sábado, 4 de fevereiro de 2017

A responsabilidade sobre erros nas decisões do INPI

A LPI não dispõe de nenhum artigo específico sobre a questão da responsabilidade sobre erros na concessão de patentes por parte do INPI. Pelo artigo 46 da LPI é nula a patente concedida contrariando as disposições da LPI. A Lei 5772/71 em seu artigo 21 observa que a carta patente deva conter uma ressalva quanto a responsabilidade do Governo quanto à novidade e à utilidade. A Constituição Federal em seu artigo 37 § 6o fixa a responsabilidade dos entes estatais pelos atos de seus agentes, causadores de danos a terceiros. A Constituição prevê, portanto, a responsabilidade dos entes estatais por seus atos e a Lei ordinária, que antes isentava o INPI, atualmente é silente.[1]
O examinador possui “fé pública” e não pode sofrer qualquer sanção da justiça, salvo se confirmado que tenha agido por dolo. Segundo Alimoar Baleeiro: "só os agentes do Estado são revestidos da competência de imprimir fé pública a atos e documentos ou a certificar, para aceitação de todos, a legitimidade de coisas ou a observância de formalidades legais. É a própria missão fundamental do Estado que reside nesses serviços insuscetíveis de exercício, delegação ou concessão a particulares".
Em uma decisão[2] de 1930 do STF o juiz estabelece que nos casos de erro administrativo por parte do órgão de patentes “a responsabilidade civil do Estado pressupõe a culpa de seus representantes e prepostos pelos atos ou omissões donde houve danos as partes. Não basta para o reconhecimento da culpa a lesão do direito alheio, sendo necessário ainda que os atos possam ser imputados aos agentes em razão de dolo ou culpa”.
Em decisão da 5ª Vara Federal do Rio de Janeiro de 1983, o juiz Augustinho Silva julgou ação contra o INPI que teria concedido patente a terceiros indevidamente tendo em vista depósito realizado em data anterior pelo requerente da ação. Na ação o requerente pleiteia indenização ao INPI pelos danos causados por esta patente concedida indevidamente. O juiz conclui que o pedido de indenização deveria ser dirigido contra a firma titular da patente concedida face ao disposto no Artigo 34 do Decreto Lei 7903/45 assim como no artigo 21 da lei 5772/71 que ressalva, na expedição de uma patente os direitos de terceiros e a responsabilidade do Governo quanto à novidade e a utilidade da invenção. [3]
A Lei n° 8112, de 11 de dezembro de 1990 no artigo 117, inciso IX estabelece que ao servidor é proibido valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública. Neste caso o artigo 148 determina que o processo disciplinar é o instrumento destinado a apurar responsabilidade de servidor por contrafação praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido. A mesma Lei 8112 estabelece que no artigo 121 que o servidor responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições. O artigo 122 estabelece que a responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros[4]. Essas irregularidades, no âmbito estritamente administrativo, são apuradas pela via do processo disciplinar, no sentido amplo, através da sindicância e do inquérito administrativo. No entanto, em havendo indícios de existência de crime ou contravenção contra a administração pública, além da verificação e da sanção administrativa, a apuração e a punição decorrem de um processo pela via judicial, podendo este ser instaurado em paralelo à averiguação administrativa (artigo 154), ou em conseqüência do resultado do processo administrativo (artigo 171).
O crime de prevaricação, tipificado no código penal, é caracterizado por um elemento subjetivo: o interesse ou sentimento pessoal do funcionário público. "Prevaricação Artigo 319. Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de Lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal". Uma ação contra um examinador teria que apresentar evidências de dolo pessoal do examinador e não meramente por um erro técnico no parecer. No que tange à responsabilidade civil por erro da administração pública, entretanto, essa seria objetiva, nos termos do artigo 37, § 6º da Constituição de 1988, com base na teoria do risco administrativo, o que, em princípio, afastaria a aplicação da decisão de 1930 citada anteriormente. De todo modo, nesse caso, haveria a necessidade de o prejudicado demonstrar a existência do dano e seu nexo de causalidade com a suposta concessão de patente que contraria as disposições da LPI. Segundo o parecer PROC/DICONS 008/2002 de 11.03.2002 “para toda e qualquer notícia de irregularidade apresentada à administração, deverá a autoridade, que tiver ciência, iniciar imediato procedimento de apuração, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar conforme art 143 da Lei 8112/90”.
Ao protestar contra o indeferimento de seu pedido de patente um requerente entrou com ação[5] de procedimento ordinário contra o INPI alegando "capricho de alguns funcionários do INPI" que teriam indeferido a patente "sem qualquer justificativa plausível" A requerente denuncia "má fé" do INPI no caso. A juíza Flávia Heine Peixoto em decisão de 2006, considerou impertinentes tais argumentos, e que tais itens onde são apresentadas tais críticas sejam riscados da petição inicial, nos termos do art. 15/CPC.
