quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Mailbox na Índia

Uma vez que o artigo 70.8 de TRIPs previa o mailbox, ou seja, pedidos de produtos farmacêuticos depositados após 01/01/1995 e antes da entrada em vigor da LPI não poderiam ser indeferidos, mas deveriam aguardar a entrada em vigor das novas regras no país Membro, para posterior análise já sob a Lei nova, o Brasil entendeu que adiar a aplicação de TRIPs não traria vantagens, ao contrário, traria desvantagem ao INPI na medida em que este se veria obrigado a analisar após alguns anos, uma série de pedidos represados pelo mailbox. Segundo TRIPs o país membro deveria prever direitos exclusivos de comercialização (EMR) durante o período que se estende de 1 de janeiro de 1995 até a entrada em vigor de TRIPs no país. Philip Grubb observa que este mecanismo pouco foi usado na prática. Na Índia, até final de 2003 apenas três EMRs foram concedidos, sendo dois para empresas indianas e o terceiro para a empresa indiana Novartis para o medicamento usado contra o câncer Glivec que mais tarde foi anulada após julgamento da Suprema Corte da Índia em 2013.[1] 

Peter Drahos observa que entre 1 de janeiro de 1995 e 15 de fevereiro de 1997, quando as regras do mecanismo de mailbox não estavam claras, ainda assim a Índia recebeu um total de 1339 pedidos de patentes  de medicamento e produtos agrícolas. [2]No caso brasileiro, segundo Denis Barbosa não houve a criação, no direito interno, de um mecanismo correspondente aos direitos exclusivos de comercialização. Com base em dois painéis da India (WT/DS50/AB/R de 19 de dezembro de 1997) e um do Canadá (OMC WT/DS 170/AB/R de 18 de setembro de 2000), Denis Barbosa conclui: “Não há efeito direto e automático dos art. 70.8 (mailbox) e 70.9 (Direitos Exclusivos de Comercialização)”. Ademais segundo Denis Barbosa não há órgão competente para a emissão de tais direitos: “O INPI não o tem, nem o tem a ANVISA”.[3]

A Índia foi alvo de painel dos Estados Unidos no âmbito de TRIPs em 1996 pela não previsão do mailbox em sua legislação, contrariando o Artigo 70(8) do Acordo, ou que pelo menos este dispositivo não estava previsto de forma suficientemente transparente como instrui o Artigo 63 de TRIPS. Ao final a Índia apresentou emendas em sua legislação adequando-se ao previsto em TRIPs.[4] Cerca de 9 mil de pedidos de patentes foram depositados pelo mailbox na Índia entre 1995 e 2005. A legislação indiana prevê que caso estes pedidos de patentes sejam deferidos, as indústrias de genéricos que utilizaram estas tecnologias antes de 2005 e comprovem “substanciais investimentos”[5]não terão de pagar qualquer indenização aos titulares das patentes para este período de exploração. Porém, para continuarem explorando tais tecnologias após 2005 tais empresas de genéricos terão necessariamente de obter uma licença dos titulares ou formalizar um pedido de licença compulsória ao escritório de patentes indiano, caso contrário, terão de cessar a exploração.[6] As patentes mailbox na Índia, portanto, não conferem os mesmos direitos de uma patente comum. O titular de uma patente mailbox pode recompor apenas “royalties razoáveis” contra empresas que usaram sua invenção antes de 1 de janeiro de 2005 conforme o Indian Patent Act (2005) § 11 A(7). Segundo Cynthia Ho este mecanismo constitui uma licença compulsória de facto e questiona se isto poderia se enquadrar nas exceções de TRIPs ou se constitui uma discriminação com base na tecnologia.[7]

Em março de 2012 o Controller do escritório de patentes indiano concedeu licença compulsória da patente IN215758 para o fabricante de genéricos indiano Natco Pharma Ltd. para fabricar um medicamento patenteado pela Bayer e usado no tratamento de câncer, conhecido como Naxavar, usado no tratamento de doenças renais, sob a alegação que o titular não oferecia o medicamento a um preço razoável no mercado indiano e que não fabricava o produto localmente. [8] O Tribunal local indiano ponderou que o medicamento era oferecido pela titular ao custo de 79 mil dólares ao ano, ao passo que a empresa de genéricos oferecia o mesmo medicamento ao custo de 117 dólares ao ano. Com o preço praticado pela Bayer apenas 2% da população indiana com câncer renal tinha acesso ao produto.[9]



[1] GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.44
[2] DRAHOS, Peter. The global governance of knowledge: patent offices and their clients. Cambrige University Press:United Kingdom, 2010, p.208
[3] Notas INPI/PROC/CJCONS/no. 114/07, de 18/4/07, no Process o 52400.000591/07 e 128/07, de 27/4/07, esta referente à Patente 9710372-1, cf. BARBOSA, DENIS. Direitos exclusivos de comercialização: um instituto inexistente no direito brasileiro, outubro 2007, http://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/propriedade/emr.pdf
[4] WTO WT/DS50/R 5 September 1997 http://www.worldtradelaw.net/reports/wtopanelsfull/india-patents(panel)(us)(full).pdf
[5] HO, Cynthia. Current controversies concerning patent rights and public health in a world of international norms. In: TAKENAKA, Toshiko. Patent law and theory: a handbook of contemporary research,Cheltenham:Edward Elgar, 2008, p.696
[6] Médicos sem Fronteiras. Will the lifeline of affordable medicines for poor countries be cut? Consequences of medicines patenting in India, 2005, p.4 http://www.who.int/hiv/amds/MSFopinion.pdf
[7] HO, Cynthia. Current controversies concerning patent rights and public health in a world of international norms. In: TAKENAKA, Toshiko. Patent law and theory: a handbook of contemporary research,Cheltenham:Edward Elgar, 2008, p.685
[8] Natco Pharma obtains compulsory licence to manufacture Bayer’s patented ‘Naxavar’ anti-cancer drug, 30/03/2012 http://www.lexology.com/library/detail.aspx?g=d1987bc4-1065-4105-aac2-22a12b2a6635 NOONAN, Kevin. The anatomy of a compulsory licence: natco Pharma Ltd. V. Bayer Corp (Indian Patent Office) 15/03/2012 http://www.patentdocs.org/2012/03/the-anatomy-of-a-compulsory-license-natco-pharma-ltd-v-bayer-corp-indian-patent-office.html
[9] BARBOSA, Pedro Marcos Nunes. Direito Civil da propriedade intelectual: o caso da usucapião de patentes. Rio de Janeiro, Lumen Juris,2012, p.131

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