segunda-feira, 20 de junho de 2022

Padrões abertos, padrões fechados & patentes

Segundo Varian e Shapiro[1] a empresa deve procurar maximizar o valor de sua tecnologia e não o seu controle sobre ela, ou seja, de nada adianta proteger excessivamente uma tecnologia se esta não se difunde e não encontra mercado. Uma mesma empresa pode adotar estratégias de abertura e proprietárias como forma de maximizar sua presença de mercado. Para Varian e Schapiro não há incompatibilidade em coexistirem tecnologias livres e proprietárias estabelecidas como padrões da indústria.

A Intel manteve um controle rígido sobre as especificações multimídia MMX de seus chips, ao mesmo tempo promoveu a abertura de novas especificações para controladores gráficos para a sua porta de aceleração de gráficos (AGP) a fim de apressar os aperfeiçoamentos na computação visual e assim abastecer a demanda dos microprocessadores da Intel. Estratégias proprietárias e de abertura se complementam.

O caso do padrão Ethernet mostra que a estratégia de abertura é decisiva para a difusão de um padrão. Bob Metcalf inventou a Ethernet da PARC da Xerox em fins de 1970. A empresa patenteou a Ethernet e Metcalf deixou a PARC para fundar a 3COM, empresa voltada para produtos de rede. Para convencer outras empresas e a IEEE a adotar a Ethernet como padrão de redes locais LAN, a Xerox concordou em licenciar a Ethernet em condições “justas e razoáveis” para todas as empresas a uma taxa fixa nominal de US$1 mil.[2] A aliança conhecida como DIX Digital-Intel-Xerox que elaborou as especificações do padrão, propõs a sua adoção para a European Computer Manufacturer Association (ECMA) com aprovação em novembro de 1981. Em 1983, pressionada pela decisão da ECMA, a IEEE adotou o padrão Ethernet conhecido como 10 Base5. [3]Dois anos depois a IBM transformou seu padrão Token Ring em um padrão aberto em condições semelhantes, no entanto, a Ethernet já havia tinha uma base instalada tão ampla que a IBM não conseguiu alcançá-la.[4]

A Philips difundiu o padrão de gravação de áudio com fitas K7 adotando uma política de abertura para suas patentes principais tornando o cassete um padrão de fato universal.[5]

Quando do lançamento do iPhone a Apple fez questão de manter o controle dos aplicativos desenvolvidos por programadores externos, submetendo-os a aprovação pela Apple e disponibilizando-os apenas na iTunes Store. [6] A plataforma aberta do Android distribuído pela Google a diversos fabricantes de celulares e tablets se contrapunha ao modelo proprietário da Apple. Na avaliação de Steve Jobs, o Android apresentava várias versões, telas e combinações o que dificultava o controle de qualidade dos produtos: “Gosto de ser responsável por toda a experiência do usuário. Não fazemos isso por dinheiro. Fazemos porque queremos criar grandes sistemas, não uma porcaria feito o Android”[7]

A Microsoft tem utilizado padrão RTF aberto porém de funcionalidades limitadas. O formato de arquivos RTF foi desenvolvido pela Microsoft em 1987. A Microsoft não tornou as especificações do padrão públicas no seu lançamento e nas novas versões o que exigia um retrabalho dos concorrentes que demoravam a apresentar um produto no mercado compatível com o padrão e assim garantindo uma vantagem comercial para a Microsoft. A Novel (WordPerfect) em 2004 processou a Microsoft por violação antitruste.[8]

A linguagem de programação Lua foi desenvolvida pela PUC-RJ e é usada em muitas aplicações industriais (e.g., Adobe's Photoshop Lightroom), com ênfase em sistemas embutidos (e.g., o middleware Ginga para TV digital) e jogos (e.g., World of Warcraft). Lua é atualmente a linguagem de script mais usada em jogos. Segundo seu criador Roberto Ierusalimschy, Lua é distriuída em licença MIT, ao invés de GPL uma vez que o caráter viral desta última impediria que os desenvolvedores desenvolvessem programas proprietários e portanto isto inviabilizaria o uso desta linguagem de programação como padrão da indústria de videogames, em que a grande maioria dos jogos não é distribuída com o código aberto.[9]

Ronald Mann [10]destaca que é mais difícil para empresas start ups entrar no mercado competindo no setor de serviços, foco das estratégias das empresas que trabalham com software livre, do que no setor de produtos, o que sugere que a disseminação do modelo de sofwtare livre poderia promover a concentração da indústria de software, pois apenas as grandes empresas teriam maiores condições de competir na área de prestação de serviços. Outro aspecto a favorecer a concentração está no fato de o suporte oferecido por uma grande empresa tende a trazer mais confiança no mercado em torno da proposta de software livre do que, por exemplo, a uma empresa jovem e de pequeno porte.

