segunda-feira, 22 de maio de 2017

O papel do examinador no exame de atividade inventiva


Como o examinador de patentes trabalha na fronteira tecnológica, é fundamental que não tenha preconceito às invenções e realize uma análise sempre do ponto de vista técnico, fundamento seus pareceres e apresentando sempre anterioridades que justifiquem a não atividade inventiva quando de um indeferimento. É exatamente o fato de estar lidando com a fronteira tecnológica que torna seu trabalho mais interessante. Esta resistência ao novo é um paradoxo de uma sociedade baseada no conhecimento. Segundo Paolo Rossi: “mas o problema maior é o da novidade e da dificuldade ou da incapacidade de pensar o novo. Porque a mente humana está mal organizada: primeiro desconfia demasiado de si própria e, em seguida, se despreza. No começo, parece inacreditável que algo possa ser descoberto. Depois, tão logo esse algo é descoberto, acha-se inacreditável que possa ter sido ignorado. Há um duplo preconceito que atua sempre ameaçando o novo: a crença cristalizada naquilo que já se encontra estabelecido e a tendência em inserir o novo (privando-o de seu caráter de novidade) dentro de um esquema já prefigurado. Se, antes da introdução da seda, tivesse sido imaginada a existência de um fio diferente do algodão e da lã e a mais suave, brilhante e resistente, quem teria sido capaz de pensar numa taturana ou num verme ?”.[1]

Albert Einstein trabalhou de 1902 a 1909 no escritório de patentes suíço como examinador de patentes. Em 1905 publicou os três artigos na revista Annalen der Physik que revolucionariam a física: sobre o efeito fotoelétrico aplicando a teoria dos quanta de Plank (pelo qual receberia o Prêmio Nobel, nos anos 1920); sobre o movimento browniano que comprovaria a existência dos átomos e sobre a relatividade especial que redefiniria os conceitos de espaço e tempo e estabeleceria a relação entre massa e energia. Einstein, ao contrário do que se poderia imaginar não considerava seu trabalho como examinador de patentes maçante: “gosto de meu trabalho no escritório, pois é inesperadamente diversificado”.[2] O período que Einstein trabalhou no escritório suíço foi particularmente marcado por forte pressão dos EUA, Inglaterra, Alemanha e Áustria-Hungria para que a Suíça emendasse sua lei de patentes para estender a proteção patentária aos processos químicos.[3] O questionamento das descrições dos inventores nos pedidos de patente reforçou traços em sua personalidade que favoreceram seu sucesso como cientista. Infelizmente, como regra, todos os pareceres dos examinadores eram destruídos após dezoito anos, e assim, mesmo já um famoso cientista, seus pareceres no escritório de patentes foram destruídos nos anos 1920.

Nos Estados Unidos críticos apontam que o sistema de pontuação da produção dos examinadores, ao conferir o mesmo peso para deferimentos ou indeferimentos, tem uma tendência para estimular os deferimentos que exigem menos tempo de exame e menos etapas de exame.[4] As Autoridades de Busca e Exame do PCT mantêm informes regulares sobre as medidas tomadas em cada escritório para monitorar e aumentar a qualidade do exame de suas buscas e exames. [5] A dificuldade dos examinadores em se manterem tecnologicamente atualizados é um fator que pode impactar nas decisões. Ao avaliar a ação dos juízes da Suprema Corte nos Estados Unidos, Keith Kirkptrick observa que a média de idade de 70 anos dos juízes que julgam casos em tecnologias complexas como telecomunicações tem dado evidências da falta de familiaridade com o uso destas tecnologias o que faz com que as decisões sejam pouco ambiciosas em estabelecer regras de longo alcance. Segundo Mary Rose Papendrea “estas opiniões revelam que a Suprema Corte é muitas vezes cautelosa diante de desenvolvimentos tecnológicos, não somente porque os juízes não entendem de tais assuntos, mas porque eles não se acham confiantes que possam prever o futuro da tecnologia e o desenvolvimento de normas sociais que cercam este desenvolvimento”.[6] É razoável supor que tais fatores tenham influência não somente na decisão de juízes como também de examinadores de patentes.

