terça-feira, 11 de março de 2014

A necessidade de código fonte nas patentes de software

Mark Lemley destaca que o problema real com as ditas “patentes de software” reside no fato de serem descritas em termos funcionais o que confere muitas vezes um escopo excessivamente amplo para a patente.[1] O autor sugere que embora possam ser reivindicadas em termos de sua funcionalidade, seu escopo deve ser limitado a implementação do algoritmo usado para se alcançar tais funcionalidades, ou seja, seria necessário o pedido de patente descrever as funcionalidades alcançadas em um nível menor de abstração, ainda que sem a necessidade de apresentar o código fonte específico efetivamente empregado.
Entre as primeiras patentes em termos funcionais aceitas pela Suprema Corte encontra-se Morley Sewing Machines v. Lancaster de 1889.[2] Joseph Root destaca que nos Estados Unidos decisões mais antigas da Suprema Corte expressamente vetavam a possibilidade de reivindicações definidas em termos das funcionalidades da invenção, por exemplo, em Holland Furniture Co. v. Perkins Glue Co.[3] de 1928. A reivindicação “uma cola compreendendo carbohidrato tornado semifluido pela digestão e tendo substancialmente as mesmas propriedades da cola animal” por não ser totalmente clara, concisa e exata em seus termos de modo a permitir um técnico no assunto sua implementação pois “o titular não pode reivindicar uma patente sobre o resultado ou a função de uma máquina que estenda sua patente para dispositivos ou mecanismos não descritos na patente”. A Corte aplica este raciocínio tanto para invenções mecânicas como para composições químicas. A Reivindicação 7 da patente US821393 dos  irmãos Wiright define o sistema de estabilização da aeronave em termos funcionais. O dispositivo usado pelos irmãos Wright que permitia executar tal função consistia numa corda que movia simultaneamente os dois lemes, porém o memso não foi reivindicado. Um aperfeiçoamento de Glenn Curtiss[4] permitiu o uso de um dispositivo distinto, os ailerons que possibilitavam o ajuste independente de cada leme, porém, este dispositivo incidia na reivindicação ampla da patente dos irmãos Wright e por isso foi interpretado como sendo uma contrafação de sua patente.[5]
Em Halliburton Oil Well Cementing Co. v. Walker[6] a Suprema Corte em 1946 analisou uma reivindicação em termos funcionais que tratava de aparelho para determinação de obstrução em dutos dotado de meios para criação de impulso de pressão no poço e meios para recepção de impulsos de pressão do dito poço e medição do lapso de tempo entre os impulsos. A Suprema Corte rejeitou a reivindicação por ser indefinida e muito ampla uma vez que muitos outros dispositivos, sejam eles elétricos ou mecânicos, poderiam ser idealizados para implementar as mesmas funções. O Congresso respondeu a esta decisão redigindo a Seção 112 § 6º [7] da lei aprovada em 1952 que expressamente permite reivindicações do tipo means plus function[8], porém sem proteger o resultado em si, mas tão somente os meios específicos utilizados (assim como seus equivalentes) para implementar tais funções. Em 1952 a seção 101 do Patent Act foi modificada de “art, machine, manufacture, or composition” para sua forma atual “any new and useful process, machine, manufacture, or composition of matter”, incluindo processos como matéria patenteável.
Joseph Root destaca que com a legislação de 1952 o que se seguiu após 40 anos foi uma “curiosa prática bipolar” revelando uma divergência de interpretação deste artigo entre o USPTO e a Corte CAFC se a reivindicação de meios mais funções deveria de interpretada de forma ampla ou restrita a implementação descrita no relatório da patente. O USPTO tendia a interpretar o 35 USC 112 § 6º como abrangendo estruturas equivalentes apenas para fins de aferição de contrafação, mas não para aferição de patenteabilidade sobre o estado da técnica.
Em 1992 LaBounty Manufacturing Inc. v. US ITC[9] o Federal Circuit concluiu que a reivindicação descreve uma máquina de corte de uma retroescavadeira, incluindo uma mandíbula inferior com uma lâmina de corte e duas lâminas guia para suportar o material a ser cortado. A anterioridade mostra uma máquina de corte similar em posição de cabeça para baixo com as duas lâminas inferiores na parte de cima e a lâmina única superior próxima ao nível do chão. Nesta posição invertida a requerente mostra que não seria possível equilibrar a peça a ser cortada. A Corte, contudo conclui que a anterioridade poderia ser usada contra a novidade da reivindicação uma vez que o uso mostrado pela anterioridade é irrelevante, desde que mostrado que a mesma poderia ser utilizada sem modificações para se atingir o uso proposto pela reivindicação: “A legislação autoriza a patenteabilidade de máquinas, mas não a de seus usos. Pelo que podemos entender o aparelho revelado na anterioridade poderia ser usado para o uso proposto sem qualquer modificação, exceto pela reversão dos acionadores, uma questão de operação da máquina”.[10]
Em 1994, em In re Donaldson [11]a patente descreve na forma de meios mais funções um meio responsivo a pressão capaz de movimentar matéria em partículas na direção descendente. O relatório descritivo menciona uma estrutura em forma de diafragma, que se flexiona com a pressão e capaz de executar esta função. O estado da técnica não apresenta nenhuma estrutura semelhante, porém foram encontrados documentos que realizam a mesma função descrita na reivindicação, de forma que o USPTO considerou a reivindicação como não atendendo o critério de não obviedade. O Federal Circuit considerou a reivindicação válida uma vez que uma reivindicação deve sempre ser lida em conjunto com o relatório descritivo e interpretada em conformidade com a estrutura nele descrita e seus equivalentes, da mesma forma que seria interpretada em um caso de contrafação.