Ronald Mann observa que o setor de produtos possui baixa barreira de entrada o que justifica o grande número de empresas no setor e consequente competição, características que tendem a atrair o financiamento de capital de risco ao invés de empresas que trabalham com serviços. O desenvolvimento do setor de software livre mostra cada vez mais estratégias híbridas de licenciamento, como o exemplo do MySQL. A Red Hat apesar de atrair capital de risco em 1998 não conseguiu ser lucrativa até sua decisão em 2002 em combinar um modelo de serviçços tradicional da Red Hat Enterprise Linux com a distribuição livre do Fedora, que permitiu fechar seu balanço com lucro pela primeira vez em 2004. Outros exemplos de estratégias híbridas podem ser citadas: a IBM fornece suporte ao Apache ao mesmo tempo que desenvolve o Webshphere no modelo propritário, a Apple desenvolveu o Mac OS sobre o sistema operacional FreeBSD 3.2. Em 20122 a Microsoft assinou um acordo de cooperação com a China Standard Software Company Ltd, líder no segment de Linux na China para desenvolvimento de porjetos conjuntos em soluções cloud computing. [11] O Banco do Brasil usa SUSE Linux Entreprise vendido pela Microsoft.[12]

Ronald Mann aponta modelos de pools de patentes como os observados na indústria de semicondutores entre Intel, IBM, AMD e outros como conduzindo a projetos colaborativos muitos similares aos propostos pelas comunidades de software livre. Ronald Mann observa que a atração de grandes corporações ao Open Source Development Labs tem garantido investimentos da ordem de 1 bilhão de dólares ao ano no Linux, a maioria dos investimentos realizados por empresas com grande portfólio de patentes como IBM, HP, Intel, Fujitsu, Red Hat, Novell e General Motors, o que confere uma certa garantia de que um eventual ataque ao Linux por infração de patentes possa ter uma resposta.

Uma pesquisa sobre empresas start ups que receberam capital de risco feita na base de dados VentureXpert mostra que apenas 135 empresas, de um total de 8 mil empresas nos setores de software e internet, trabalham com software livre, muitas das quais adotando uma estratégia híbrida, o que mostra que tais empresas tem dificuldade de conseguir financiamento de capital de risco. Ronald Mann cita o exemplo da empresa XenSource da Universidade de Cambridge que conseguiu US$ 6 milhões em capital de risco apenas após a inovação ter se tornado um sucesso de mercado, quando na maioria dos casos o financiamento de capital de risco deveria vir antes da realização da inovação no mercado.

Mesmo uma empresa que deposita milhares de patentes ao ano, a Microsoft, reconhece o valor da estratégia aberta. Segundo depoimento de Bill Gates: “Tornou-se muito comum, entre um determinado grupo de historiadores revisionistas, concluir que a IBM cometeu um erro trabalhando com a Intel e a Microsoft para criar seu PC. Argumentam que a IBM deveria ter patenteado arquitetura de seu PC e também que a Intel e a Microsoft acabaram levando vantagem sobre a IBM. Mas os revisionistas não entenderam o principal. A IBM transformou-se no carro-chefe da indústria de PCs justamente porque foi capaz de canalizar uma quantidade incrível de talentos criativos e de energia empreendedora e utilizá-los para promover sua arquitetura aberta. A IBM estabeleceu os padrões”.[13] Em 2012 a Microsoft anunciou que os padrões estabelecidos na indústria são fundamentais para o desenvolvimento da internet e da interoperabilidade de dispositivos móveis e se compromete a fazer uso de suas patentes essenciais de forma a torná-las acessíveis em termos justos, razoáveis e não discriminatórios “fair, reasonable and nondiscriminatory terms”. [14]

O HTML original foi proposto em 1990 pelos pesquisadores do CERN, Tim Berners Lee e Robert Cailliau. Projetado para vincular documentos entre si de modo a facilitar a pesquisa, logo tornou-se óbvio que qualquer arquivo de um computador poderia ser vinculado desta forma. Os pesquisadores tornaram tanto a linguagem de descrição de página HTML como o protocolo de transporte de dados HTTP padrões abertos, disponibilizando tanto o código fonte como o código objeto , o que segundo Lawrence Lessig foi fundamental para a grande difusão da internet. Segundo Lessig o livre acesso ao código fonte das páginas da internet permitiu sua grande disseminação.[15] No entanto atualmente muitas páginas web incorporam recursos que não permitem acesso ao código tais como aplicativos Java, Flash ou páginas geradas por programas executados no servidor como php, e ainda assim isso não refreou o desenvolvimento da web.

