quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Brasil v. EUA e o caso do algodão na OMC

O Brasil exigiu em março de 2009, US$ 2,5 bilhões aos Estados Unidos em compensação pela perda dos produtores brasileiros por causa dos subsídios ao setor do algodão concedidas por Washington a seus próprios agricultores, consideradas ilegais em várias ocasiões pela OMC [1]. Segundo Joseph Stiglitz os subsídios ao algodão beneficiam 25 mil fazendeiros ricos dos Estados Unidos à custa de mais de 10 milhões de agricultores pobres do mundo em desenvolvimento[2].

A OMC anunciou (Painel DS267) em setembro de 2009 que o Brasil poderá aplicar sanções contra os Estados Unidos por causa dos subsídios que o governo americano concede a seus produtores de algodão. Os árbitros da disputa avaliam que as retaliações podem alcançar US$ 294,7 milhões, quantia calculada com base nas exportações americanas de 2006. A OMC autorizou o Brasil a aplicar retaliação cruzada, tais como licenciamento compulsório de patentes de empresas norte-americanas, se o valor ultrapassar os US$ 409,7 milhões [3].

As medidas de retaliação poderiam ter como alvo, por exemplo, a suspensão da aceitação de depósitos de pedidos de patentes ou de modelos de utilidade das empresas e nacionais do país alvo da medida, durante o tempo da não implementação das regras comerciais objeto do litígio, ou ainda da “concessão de licenciamento compulsório de modo, digamos, mais “generoso”, ou seja, menos burocrático”.

A Medida Provisória 482 de 10/02/2010, Seção 1 página 1 e 2, Diário Oficial, 11/02/2009, dispõe sobre medidas de suspensão de concessões ou outras obrigações do País relativas aos direitos de propriedade intelectual e outros nos casos de descumprimento de obrigações do Acordo Constitutivo da OMC. O Senado Federal aprovou em 10/06/2010, o Projeto de Lei de Conversão nº 6, relativo à Medida Provisória nº 482 de 2010 [4].

Entre as medidas de retaliação encontram-se bloqueio temporário de remessas de royalties, majoração dos valores praticados pelos órgãos de registro de direitos de propriedade intelectual, suspensão do direito do titular de impedir a importação do produto protegido, licenças compulsórias, redução do prazo de proteção para pedidos de patente em andamento, entre outras medidas (Artigo 6). A aplicação das medidas previstas nesta Medida Provisória não implica qualquer tipo de remuneração ou compensação relativa ao exercício de direitos por terceiros, ressalvados os casos de licenciamento ou uso público não comercial remunerados sem autorização do titular. A Resolução CAMEX nº 15/2010 estabelece a lista de bens cuja importação dos Estados Unidos pode ser onerada tendo em vista a retaliação do caso algodão[5]. A Resolução CAMEX nº 16/2010 disponibiliza as informações sobre a consulta pública da retaliação aos EUA em serviços e propriedade intelectual[6].

A retaliação cruzada em propriedade industrial encontra críticas de analistas que entendem que a medida poderia iniciar uma guerra comercial entre os dois países com práticas retaliatórias. Segundo tais críticos, no âmbito das regras da OMC, a adoção de medidas contra-retaliatórias não encontra respaldo. Caso eventuais medidas contra-retaliatórias sejam adotadas, as mesmas poderiam ser questionadas no âmbito da OMC.

      O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) informou em abril de 2010 que cancelará todas as garantias de crédito à exportação agrícola que não foram utilizadas pelo programa GSM-102, para reintroduzi-las depois com taxas de juros diferentes, ou seja, menos generosas para os exportadores americanos. A medida atende ao compromisso que Washington assumiu com o Brasil para evitar retaliação de US$ 820 milhões no contencioso do algodão [7] . Em 2012 a percepção brasileira foi a de que os subsídios seguiram acima dos limites tolerados no acordo e não houve progresso em relação à compra de carne suína brasileira pelos Estados Unidos. O único progresso foi o repasse anual pelo Tesouro dos Estados Unidos de US$ 147,3 milhões para o fundo de desenvolvimento da cotonicultura nacional.[8] O acordo estabeleceu a Corporação de Conservação da Commodity (CCC), órgão sediado nos EUA que deveria realizar pagamentos anuais de US$ 147 milhões ao Instituto Brasileiro do Algodão. Este valor seria repassado aos cotonicultores brasileiros, na forma de um fundo de assistência técnica. Na prática, Washington passaria a subsidiar os agricultores brasileiros, a fim de manter o apoio aos próprios produtores. Os pagamentos seriam feitos até a revisão da Lei Agrícola dos EUA, diploma legal que define os subsídios concedidos à agricultura no país. [9] 

