédio Kaletra. A juíza federal Daniela Pereira Madeira, do Rio de Janeiro alegou a falta da avaliação da ANVISA antes da concessão da patente e a inconstitucionalidade do mecanismo conhecido como "pipeline" utilizado para o depósito do pedido de patente.[9]

Para adoção do licenciamento compulsório, o governo brasileiro se respalda no Acordo TRIPs, na Declaração de Doha, na LPI e no Decreto 4.830/03. Em abril de 2007 o governo declarou interesse público na patente do Efavirenz (Portaria 886 de 24/04/2007).[10] Em uma última tentativa de negociação a empresa ofereceu, através do embaixador americano Clifford Sobel, uma proposta de 30% de desconto que reduziria o valor de US$ 1,59 para US$ 1,10 por dose; mas considerando-se os preços praticados para a Tailândia de 60 centavos de dólar e o conhecimento de que os genéricos produzidos na Índia custavam 44 centavos de dólar, a empresa foi informada de que a proposta não atendia ao interesse público e foi efetivamente decretado o licenciamento compulsório do Efavirenz no dia 4 de maio de 2007 por meio do Decreto 6.108 (PP1100250) para uso público não comercial. Segundo Carlos Passarelli da Assessoria de Cooperação Internacional do programa Nacional de DST/AIDS o uso de licenças compulsórias não pode ser entendido como uma medida de fomento à industrialização mas apenas para atender questões de interesse público.[11]

A medida de licenciamento compulsório do Efavirenz tinha como objetivo a redução do custo do medicamento, no entanto, o laboratório Fundação Oswaldo Cruz, que assumiu a produção, não conseguiu, por limitações técnicas, cumprir o cronograma de entrega. Os medicamentos chegaram ao mercado com atraso de um ano, com um custo de R$1,35, preço cerca de 27% superior ao do genérico comprado pelo governo brasileiro do laboratório indiano Ranbaxy.[12] A licença compulsória foi concedida em 4 de maio de 2007, quando o Presidente da República assinou o decreto 6108/2007, no entanto a entrega do primeiro lote de medicamentos produzido pela Fiocruz ocorreu em fevereiro de 2009 conforme mostra a matéria na Revista Radis n° 78 [13]. O licenciamento compulsório permitiu que o Ministério da Saúde importasse versões genéricas produzida na Índia pelo laboratório Ranbaxy. A concessão de licença compulsória do efavirenz previu a importação do medicamento atrelada ao compromisso de que o laboratório exportador repassasse ao Brasil toda a tecnologia para produção nacional pelo laboratório oficial Farmanguinhos (Fundação Osvaldo Cruz). O governo brasileiro solicitou à OPAS/OMS e ao UNICEF que intermediassem a compra por ser uma forma de garantir a qualidade do produto e os melhores preços e também de obter a chancela de organismos internacionais. O preço médio da proposta da OPAS/OMS/UNICEF para cada unidade do medicamento variava entre U$ 0,44 e U$ 0,46, incluindo custos de importação. [14]Os primeiros lotes importadis chegaram ao Brasil em julho de 2007, assegurando o abastecimento do antirretroviral. O Brasil pagou 1,5% do valor de compra a título de royalties para os detentores da patente. [15]

Com o licenciamento compulsório do Efavirenz a estimativa de economia até 2012, data que expira esta patente, é de US$ 236,8 milhões.[16] A licença foi concedida por cinco anos prorrogável por igual período.[17] Após a licença compulsória a produção nacional do medicamento foi estabelecida a partir de uma parceria público privada entre um consórcio de três empresas farmoquímicas privadas e dois laboratórios públicos que desenvolveram a formulação em conjunto com as empresas. Um dos motivos do atraso foi a reprovação no primeiro teste de bioequivalência realizado. O intermediário químico para a produção do insumo farmacêutico ativo é obtido por importação. [18] Segundo Julia Paranhos o caso do licenciamento compulsório Efavirenz foi entendido como medida de exceção pelas empresas multinacionais e não teve maiores conseqüências nas estratégias de negócios destas empresas no país.[19] Chan Park observa que no caso de licenças compulsórias emitidas anteriormente a 2005 numa época em que a Índia, maior produtor mundial de medicamentos genéricos, não reconhecia patentes, havia uma maior eficácia nestas licenças compulsórias, pois o mercado poderia ser rapidamente suprido por importações de empresas de genéricos indianos para fabrocação do produto patenteado. No entanto Chan Park observa que com a implementação efetiva de TRIPs na Índia em 2005 esta possibilidade será mais restrita. Historicamente as empresas indianas tem levado seis anos desde que o medicamento original é lançado no mercado para produirem uma versão genérica do mesmo, ou seja, a partir de agora as empresas indianas somente poderiam começar os trabalhos para produção deste medicamento genérico com a aplicação da licença compulsória, e este prazo de seis anos pode-se mostrar excessivamente longo para que a licença compulsória seja eficaz. [20]