O modelo de negócios fechado adotado pela AT&T é apontado como um dos fatores que retardaram o surgimento da internet. Duas patentes adquiridas pela AT&T foram centrais para manter este monopólio em comunicações interurbanas: a invenção de Michael Pupin para o circuito ressonador capaz de sintonizar uma frequência[16] de 1900, comprada pela AT&T por US$ 500 mil [17] e a invenção do audion (triodo amplificador US841387) de De Forest[18]. O fracasso na primeira transmissão ao vivo de uma rádio pública com o uso do audion, devido ao excesso de ruído,levou a De Forest ser processado por fraude pelo procurador geral dos Estados Unidos. Como forma de pagar seus advogados De Forest teve de vender sua patente à AT&T por um preço irrisório.[19] Assim a AT&T garantiu posições seguras na nascente indústria do rádio. [20] Um dos advogados da AT&T alegou em depoimento que o uso estratégico das patentes contra os concorrentes os obrigava a permanecer na defensiva e assim optar pelo uso de tecnologias inferiores para não corrrerem o risco de processos judiciais. Uma comissão da FCC avaliou que dois terços das patentes da AT&T tinha não eram exploradas e tinha como proósito evitr que os concorrentes lançassem no mercado tecnologias alternativas. Para Norbert Wiener o modelo de apropriação das pesquisas utilizado pela AT&T representava a queda da ciência. Para Norbert Wiener a informação não é uma substância mas um fluxo e a propriedade intelectual ao restringir o fluxo de informação compromete o desenvolvimento da ciência. [21] A informação segundo Norbert Wiener por ser um processo dinâmico se armazenada rapidamente perde seu valor: “a informação é mais um problema de processo do que de armazenagem”. Como o nível efetivo de informação encontra-se em um processo de avanço contínuo, o simples armazenamento de informações, condena os hoje líderes deste processo e se transformarem nos retardatários do futuro: “não existe linha Maginot do cérebro”.[22]

A fragmentação da AT&T na década de 1980, lançou as bases da disseminação da internet. A AT&T detinha o monopólio das linhas físicas de longa distância que interconectavam as cidades nos Estados Unidos. O monopólio da Bell havia sido interrompido com a expiração de diversas patentes chave em 1890. Desde então proliferaram diversas empresas independentes, especialmente na área rural. Com o fim das patentes chava de Bell em 1894 a competição na indústria se intensificou e em 1907 a empresas independentes tinham uma rede de 3 milhões de telefones enquanto a mesm quantidade da AT&T[23]. Em 1900 a Bell decidiu abrir sua rede de longa distância apenas para as empresas que satisfizessem os padrões técnicos operacionais da Bell e que não fossem concorrentes diretas da Bell em nível local. A TT&T recusara-se aos tivais o acesso á sua rede de longa distância sob o argumento que a integração com padrões inferiores poderia comprometer todo o sistema. Com o enraquecimento das independnetes, muitas empresas foram adquiridas pela AT&T que consolidou sua posição monopolísitica até seu desmembramento em 1984.[24]

Paul Baran, pesquisador da Rand Corporation, desenvolveu no início dos anos 1960 o conceito de redes de pacote, que permite o controle descentralizado do roteamento das comunicações, e que viria a ser a base da internet.[25] O sistema não se ajustava ao modelo centralizado adotado pela AT&T, que resitia à sua adoção. Segundo Paul Baran: “tentaram tudo que se possa imaginar para impedir”.[26] Segundo Tim Wu “em termos ideológicos a AT&T estava comprometida com uma rede de circuitos definidos, ou caminhos reservados, controlada por uma só entidade. Baseasdo no princípio de que qualquer caminho disponível é um bom caminho, o conceito de pacote, embora teórico, admitia a possibilidade de uma rede com múltiplos proprietários – uma rede aberta. E essa noção era um anátema para o lema - Uma empresa, um serviço universal, da AT&T”.[27] Ainda segunto Tim Wu “A internet e a web iam contra dois importantes princípios da Bell. Primeiro, earm descoentralizadas, enquanto a rede da Bell favorecia um modelo centralizado. Segundo, as duas possibilitavam que qualquer um controlasse seu próprio negócio, sem precisar de operadoras, não deixando à rede qualquer forma ou direito de obter lucro”.[28]