No Brasil uma pesquisa sobre os serviços do INPI realizada pelo IBOPE e divulgada pela Câmara Americana de Comércio (Amcham Brasil) mostra que em 2011 57% dos usuários, contra 72% em 2010 e 61% em 2009 indica que na área de patentes os critérios de análise entre um técnico e outro variaram “frequentemente” ou “sempre”. Houve retrocesso também quanto à clareza e à objetividade dos critérios e parâmetros de decisão. Enquanto em 2009 64% consideravam as tomadas de decisão frequentemente ou sempre precisas, em 2010, esse índice caiu para 57% e em 2011 nova queda para 51%.[7] Estas perguntas não constam da avaliação de 2014.[8] Nesta última pesquisa 64 % dos entrevistados concordam que o INPI deixa claro seu posicionamento junto a acordos internacionais vigentes e 54% concorda que os critérios e parâmetros do INPI são coerentes com padrões internacionais.[9]

Ana Célia Castro [10] analisa os exames do INPI no Brasil, INDECOPI no Peru e IMPI no México e conclui que os procedimentos de exame adotados dependem muito da cultura institucional do escritório de patentes e de sua orientação política. Para a autora os cursos realizados por examinadores do INPI em política e economia em conjunto com o Instituto de Economia da UFRJ teriam tido um efeito positivo na qualidade de exame destes examinadores, porém não é apresentado nenhuma evidência empírica para esta afirmação, uma vez que tais cursos não abordam o exame de mérito, mas os aspectos econômicos, políticos e sociais das patentes. Ana Célia Castro destaca as observações de Peter Drahos: “os escritórios de patentes possuem um tremendo poder de fato sobre a interpretação de padrões de exame em patentes ao tentar estabelecer rotinas práticas para aplicação de tais padrões no dia a dia”.[11] Carolyn Deere[12] destaca que nos países em desenvolvimento a grande parte da expertise em PI se concentra nos escritórios de patentes, que, por outro lado, têm pouca prática em questões de políticas públicas mais amplas, tendendo a adotar um discurso que reforça o papel da PI como uma questão técnica.

Um estudo realizado por Iain M. Cockburn, Samuel Kortum e Scott Stern com examinadores do UPSTO com base em pareceres publicados entre 1997 e 2000, mostra que não há evidências de que o tempo de experiência do examinador tenha alguma relação com o fato da Corte de Recursos do Federal Circuit (Court of Appeals for the Federal Circuit, CAFC) declarar a patente inválida após a concessão. Examinadores mais “generosos” que concedem patentes mais amplas, têm uma maior tendência em ter suas patentes rejeitadas na CAFC.[13] Lichtman encontra variações significativas entre examinadores em termos de frequência com que são solicitadas emendas no quadro reivindicatório. [14] Mark Lemley e Bhaven Sampat em estudo com cerca de 10 mil pedidos depositados em janeiro de 2001 no USPTO chegam a conclusão que examinadores com mais de 5 anos de experiência em relação aos examinadores com apenas 2 a 4 anos de experiência tem (i) taxas de concessão 11 pontos percentuais superiores, (ii) citam menos documentos do estado da técnica, (iii) possuem menos rejeições em primeiro exame (mais concessões em primeiro exame) o que sugere que os examinadores com menos tempo de experiência são mais exigentes no exame de patente. Com relação aos pedidos que foram concedidos na EPO o estudo não mostra diferença significativa entre examinadores mais e menos experientes no que diz respeito a taxa de concessão no USPTO, no entanto se tomarmos os pedidos rejeitados na EPO os examinadores mais experientes no USPTO tendem a ter uma taxa de concessão maior. Tomando-se o conjunto total de dados dos 2180 pedidos concedidos no USPTO 1143 foram concedidos na EPO (52%) ao passo que dos 1271 pedidos concedidos na EPO um total de 1143 acabaram concedidos no USPTO (89%) o que mostra que o exame na EPO é mais rigoroso. Entre as razões apontadas para a maior taxa de concessão entre examinadores mais experientes encontram-se o fato destes estarem menos familiarizados com as técnicas mais recentes e, portanto, estão mais propensos a deferir os pedidos. Um segundo motivo é que os examinadores mais experientes têm menos tempo para exame pois devem apresentar mais exames na produção.[15] No USPTO o examinador em média dispende 16-18 horas para o exame de uma patente. [16] Stephen Kunin observa que se em 2005 eram citadas em média 22 documentos no exame do USPTO este número subiu para 48 em 2014 o que mostra “não é factível imaginar que um examinador possa fazer uma revisão aprofundada de quase 50 documentos por patente em um intervalo de 16-17 horas em que ele pode gastar por patente”.[17] Adam Jaffe e Josh Lerner sugerem que uma abordagem rígida no exame por parte do USPTO pode desestimular os inventores e reduzir o número de depósitos e por consequência a arrecadação, de modo que isto incentiva os examinadores a serem mais flexíveis no exame.[18]