A possibilidade dos preços considerados excessivos pela indústria de medicamentos ser condenado por violação da legislação antitruste é mais remota. A lei nº 8884/94 em seu artigo 21, XXIV tipifica como infração à ordem econômica impor preços excessivos ou aumentar sem justa causa o preço do bem ou serviço. No entanto em 17 anos de vigência do dispositivo legal não hove nenhuma condenação com esta razão, o que mostra que a jurisprudência consolidada do CADE neste respeito é bastante restrita. Segundo Eduardo Gaban somente seria condenada a prática de aumento excessivos de preços que estivesse associada a formação de cartéis ou com o propósito específico de excluir concorrentes. No caso sindicato da Indústria Mecânica, Metalúrgica e Material Elétrico de Ipatinga/MG v. White Martins S.A julgado em dezembro de 2009 o CADE observou que “é mister analisar se o produto é fruto de investimentos em P&D, pois mercados com elevados investimentos em P&D não devem ser objeto de análise de preço excessivo exploratório devido ao elevado risco de desestímulo a investimentos e a dificuldade ainda maior de calcular custos”[21]. Eduardo Gaban conclui que a regra geral é a de que “o aumento excessivo, puro e simplesmente considerado, não constitui infração à ordem econômica, mas reflete processo natural de mercado”. Em julgamento do CADE os conselheiro concluem: “Se o fornecedor não possuir significativo poder de mercado, eventual aumento de preços a ponto de ser considerado abusivo, será, do ponto de vista econômico, irracional, já que tal fato poderá lhe acarretar perda de participação de mercado [...] além disso, ante a ausência de definição legal e aaté mesmo doutrinária, análise do que pode ser considerado aumento abusivo e injustificado de preço, é, por si só´, extremamente complexa, tendo em vista que aumentos de preço podem ser ocasionados pelos mais diversos fatores [...] entre outras práticas inerentes às estratégias empresariais”.[22] Por outro lado o TJRS em decisão de 2006: “tendo o requerido procedido aumento do preço de gasolina no feriado de páscoaa de 2004, sem que nenhum fator econômico assim justificassse, motivado unicamente pelo aumento arbitrário na margem de lucro, resta caracterizada a conduta abusiva do posto de combustíveis demandado”. Quanto ao aumento de lucros proporcionado por novas tecnologias desenvolvidas Riicardo Sichel entende que “ocorre que o novobem traz vantagens ou evita uma série de percalços, que aqueles já conhecidos naõ conseguram solucionar. Dessa forma, o preço diferenciado não poderá ser considerado aumento arbitrário de lucros, haja visto o seu caráter único, fato esse que não implica o atendimento do requisito da função social de todo e qualquer propriedade, nos termos da Constituiçãõ da República”.[23]

Nos Estados Unidos Herbert Hovencamp observa que a ocorrência de preços predatórios não somente é difícil de ser identificada como relativamente incomum, de modo que o risco de falsos positivos acabaria levando a um custo social que não compensaria a medida. [24]Por outro lado Carlos Alberto Bello [25] observa que “a legislação antitruste foi recolocada na agenda pública brasileira pelo governo Itamar Franco para ser um novo instrumento de combate à inflação, em seguida para apoiar a implementação do plano Real. Não se tratava de reprimir o abuso do poder econômico, mas sim, de atuar sobre os preços”