       No entanto em janeiro de 2014 o Brasil voltou a ameaçar os Estados Unidos com aplicação de retaliação cruzada incluindo uma ampla variedade de produtos importados norte americanos e bens de propriedade intelectual. A indenização autorizada pela OMC foi de US$ 820 milhões, porém os Estados Unidos suspenderam tais pagamentos em outubro de 2013 alegando dificuldades orçamentárias.[10] Em outubro de 2014 foi anunciado pelos ministros das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, e da Agricultura, Neri Geller a assinatura de um memorando de entendimento entre Brasil e Estados Unidos que prevê a alteração dos critérios de concessão de garantias na política de crédito à exportação norte-americana, beneficiando desta forma além da cotonicultura, a produção brasileira de outros grãos, como soja e milho. O acordo prevê ainda o pagamento de US$ 300 milhões ao Instituto Brasileiro do Algodão (IBA), que já recebeu cerca de US$ 505 milhões dos americanos a título de compensação por subsídios indevidos segundo a OMC. Em contrapartida, o Brasil não vai questionar mais a política de subsídios ao algodão pelos EUA até 2018, prazo de vigência da atual Lei Agrícola americana, que alterou os programas de subsídios excessivos. [11] Um estudo do ICTSD estima que os preços do algodão teriam subido sobre a média de preços entre 1998 e 2007 caso os Estados Unidos tivessem cortado os subsídios a seus agricultores condenados pela OMC na disputa contra o Brasil.

Fonte: OMC [13]

Ha Joon Chang mostra que a maior parte dos subsídios agrícolas dos países ricos incide sobre produtos temperados (trigo, carne, laticínios) que fazem parte da pauta de exportação de apenas alguns países em desenvolvimento, entre os quais Brasil e Argentina. Uma grande parte dos países pobres importam produtos altamente subsidiados dos países ricos, de forma que o fim de tais subsídios significaria paradoxalmente um maior gasto com importações por parte dos países pobres. O fim de tais subsídios agrícolas possui um efeito bem mais seletivo do que se tem anunciado [13]. Joseph Stiglitz nota que o algodão é uma exceção, pois como o custo da matéria prima representa uma fração pequena do valor da roupa, o fim dos subsídios ao algodão dos países ricos teria efeito muito mais significativo aos produtores que aos consumidores: “Esta é uma razão da forte campanha atual dos países em desenvolvimento pela eliminação dos subsídios do algodão” [14]. Nos anos pós guerra o algodão se tornara o principal produto de exportação do Paraguai até que a concorrência ruinosa do algodão norte americano fez com a produção paraguaia se reduzisse desde 1952 à metade nos anos 1970. Mesmo o algodão exportado pela América Latina em países como México e Brasil são comercializados por empresas norte americanas como Sanbra e Anderson Clayton [15].



[1] OMC adia decisão para autorizar sanção do Brasil aos EUA por algodão,
        http: //economia.uol.com.br/ultnot/efe/2009/06/30/ult1767u148070.jhtm.
[2] STIGLITZ, Joseph. Globalização como dar certo. São Paulo: Cia das Letras, 2007. p. 33, 170.
[3] NAPI, Karina. Brasil deve pedir quebra de patentes para retaliar os EUA.
        http: //www.alanac.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3825&catid=: clipping.
[4] http: //www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=97228.
[5] http: //www.mdic.gov.br/arquivos/dwnl_1268063292.pdf.
[6] http: //www.mdic. gov.br/sitio/ interna/noticia. php?area= 1&noticia=9655.
[7] EUA cancelam créditos à exportação para cumprir etapa de acordo.
        http: //www.brasilagro.com.br/index.php?noticias/detalhes/9/26457.
[8] ARDISSONE, Carlos Maurício. Propriedade intelectual e relações internacionais nos governos Lula e FHC. Curitiba:Appris, 2013, p.284
[9] http://ictsd.org/i/news/pontesquinzenal/101660/
[10] FOX, ARENT. Brazil threatens trade retaliation against US exports and IP rights in long-standing Cotton Case16/01/2014 http://www.lexology.com
[11] http://oglobo.globo.com/economia/acordo-vai-beneficiar-tambem-soja-milho-brasileiros-14106301
[12] http://en.wikipedia.org/wiki/Brazil%E2%80%93United_States_cotton_dispute
[13] http://www.wto.org/english/news_e/news14_e/cdac_20jun14_e.htm
[14] CHANG.op. cit. p. 76.
[15] STIGLITZ, Joseph. Globalização como dar certo. São Paulo: Cia das Letras, 2007. p. 172.

[16] GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990, p. 107; MIRROW, Kurt Rudolf. A ditadura dos cartéis. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1978, p. 130

Nenhum comentário:

Postar um comentário