Shine Tu[19] mostra que os examinadores do USPTO que concedem mais patentes não apresentam taxas de litígio maiores que as dos demais examinadores. O estudo analisa cerca de 1,7 milhões de patentes concedidas entre 2001 e 2012 e cerca de 12 mil patentes com litígio encerrado entre 2010 e 2011 não somente do Federal Circuit, mas de Cortes Distritais, portanto, muitos casos não possuem decisão final após recurso. O número médio de patentes concedidas por ano para cada examinador é calculado dividindo-se o total de patentes concedidas por cada examinador por ano dividido pelo tempo em anos como examinador no USPTO. Examinadores com três a cinco anos de experiência e com uma produtividade de 45 a 60 patentes concedidas por ano, possuem uma taxa de litígio maior do que a esperada. Examinadores com mais patentes concedidas por ano (com mais de 80 patentes concedidas por ano), portanto, com menos tempo gasto em cada exame, apresentam proporcionalmente uma quantidade menor de patentes em litígio.

Este equilíbrio e harmonização entre os examinadores e as diferentes instâncias de exame é fundamental para a qualidade do exame. Paul Burke e Markus Reitzig analisaram os exames da EPO em biotecnologia entre 1978 e 1987, na época do surgimento desta tecnologia, e observaram diferenças nos critérios de avaliação entre o primeiro exame e a fase de nulidade. Segundo os autores, os dados mostram uma divergência de rigor entre os examinadores e as divisões de oposição que julgam casos de nulidade, ou seja, estas duas instâncias julgariam informações idênticas de forma diferenciada, o que é indesejável.[20]

Gregory Mandel propõe como uma forma de reduzir a subjetividade do examinador da análise de não obviedade que se estabeleça uma correlação com a probabilidade do técnico no assunto em atingir a solução proposta. Desta forma, avanços técnicos mais prováveis de ocorrer são geralmente óbvios, enquanto que os avanços muito improváveis de ocorrer são geralmente não óbvios: “todos os demais fatores mantidos iguais, uma invenção que tem setenta e cinco por cento de chances de ser alcançada é mais óbvia do que outra invenção que é apenas vinte e cinco por cento provável”. Esta abordagem leva em conta que, na prática, conhecimentos do estado da técnica, mas que são improváveis do técnico no assunto conhecer (como uma tese armazenada de forma não digitalizada em uma biblioteca de outro país em um idioma estrangeiro pouco conhecido) não serão usados na análise de atividade inventiva. As evidências secundárias de atividade inventiva como superação de preconceito e solução de uma necessidade de longa data continuarão tendo peso na mesma decisão, pois estas têm impacto na probabilidade de solução. A existência de soluções simultâneas por terceiros constituirá um fator adicional para reforçar o argumento de alta probabilidade de se chegar na invenção. Mark Lemley, contudo, observa que o Federal Circuit tem se mostrado inconclusivo se a existência de desenvolvimento simultâneos pode ser usado como prova de obviedade[21]. Gregory Mandel observa que a proposta atende a sugestão da Suprema Corte em KSR de se adotar uma análise “expansiva e flexível” ao invés de uma análise “formalista”. Ainda que um limiar preciso de probabilidade não seja recomendável, de qualquer forma o critério, segundo Gregory Mandel irá contribuir para redução da incerteza na análise de não obviedade. Toda a análise fica, portanto, centrada na decisão do técnico no assunto quando colocado diante do mesmo problema técnico. Michael Meurer e Katherine Strandburg[22] questionam que a proposta de Gregory Mandel não reduz o problema de hindsight: para avaliar a proporção dos técnicos no assunto que resolveriam o mesmo problema técnico usando a solução reivindicada dificilmente o técnico no assunto iria fazer uma análise isenta uma vez que ele já conhece a solução.