Em outra ação de junho de 2009 [6] o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra dez pessoas físicas e duas pessoas jurídicas que teriam praticado, contribuído para a prática ou se beneficiado de atos de improbidade administrativa relacionados à exclusividade comercialização do produto docetaxel triidatrado, PI9508789 medicamento destinado ao tratamento de diversos tipos de câncer: “Do mesmo modo, entendo configurada a lesão aos cofres do Estado, eis que o principal adquirente do medicamento é o sistema público de saúde, obrigado, por força da exclusividade, a adquirir o produto sem licitação e, obviamente, por preços superiores ao que pagaria se houvesse concorrência entre fornecedores”. Com base no Artigo 70.9 (mailbox) de TRIPS[7] a AVENTIS obteve do INPI uma declaração de direitos exclusivos de comercialização sobre o pedido de patente do docetaxel. Este documento, contudo não possui o mesmo valor legal de uma carta patente concedida pelo INPI. O procurador da República Edson Abdon Filho, que assina a ação, pediu o afastamento dos servidores do INPI de suas funções até o fim do processo, devido às "graves improbidades praticadas com intuito de favorecer o enriquecimento ilícito da empresa de medicamentos". O juiz deferiu em parte o pedido de liminar, determinando a indisponibilidade dos bens dos réus, entre os quais examinadores de patentes do INPI.
A Portaria nº 408/2009 (Diário Oficial da União de 24-3-2009) estabelece que a AGU assume a defesa do servidor somente quando for solicitada e autorizada pelo mesmo. A Advocacia Geral da União – AGU decidiu disciplinar os procedimentos relativos à defesa judicial de servidores públicos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, da AGU e da Procuradoria-Geral Federal, incluindo dirigentes de autarquias e fundações públicas federais. A defesa judicial dos servidores está prevista nos artigos 131 da Constituição Federal e 22 da Lei 9028/95). A Portaria nº 408/2009 disciplina os procedimentos relativos à representação judicial dos agentes públicos de que trata o art. 22 da Lei no 9.028, de 12 de abril de 1995, pela Advocacia-Geral da União e Procuradoria-Geral Federal e estabelece que a AGU assume a defesa do servidor somente quando for solicitada e autorizada pelo mesmo, mediante o fornecimento de todos os documentos necessários ao conhecimento dos fatos, estritamente relativos ao exercício de suas atividades profissionais constitucionais, legais e regulamentares. Os documentos e procedimentos são detalhados na Portaria.[8]
Cm relação ao pagamento das custas judiciais em caso de nulidade de uma patente, ou seja, contatação de que o INPI errou em conceder a patente, em decisão do TRF2 : “No que diz com o apelo do INPI, que versa sobre a condenação da autarquia em honorários advocatícios, é de se considerar que a lei processual em vigor adota o princípio da sucumbência, em que a parte vencida arca com as despesas processuais pelo exercício do direito de ação. Não obstante o expresso reconhecimento do pedido pelo INPI, bem como os seus esforços administrativos no sentido de proceder à análise do pedido de patente do autor, a exclusão dos honorários, no caso em apreço, não se afigura razoável, porquanto incumbia à autarquia a verificação prévia da anterioridade do invento do autor. A falha da administração ensejou a propositura da presente ação, sendo que somente através da prestação jurisdicional logrou o autor a declaração da nulidade da patente da 2ª ré, como requerido. No que diz com a possibilidade de redução dos honorários, igualmente se mostra descabida, uma vez que a fixação dos ônus de sucumbência a 10% (dez por cento) do valor da causa, a serem rateados pelos réus, impõe ao INPI a condenação honorária em valor que se afigura razoável e consentâneo com os ditames do artigo 20, §4º, do Código de Processo Civil”.[9]
Em decisão do STJ (REsp 1258662 / PR) tratou da questão do erro/demora nas decisões do INPI sob questão marcária. Segundo a Corte “Na hipótese dos autos, alegou-se a inércia do INPI em relação ao processamento de pleito administrativo, pelo qual se pretendia a nulidade do registro marcário; inércia esta que resultou na judicialização da demanda. Tendo dado causa a propositura da demanda, o INPI foi  corretamente arrolado como réu, e o seu pronto reconhecimento do pedido impõe que arque com os honorários sucumbenciais, nos termos do art. 26 do CPC. Recurso especial de Angel Móveis Ltda. conhecido e desprovido. Recurso especial do Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI conhecido e parcialmente provido, apenas para isentá-lo do pagamento de custas processuais”.