Em abril de 2008 o governo brasileiro anunciou declaração de interesse público do anti-retroviral Tenofovir (PI9811045), usado no tratamento do HIV/AIDS, produzido pela Gilead Science. O Tenofovir é um dos mais caros antiretrovirais do programa brasileiro anti AIDS. Segundo o ministro da Saúde o medicamento é usado por cerca de 30 mil pacientes, com custo de U$1.387,00 por paciente por ano. O custo anual com o medicamento é aproximadamente de US$40 milhões, ou cerca de 10% do total dos custos do programa brasileiro anti AIDS.[26] Em janeiro de 2008 o USPTO negou quatro patentes referentes ao medicamento, no entanto na fase de reexame de duas destas patentes reverteu a decisão.[27]

O indeferimento do pedido de patente do Tenofovir em agosto de 2008 pelo INPI propiciou a parceria entre os laboratórios Fundação Ezequiel Dias (FUNED), Nortec Química e Blanver[28] para produção do medicamento e inclusão dos mesmos nos protocolos de tratamentos do SUS. Em abril de 2010 foi publicada na RPI a entrada de uma ação judicial por parte da requerente Gilead Science contra a decisão administrativa do INPI de indeferimento do pedido de patente.[29]

A Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia) apresentou na Índia um recurso contra a concessão da patente, com base em falta de atividade inventiva, para o remédio que está em análise naquele país, uma vez que concedida a patente na Índia, o Brasil não terá como importar versões genéricas do Tenofovir lá produzidas. No Brasil, a empresa vende o Tenofovir por US$1.387 por paciente.

Na Índia, a versão genérica mais barata custava US$158 por paciente por ano.[30] Em agosto de 2009 o escritório de patentes da Índia confirmou apelação da empresa indiana de genéricos Cipla contra a patente da Gilead. Até então a Gilead vinha licenciando a patente para as empresas de genéricos indianas, desde que estas não o exportassem para mercados emergentes como Brasil e China.[31] Com a decisão o preço do medicamento pode cair ainda mais na Índia.

Diversos países em desenvolvimento se utilizaram do mecanismo de licenças compulsórias para garantir o acesso a medicamentos a um custo acessível, assim por exemplo foram os casos da Malásia em 2002, Tailândia em 2006 e 2008, e Equador em 2010. [32] A Tailândia em 2006 aplicou licenças compulsórias para o efavirenz, usaod no tratamento da AIDS e comercializado como Stocrin da Merck Sharp and Dohme e para o clopidogrel comercializado como Plavix da Sanofi-Aventis[33] e usado no tratamento de doenças cardíacas. Em janeiro de 2007 a Tailândia autorizou licenças compulsórias para produção do lopinavir/ritonavir comercializado como Kaletra pela Abbott, com redução esperada de 20% nos custos do medicamento. [34] Embora fazendo uso das flexibilidades de Doha, a medida provocou fortes protestos da Abbott (que retirou os seus pedidos pendentes de comercialização de novos medicamentos na Tailândia como o Zempar para doenças hepáticas, Simdax, doenças cardíaca; Humira, doença autoimunes e Aluvia para AIDS[35]) e do governo norte americano que passou a incluir a Tailândia na Special 301 Priority Watch List, indicando as licenças compulsórias concedidas como um indicador do enfraquecimento do sistema de patentes no país. [36] A empresas multinacionais recusaram-se a aceitar o pagamento de royalties por não reconhecer como direito legítimo do governo tailandês a aplicação das licenças compulsórias. No Estados Unidos vinte e dois membros do Congresso liderados por Henry Waxman enviaram carta ao representante de comércio dos Estados Unidos para que este não tentasse adotar qualquer medida retaliatória contra a Tailândia. Em resposta Susan Schwab admitiu que a Tailândia tinha o direito de aplicar tais licenças compulsórias. A repercussão intternacional contra a Abbott fez com que a empresa recuasse e passasse a adotar uma política de preços diferenciada em função da renda do país para as vendas mundiais do Kaletra. Apenas alguns meses após a licenças compulsória do efavirenz ser aplicada na Tailândia, o governo brasileiro também aplicou licença compulsória para o mesmo medicamento no país. O governo da Tailândia já hesitara em 1999 em aplicar uma licença compulsórai ao medicamento antiretroviral ddI fabricado pela Bristol Myers Squibb por temer retaliações comerciais por parte do governo norte americano. ONGs da Tailândia escreveram na época ao então presidente Bill Clinton sobre o caso que assegurou que a Tailândia tinha o direito de aplicar licenças compulsórias segundo as regras de TRIPs. A Diretora geral da OMS Margaret Chan inicialmente oi crítica com relação ao licenciamnto compsulsório destes três medicamentos pela Tailândia apelando para o país entrar em acordo com as empresas, no entanto reverteu sua posição diante das críticas.[37] Cynthia Ho cita este exemplo para colocar em dúvida a eficácia das flexibilidades proporcionadas por TRIPs.[38]