[1] ROSSI, Paolo. Francis Bacon: da magia à ciência. Curitiba:Ed. UFPR, 2006, p.27
[2] ISAACSON, Walter. Einstein, sua vida, seu universo, São Paulo: Cia. Das Letras, 2007. p. 96
[3] TRAINER, Matthew. Albert Einstein’s patents. World Patent Information, v.28, p. 164, 2006
[4] MERGES, Robert. As Many as Six Impossible Patents Before Breakfast: Property Rights For Business Concepts and Patent System Reform, 14 BERKELEY TECH. L.J. 577 (1999). LEMLEY, Mark. Rational Ignorance at the Patent Office, 2000 THE BERKELEY LAW & ECONOMICS WORKING PAPERS 2, Article 5, at n.3 (2001).; KESAN, Jay. Carrots and sticks to create a better patent system,v.17 Berkeley Tech Law Jornal, 2001, p.765-766
[5] http://www.wipo.int/pct/en/quality/authorities.html
[6] KIRKPATRICK, Keith. Technology confounds the courts. Communications of the ACM, maio 2014, v.57, n.5, p.27-29; PAPANDREA, Mary-Rose. Moving beyond cameras in the courtroom: technology, the media and the Supreme Court, 2012, BYU Law Review, 1901 (2012) http://digitalcommons.law.byu.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2697&context=lawreview
[7]Pesquisa Amcham/Ibope: em 2010, cresce percepção positiva do empresariado sobre INPI http: //www.amcham.com.br/regionais/amcham-sao-paulo/noticias/2010/pesquisa-amcham-ibope-em-2010-cresce-percepcao-positiva-do-empresariado-sobre-inpi/?searchterm=Amcham/Ibope
[8] http://estatico.amcham.com.br/arquivos/2016/inpi-rediagramacao-30052016.pdf
[9] http://www.amcham.com.br/o-que-fazemos/estudos-publicacoes-e-pesquisas/relatorios-inpi
[10] CASTRO, Ana Célia; PACÓN, Ana maria; DESIDERIO, Mônica. Varieties of Latin-American Patent Offices: Comparative Study of Practices and Procedures, In, BURLAMAQUI, Leonardo; CASTRO, Ana Célia; KATTEL, Rainer. Knowledge Governance: Anthem Politics and International Relations, outubro 2012, cap. 7, http://cors.edubit.com.br/files/30.pdf
[11] DRAHOS, Peter. The global governance of knowledge: patent offices and their clients. Cambridge University, 2010, p.51
[12] DEERE, Carolyn. The politics of intelllectual property reform in developing coountries: the relevance of the WIPO. In: In; NETANEL, Neil Weinstock. The development agenda: global intellectual property and developing countries. Oxford, 2009,p.115
[13]COCKBURN, Iain; KORTUM, Samuel; STERN, Scott. Are All Patent Examiners Equal? The Impact of Examiner Characteristics. NBER Working Paper No. 8980 jun.2002. http: //www.nber.org/papers/w8980
[14] LICHTMAN, Douglas. Rethinking prosecution history estoppel. Chicago Law Review, 2004, v.71, n.1, p.151-182.
[15] LEMLEY, Mark; SAMPAT, Bhaven. Examiner characteristics and patent office outcomes, The Review of Economics and Statistics, 2012, v.94, n.3, http://ssrn.com/abstract=1329091
[16] XUE, Wen. Obviousness guidance at the PTO. Journal of intellectual property and entertainment law, New York University, v.5, n.2, 2016, p.318; THOMAS, John. Collusion and collective action in the patente system: a propossal for patente bounties, 2001, University of Illinois Law Review, v.305, 2001
[17] QUINN, Gene. High Value Patents – Where Strength Meets Quality, 2014 http://www.ipwatchdog.com/2014/12/11/high-value-patents-where-strength-meets-quality/id=52569/
[18] JAFFE, Adam; LERNER, Josh. Innovation and its discontents, Princeton Univerty Press, 2004, p. 2468/5128 (kindle edition); XUE, Wen. Obviousness guidance at the PTO. Journal of intellectual property and entertainment law, New York University, v.5, n.2, 2016, p.320
[19] TU, Shine. Patent Examination and Litigation Outcomes, Stanford Technology Law Review, v.17, 2014, p.507-548 http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2458140
[20]            BURKE, Paul; REITZIG, Paul. Measuring patent assessment quality – analysing the degree and kind of (in)consistency in patent offices’ decision making. Research Policy, 2007, v.36, p. 1425
[21] Hybritech v. Monoclonal Antibodies 802 F.2d 1367 (Fed. Cir. 1986) DURIE, Daralyn; LEMLEY, Mark, A realist approach to the obviousness of inventions, 2011, p.16 http://ssrn.com/abstract=1133169
[22] MEURER, Michael; STRANDBURG, Katherine. Patent carrrots and sticks: a model of nonobviousness, 2008, p.571

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