[10] Segundo Milton Lucídio Leão Barcellos[11]: "Faço uma breve reflexão sobre o STJ e a responsabilidade do INPI pelos seus atos comissivos e omissivos. O julgamento do Recurso Especial 1258662/PR reitera a possibilidade de responsabilização do INPI por omissão (demora no julgamento dos processos/recursos administrativos sob sua responsabilidade). Ora, muito se discute sobre a posição do INPI quando há uma ação de nulidade dos seus atos comissivos (concessão de marca, patente, desenho industrial, etc equivocadamente). Abstraindo-se desta discussão, está na hora de discutir a responsabilidade do INPI quando, por exemplo, erra e o erro era previsível dentro do procedimento interno. Explico, entendo que não se pode responsabilizar o INPI por uma nulidade de patente na qual a Autarquia Federal realizou a busca de anterioridades nos bancos de patentes acessíveis e previstos no procedimento interno, não existindo anterioridade nesses repositórios, vindo após um interessado comprovar a ausência de novidade ou de atividade inventiva daquela patente em processo judicial baseado em um documento que não era acessível ao INPI (por exemplo, uma publicação com data anterior ao pedido da patente disponível em revista internacional. Uma vez citada a Autarquia Federal, diante deste documento citado no exemplo, deve vir aos autos concordar com a procedência do pedido e, nesta situação, não deve ser responsabilizada (pois não era sua obrigação ter acesso prévio ao mesmo). No entanto, se vem aos autos oferecendo posição resistida, certamente deve ser responsabilizada pois teve a oportunidade processual de mostrar que cometeu um erro na concessão, mas que esse erro é um erro inerente à própria insegurança jurídica natural que permeia o sistema de patentes e não propriamente um erro comissivo na origem do ato administrativo (procedimento administrativo). Igualmente deve ser responsabilizada se, por exemplo, havia uma anterioridade no banco de patentes europeu (EPO), acessível via procedimento usual de buscas, e o mesmo não foi apontado pelo examinador de patentes, gerando a concessão equivocada (e aqui sim, com erro comissivo e vício do ato administrativo nulo). Seja por ação ou por omissão, deve-se analisar com cautela se há ou não responsabilidade da Autarquia Federal, de modo que o raciocínio exposto no julgamento do Recurso Especial citado (entre outros) deve ser compreendido para aferir a efetiva posição processual do INPI no caso concreto e se há ou não responsabilidade da Autarquia por sua ação ou omissão."



[1] Direito de patentes: condições legais de obtenção e nulidades, Jacques Labrunie, São Paulo:Manole, 2006, p.112
[2] Acórdão de 25.04.1930 in Archivo Judiciário, vol. 15, pag 14 e Revista de Direito, vol. 99, pag 90, apud Revista de Marcas e Patentes, DNPI, junho de 1933 p. 403
[3] 5ª Vara Federal Ação Sumaríssima, Proc. N.2810581 cf. SILVA, Agustinho, F.D. Patentes e Marcas na Justiça Federal. Rio de Janeiro:Livraria Freitas Bastos, 1992, p.13
[4] http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Leis/L8112cons.htm
[5] INPI-52400.004304/01 ORIGEM: TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO APELAÇÃO CÍVEL Nº 331033 ORIGEM:PROC. Nº2001.51.01.531698-3 RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO V. DE CARVALHO APELANTE: ELLI LILLY AND COMPANY APELADO: INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL - INPI
[6] TRF2, Processo n. 2009.51.01.013311-3 6006 - AÇÃO CIVIL PÚBLICA/IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ,autuado em 15/06/2009 - Consulta Realizada em 26/06/2009 às 10:43;AUTOR : MINISTERIO PUBLICO FEDERAL;PROCURADOR: EDSON ABDON PEIXOTO FILHO;REU : MARIA HERCILIA PAIM FORTES E OUTROS 01ª Vara Federal do Rio de Janeiro - MAURO SOUZA MARQUES DA COSTA BRAGA; Juiz - Decisão: ANA CRISTINA FERREIRA DE MIRANDA
[7] http://www.cgee.org.br/atividades/redirect.php?idProduto=2160 Artigo 70.9 TRIPS “Quando um produto for objeto de uma solicitação de patente num Membro, em conformidade com o parágrafo 8 (a), serão concedidos direitos exclusivos de comercialização não obstante as disposições da Parte VI acima, por um prazo de cinco anos, contados a partir da obtenção da aprovação de comercialização nesse Membro ou até que se conceda ou indefira uma patente de produto neste Membro se esse prazo for mais breve, desde que, posteriormente à data de entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC, uma solicitação de patente tenha sido apresentada e uma patente concedida para aquele produto em outro Membro e se tenha obtido a aprovação de comercialização naquele outro Membro”.
[8] http://www.afaiterj.org.br/index.php/noticias/887-agu-edita-portaria-sobre-defesa-de-servidores.pdf
[9] Origem: TRF-2 Classe: AC - APELAÇÃO CIVEL - 405837 Processo: 2003.51.01.503458-5 UF : RJ Orgão Julgador: PRIMEIRA TURMA ESPECIALIZADA Data Decisão: 11/11/2008 Documento: TRF-200199079 Fonte DJU - Data::19/12/2008 - Página::38  Relator: Desembargador Federal ALUISIO GONCALVES DE CASTRO MENDES 
[10] STJ, Recurso Especial Resp 1258662/PR (2011/0126633-8), Relator: Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, Julgamento: 02/02/2016
[11] Comentário no grupo patentescomentarios do facebook, 04/02/2017

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