Os Estados Unidos,[39] embora bastante críticos quanto a utilização de licenças compulsórias por parte do governo brasileiro, já aplicou mais de 100 licenças compulsórias, inclusive com licenciamento gratuito como no caso em uma patente da Xerox de 1977. Em United States v. Glaxo Groups 410 US 52 (1973) a Suprema Corte conclui que “a venda obrigatória de item específicos e a licença compulsória de patentes são medidas razoáveis como remédios antitruste”.[40] A Alemanha autorizou o licenciamento compulsório da Chivron para porva de HIV em exame de sangue em 2001 e Israel aplicuo licença compulsória para patente da vacia contra hepatite B em 1995. [41]Em 1920 químicos da Pfizer desenvolveram um processo de fermentação para obter ácido cítrico em grandes quantidades, que serviu de base para produção de penicilina durante a guerra. De modo a atender às demandas do exército Aliado, a patente teve licenciamento compulsório decretada pelo governo norte-americano.[42] Em 2001 e 2002 esporos de antraz de alta virulência foram introduzidos sob a forma de pó em envelopes enviados a várias pessoas públicas nos EUA. O governo norte-americano viu-se obrigado, por prevenção, a encomendar grandes doses de ciprofloxacina, comercializado pela marca Cipro. A patente US5286754 de propriedade da Bayer,[43] teve ameaça de licença compulsória por parte do governo americano,[44] o que fez o preço do medicamento despencar de 80% de seu preço antes da crise.[45] O medicamento copiado produzido pela Índia custava menos de 20 centavos de dólar.[46] O 28 USC 1498 prevê como uma das prerrogativas do governo a possibilidade de utilizar uma patente sem a autorização do titular, ainda que o mesmo deva ser remunerado de modo razoável (recovery of his reasonable and entire compensation for such use). [47] Durante as negociações de TRIPs os Estados Unidos negou que este dispositivo estivesse limitado a tecnologias na área de defesa, mas que se aplicaria a qualquer tecnologia. Segundo Cynthia Ho isto sugere que no entendimento dos Estados Unidos o artigo 31 de TRIPs[48] sobre usos não autorizados pelo titular da patente contempla uma ampla faixa de tecnologias.[49] Segundo Jacques Gorlin a expressão “uso público não comercial” foi elaborado de modo amplo para que pudesse contemplar o escopo igualmnet amplo da seção 1498 da legislação norte americana. Durante as negociações de Doha o Brasil, Índia e o grupo africano usaram o episódio do Cipro para defender o mesmo princípio aos países em desenvolvimento. Os ativistas na área de saúde a favor de maior acesos aos medicamentos apontaram o caso do Cipro com um exemplo da hipocrisia e regras dierenciadas com que os países industrializados tratam a questão.[50] Logo após a aoção de Doha um influente relatório sobre o uso abusivo das patentes foi publicado em setembro de 2002 pela UK Commission on Intellectual Property Rights (CIPR), por iniciativa do governo da Inglaterra, contestando a regra em patentes de que “one size fits all” defendida por outros países desenvolvidos.[51]

A Bayh Dole Act de 1980 estabelece que as universidades e pequenas empresas que solicitarem patentes para pesquisas financiadas pelo governo deverão indicar isso em seus relatórios de patentes de modo que fiquem sujeitas a licenças compulsórias não remuneradas no caso de não exploração.

Mesmo com o licenciamento compulsório de patentes, as empresas em alguns casos mantém seu interesse em pesquisa. Na ameaça de epidemia de gripe suína, originada no México em abril de 2009, alguns países anunciaram medidas de licenciamento compulsório da patente do Tamiflu, medicamento utilizado no tratamento da doença (US5952375, PI9607098) face a impossibilidade da empresa Roche de atender ao volume de encomendas do medicamento. Ainda assim as empresas se interessaram no desenvolvimento de uma vacina para a doença.[52] Peter Drahos destaca o contraste que o sistema de patente causou em que os países com maior risco para gripe aviária detinham o menor estoque de medicamentos.[53] Na França Michel Vivant destaca que o instrumento de licenças compulsórias tem sido muito pouco utilizadas: “numa pespectiva otimista podemos dizer que o fato desta regra não ser utilizada demonstra sua eficiência”. [54]



[1] DOMINGUES, Douglas Gabriel. Direito Industrial – patentes, Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 264.