Lessig observa que ao contrário da internet que nasceu de padrões abertos a proposta de desenvolvimento de um software livre viria a se viabilizar com a iniciativa de Richard Stallman 1984 ao criar a Free Software Foundation e o projeto GNU, para unir programadores de software livre e para fornecer uma infra-estrutura legal para a comunidade livre.


[1] VARIAN, Carl; SHAPIRO, Hal. A Economia da Informação. Rio de Janeiro: Campus, 1999, p. 231.

[2] SHAPIRO,Carl; VARIAN, Hal R. A economia da informação. Rio de Janeiro:Campus, 1999, p.291

[3] JAIN, Sanjay. Pragmatic agency in technology Standards setting: the case of Ethernet. Research Policy, 2012, v.41, p.1643-1654

[4]  VARIAN. op. cit., p. 292.

[5] JOHNS, Adrian. Piracy: the intellectual property wars from Gutenberg to Gates. The University Chicago Press, 2009, p.446

[6] ISAACSON, Walter. Steve Jobs por Walter Isaacson: a biografia. São Paulo: Cia. das Letras, 2011, p.519

[7] ISAACSON.op.cit.p.531

[8] http://en.wikipedia.org/wiki/Rich_Text_Format

[9] http://www.lua.org/portugues.html

[10] MANN, Ronald. The Commercialization of Open Source Software: Do Property Rights Still Matter?, September 2006, Harvard Journal of Law & Technology, Volume 20, No.1, Fall 2006 University of Texas School of Law, Law & Economics Research Paper No. 058 http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=802805

[11] http://www.techsecuritychina.com/tag/china-standard-software-company/

[12] XXXII Congresso da ABPI, 2012, São Paulo.

[13] GATES, Bill. A estrada do futuro, São Paulo: Cia das Letras, 1995, p. 72.

[14] Microsoft Says It Will Not Act On Patents In Standards. http://www.ip-watch.org/2012/02/13/microsoft-says-it-will-not-act-on-patents-in-standards/

[15] LESSIG, Lawrence. Code: And Other Laws of Cyberspace, Version 2.0, Basic Books, 2006, p.146

[16] http://radnaetika.org/content/view/176/57/lang,en/

[17] JOHNS, Adrian. Piracy: the intellectual property wars from Gutenberg to Gates. The University Chicago Press, 2009, p.427

[18] JOHNS, Adrian. Piracy: the intellectual property wars from Gutenberg to Gates. The University Chicago Press, 2009, p.406; CAMP, Sprague. A história secreta e curiosa das grandes invenções.Rio de Janeiro:Lidador, 1964, p. 332; PHILBIN, Tom. As 100 maiores invenções da história, Rio de Janeiro:DIFEL, 2006, p.310

[19] JOHNSON, Steven. Como chegamos aqui, Rio de Janeiro:Zahar, 2015, p.95

[20] NOBLE, David. America by design: science, technology and the rise of corporate capitalism, Oxford University Press, 1979, p.91, 97

[21] JOHNS.op.cit.p.426

[22] WIENER, Norbert. Cibernética e sociedade: o uso humano de seres humanos. São Paulo:Cultrix, 1970, p.120

[23] NOBLE, David. America by design: science, technology and the rise of corporate capitalism, Oxford University Press, 1979, p.12

[24] SHAPIRO,Carl; VARIAN, Hal R. A economia da informação. Rio de Janeiro:Campus, 1999, p.249

[25] MAZZUCATO, Mariana. O estado empreendedor: desmascarando o mito do setor público vs. setor privado, São Paulo:Portfolio Penguin, 2014, p.147

[26] ISAACSON, Walter. Os inovadores: uma biografia da revolução digital, São Paulo: Cia das Letras, 2014, p. 255

[27] WU, Tim. Impérios da comunicação: do telefone à internet, da AT&T ao Google, Rio de Janeiro:Zahar, 2012, p.212

[28] WU,Tim.op.cit.p.342

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