[2] BARBOSA, Pedro Marcos Nunes. Direito Civil da propriedade intelectual: o caso da usucapião de patentes. Rio de Janeiro, Lumen Juris,2012, p.178

[3]  GNOCCHI, Alexandre. Propriedade Industrial: licenças & roialtes no Brasil, São Paulo: Rev. dos Tribunais, 1960, p. 41.

[4]  GNOCCHI.op. cit. p. 48.

[5]  ASH, Peter. Notes on Compulsory licensing of patents in Brazil: the Nortox vs. Monsanto Case. in. DANIEL, Denis Allan Patents in Brazil. Rio de Janeiro: Daniel & Companhia, 1984. p. 8 http: //denisbarbosa.addr.com/daniel.doc.

[6] PARANAGUÁ, Pedro; REIS, Renata. Patentes e Criações Industriais. Rio de Janeiro: FGV Jurídica, 2009. p. 115.

[7] Portaria interministerial 985 de 24 de junho de 2005 DOU de 27 de junho de 2005 “Declara, para fins de sustentabilidade social do programa brasileiro de combate à AIDS, interesse público relativamente aos medicamentos advindos da associação dos princípios ativos Lopinavir e Ritonavir, com vistas à composição do rol dos inibidores de protease que devem compor o arsenal terapêutico para o tratamento da infecção por HIV/AIDS no Brasil”. http: //portal.saude.gov.br/portal/aplicacoes/noticias/noticias_detalhe.cfm?co_seq_noticia=17028 O caso Kaletra deu origem a ação civil pública 2005.34.00.035604-3 ajuizada perante a 15ª Vara Federal da Seção Judiciária do DF.

[8] STIGLITZ, Joseph. Globalização como dar certo. São Paulo: Cia das Letras, 2007. p. 216.

[9]Decisão da Justiça anula patente de droga anti-Aids, Folha de S. Paulo - 09/03/2012 http://www.deolhonaspatentes.org.br/default.asp?site_Acao=mostraPagina&paginaId=891&acao=blog&blogId=368

[10] http: //www.deolhonaspatentes.org.br/default.asp?site_Acao=MostraPagina&PaginaId=118.

[11] Seminário 200 anos de propriedade industrial no Brasil: implicações jurídicas, econômicas e sociais, Rio de Janeiro, 27/04/2009.

[12]  Propriedade e Ética, n.8, ano 2, mar./abr. 2009, p. 19.

[13] https://radis.ensp.fiocruz.br/index.php/todas-as-edicoes/78/

[14] https://scielosp.org/article/rpsp/2009.v26n6/553-559/?fbclid=IwAR1v-6N3xG57ACBdd_4Jf0IXlBwhCVj96qRs8jFzHsqC25wCUaQTkN1Sj5Y

[15] RODRIGUES, William; SOLER, Orenzio. Licença compulsória do efavirenz no Brasil em 2007: contextualização, Revista Panamericana de Salud Publica, v. 26, n.6, 2009, p.553-559, http://www.scielosp.org/pdf/rpsp/v26n6/12.pdf

[16]  PARANAGUÁ, Pedro; REIS, Renata. Patentes e Criações Industriais. Rio de Janeiro: FGV Jurídica, 2009.p. 117.

[17]   Di BLASI, Gabriel. A propriedade Industrial: os sistemas de marcas, patentes, desenhos industriais e transferência de tecnologia, Rio de Janeiro: Ed. Forense: 2010, p. 21.

[18] PARANHOS, Julia, Interação entre empresas e instituições de Ciência e Tecnologia: o caso do sistema farmacêutico de inovação brasileiro, Eduerj:Rio de Janeiro, 2012, p.242

[19] PARANHOS.op.cit.p.244

[20] PARK, Chan; MENGHANEY, Leena. TRIPS flexibilities: the scope of patentability and oppositions to patents in India. In: KRIKORIAN, Gaelle; KAPCZYNSKI, Amy. Access to knowledge in the age of intellectual property, Zone Books: Nova Iorque, 2010, p.415

[21] Averiguação Preliminar 08012.000295/1998-92. GABAN, Eduardo Molan; DOMINGUES, Juliana Oliveira. Direito antitruste. Saraiva:Rio de Janeiro, 2012,p.140

[22] Processo n° 08000.000128/1995-98 cf. SICHEL, Ricardo Luiz. Propriedade intelectual: uma política de Estado, Rio de Janeiro:GZ Editora, 2014, p.32

[23] SICHEL, Ricardo Luiz. Propriedade intelectual: uma política de Estado, Rio de Janeiro:GZ Editora, 2014, p.35

[24] HOVENKAMP, Herbert. Antitrust enterprise: principle and execution, Cambridge:Harvard University Press, 2005, p.625/4769

[25] BELLO, Carlos Alberto. Autonomia frustada: o CADE e o poder econômico. São Paulo, Boitempo Editorial, 2005, p. 81

[26] JURBERG, Claudia. Brazil Declares Patented AIDS Drug Of Public Interest, Could Expand Access Intellectual Property Watch.22 April 2008 http: //www.ip-watch.org/weblog/index.php?p=1015.

[27] ANDERSON, Tatum. US, Indian HIV/AIDS Drug Rulings Could Reverberate In Brazil . Intellectual Property Watch 4 July 2008.http: //www.ip-watch.org/weblog/index.php?p=1128.

[28] http: //www.jusbrasil.com.br/politica/2285789/funed-vai-fabricar-medicamentos-estrategicos-para-o-sus.

[29] Origem: Juízo da 021ª VF de Brasília, Processo Nº122-81.2010.4.01.3400, Ação Ordinária de Nulidade de Decisão Administrativa Praticada pelo INPI, Autor: Gilead Sciences, Inc, Réu: INPI e ANVISA.).

[30] FORMENTI, Lígia. Brasil apresenta recurso contra patente de remédio para AIDS. O Estado de São Paulo, 26 de junho de 2008 http: //www.estadao.com.br/vidae/not_vid196442,0.htm.

[31] JACK, Andrew. Droga contra AIDS perde patente na Índia, Valor Econômico, Indústria, pag B7, 03/09/2009.

[32] WTO, WIPO, WHO. Promoting Access to Medical Technologies and Innovation: Intersections between public health, intellectual property and trade, fevereiro 2013, p.177 http://www.wto.org/english/res_e/publications_e/who-wipo-wto_2013_e.htm

[33] PARK, Chan; MENGHANEY, Leena. TRIPS flexibilities: the scope of patentability and oppositions to patents in India. In: KRIKORIAN, Gaelle; KAPCZYNSKI, Amy. Access to knowledge in the age of intellectual property, Zone Books: Nova Iorque, 2010, p.417; HO, Cynthia. Current controversies concerning patent rights and public health in a world of international norms. In: TAKENAKA, Toshiko. Patent law and theory: a handbook of contemporary research,Cheltenham:Edward Elgar, 2008, p.686

[34] CORREA, Carlos. Pharmaceutical innovation, incremental patenting and compulsory licensing. Research Paper 41, p.19, South Centre, setembro 2011 http://www.southcentre.int/research-paper-41-september-2011/#more-1440 KUMAR, Sanjay, SAWHNEY, Arpita. The pitfalls of compulsory licensing in India, agosto 2013 http://www.iam-magazine.com/issues/Article.ashx?g=22818643-61d0-4c4f-81b2-146c52b8c57b LIMA, Simone Alvarez. Licença Compulsória e Acesso a Medicamentos Essenciais, Rio de Janeiro:FGV, 2013 LOVE, James. Remuneration Guidelines for Non-Voluntary Use of a Patent on Medical Technologies, 2005 http://www.who.int/hiv/amds/WHOTCM2005.1_OMS.pdf, BECKETT, Nick; POUNTNEY, David. Pharmaceutical compulsory licences in emerging markets: necessity or threat? 27 agosto 2013 http://www.lexology.com/library/detail.aspx?g=c74e553c-4659-49cf-b133-f6da0543a002 REICHMAN, Jerome. Non-voluntary Licensing of Patented Inventions Historical Perspective, Legal Framework under TRIPS, and an Overview of the Practice in Canada and the USA, 2003 http://ictsd.net/downloads/2008/06/cs_reichman_hasenzahl.pdf

[35] HO, Cynthia. Current controversies concerning patent rights and public health in a world of international norms. In: TAKENAKA, Toshiko. Patent law and theory: a handbook of contemporary research,Cheltenham:Edward Elgar, 2008, p.694

[36] LIMPANANONT, Jirapron; KIJTIWATCHAKUL, Kannikar. TRIPS flexibilities in Thailand: beteween Law and politics. In: KRIKORIAN, Gaelle; KAPCZYNSKI, Amy. Access to knowledge in the age of intellectual property, Zone Books: Nova Iorque, 2010, p.435

[37] HOEN, Ellen. The revisited drug strategy: Access to essential medicines, intellectual property, and the World Health Organization. In: KRIKORIAN, Gaelle; KAPCZYNSKI, Amy. Access to knowledge in the age of intellectual property, Zone Books: Nova Iorque, 2010, p.138

[38] HO, Cynthia. Current controversies concerning patent rights and public health in a world of international norms. In: TAKENAKA, Toshiko. Patent law and theory: a handbook of contemporary research,Cheltenham:Edward Elgar, 2008, p.694

[39]  GOLDSTEIN, Sol A study of compulsory licensing, Journal of the Licensing Executives Society, 1977, v.12, n.2, p 122-125;  CORREA, Carlos. Integrating public health concerns into patent legislation in developing countries 2002.  http://www.southcentre.org/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=13&Itemid=&lang=en.

[40] SICHEL, Ricardo Luiz. Propriedade intelectual: uma política de Estado, Rio de Janeiro:GZ Editora, 2014, p.50

[41] SICHEL, Ricardo Luiz. Propriedade intelectual: uma política de Estado, Rio de Janeiro:GZ Editora, 2014, p.57

[42] MAY, Christopher; SELL, Susan. Intellectual Property Rights: a critical history. Lynne Rjenner Publishers: London, 2006, p.137

[43]  http: //en.wikipedia.org/wiki/Ciprofloxacin#cite_note-4.

[44]   STIGLITZ, Joseph. Globalização como dar certo. São Paulo: Cia das Letras, 2007. p. 216.

[45] MAY, Christopher; SELL, Susan. Intellectual Property Rights: a critical history. Lynne Rjenner Publishers: London, 2006, p.159

[46]  CHANG, Ha Joon. O mito do livre-comércio e o maus samaritanos: a história secreta do capitalismo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 120.

[47] http://www.justice.gov/civil/docs_forms/C-IP_28usc1498.pdf cf. DRAHOS, Peter. The global governance of knowledge: patent offices and their clients. Cambrige University Press:United Kingdom, 2010, p.145

[48] http://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/27-trips_04c_e.htm

[49] HO, Cynthia. Current controversies concerning patent rights and public health in a world of international norms. In: TAKENAKA, Toshiko. Patent law and theory: a handbook of contemporary research,Cheltenham:Edward Elgar, 2008, p.689

[50] SHASHIKANT, Sangeeta. The Doha declaration on TRIPs and public health: an impetus or access to medicines. In: KRIKORIAN, Gaelle; KAPCZYNSKI, Amy. Access to knowledge in the age of intellectual property, Zone Books: Nova Iorque, 2010, p.148

[51] LATIF, Ahmed Abdel. The emergence of the A2K movement: reminiscences and reflections o a developing country delegate. In: KRIKORIAN, Gaelle; KAPCZYNSKI, Amy. Access to knowledge in the age of intellectual property, Zone Books: Nova Iorque, 2010, p.102

[52]  JEINEI, Stephen. So Who owns the rights to tamiflu patent? oct. 2005 http: //www.patentbaristas.com/archives/2005/10/21/so-who-owns-the-rights-to-tamiflu-patent/. Taiwan to violate Tamiflu patent due to vaccine shortage oct. 2005. http: //en.wikinews.org/wiki/Taiwan_to_violate_Tamiflu_patent_due_to_vaccine_shortage.

[53] DRAHOS, Peter. The global governance of knowledge: patent offices and their clients. Cambrige University Press:United Kingdom, 2010, p.287

[54] VIVANT, Michel. Le droit des brevets, Dalloz:Paris, 2005, p. 96

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