Em 2001 Netword LLC v. Central Corp. [12] discute-se uma patente que trata da recuperação de informações em um sistema de computadores distribuído em rede. O relatório descritivo se refere ao uso de memória cache nos computadores servidores locais para se garantir o efeito de maior velocidade na troca de informações, porém esta característica não é apresentada nas reivindicações. A Corte, no entanto, conclui que esta característica fundamental para se atingir os objetivos da invenção, deve ser usada para se restringir o escopo das reivindicações.
Em 2008 Halliburton Energy Servs. v. M-I LLC[13] o Federal Circuit conclui que “embora decisões anteriores tenham concluído que não exista nada intrinsicamente errado em se utilizar uma linguagem funcional na reivindicação, deve ser observado que em alguns casos o uso de linguagem funcional pode não atingir uma indicação clara do escopo da matéria protegida pela reivindicação, e assim pode ser indefinida. Em Swinehart, 439 F.2d at 212-13 a Corte conclui que o termo ‘transparente’ era definido e suficientemente claro porque o relatório descritivo mostrava que uma quantidade substancial de radiação infravermelha sempre era transmitida, muito embora, o grau preciso de transparência pudesse variar dependendo de certos fatores”.
Em 2009 Blackboard Inc. v. Desire2Learn Inc[14] o Federal Circuit entendeu que uma reivindicação em termos funcionais que é apresentada no relatório como “caixa preta” sem a descrição de uma estrutura preferencial não deve ser aceita, ainda que o requerente alegue que a dita implementação da funcionalidade descrita seja considerada trivial para um técnico no assunto. Para o autor a doutrina tem interpretado as reivindicações de meios mais funções de modo similar a doutrina de equivalentes reversa: um documento que descreva a mesma função de forma literal pode não servir como anterioridade.[15]
Em 2012 no caso HTC Corp. v. IPCom GmbH[16] o Federal Circuit entendeu como válidas as reivindicações de aparelho da US6879830. A reivindicação trata de estação móvel para uso em uma rede incluindo uma primeira estação base e uma segunda estação base que realiza uma operação de transferência (handover) da primeira para segunda estação base que consiste no armazenamento de dados, estabelecimento de conexão e demais etapas. A discussão centrou-se em se determinar se a dita estação móvel era quem realizava as etapas descritas. Neste caso a reivindicação seria em um primeiro momento considerada como indefinida, como reivindicação híbrida (reivindicação de aparelho caracterizada pela etapas de um processo) segundo IPXL Holdings, LLC v. Amazon.com, Inc. (Fed. Cir. 2006). A Corte, contudo, entendeu que as etapas eram realizadas pela rede uma vez que as ditas etapas do método meramente descrevem o ambiente de rede em que a estação móvel deve ser usada. A Corte conclui que uma reivindicação de meios mais funções não é indefinida pelo fato do relatório descritivo revelar uma estrutura correspondente para realização da dita função.[17] Williams Mullen destaca que para evitar a ambigüidade melhor seria que a reivindicação tivesse sido escrita como estação móvel para uso em uma rede incluindo uma primeira estação base e uma segunda estação base em que a dita rede realiza uma operação de transferência e demais funções .[18]
Mark Lemley observa que embora a lei de 1952 tenha permitido reivindicações funcionais, a mesma restringe em muito o escopo de tais patentes aos meios específicos listados no relatório e seus equivalentes, e, portanto, não alcançam o escopo de proteção que se buscava na década de 1940 em Halliburton. Mark Lemley conclui que a redação da seção 112(f) embora tentando restaurar as reivindicações funcionais o fez de forma pouco atrativa, de modo que o requerente busca evitar o enqudramento de sua reivindicação na seção 112(f): “ao acrescentar um termo – computador, ao invés de meios para calcular - que é não somente necessário para qualquer implementação possível de uma patente de software mas também tão amplo, de modo a implicar em nenhuma limitação no escopo de sua reivindicação, tal situação [aceita pelas Cortes] escapa ao propósito da seção 112(f)” . Mark Lemley cita como exemplo uma reivindicação do tipo meios mais funções que pleiteia meios de processamento de dados, e que no relatório descritivo citam como meio um iPad. Neste caso o escopo da patente se restringiria aos equivalentes de um iPad, o que possivelmente incluiria um computador mas que talvez não incluísse uma calculadora, ábaco, papel e caneta ou mesmo o cérebro humano, uma vez que as Cortes tendem a não ter uma interpretação ampla da doutrina de equivalentes.[19] Com isto os requerentes tendem a evitar redigir suas patentes na forma de meios mais funções como meio de evitar uma restrição considerada indevida de seu escopo.
Denis Crouch estima que o percentual de pedidos que utilizam tais reivindicações (com a presença do termo “meios para”) tem declinado gradualmente de 24% em 2001 para cerca de 7% em 2013[20], assim ao invés de “meios para prender” os requerentes preferem utilizar “prendedor” como forma de escapar as restrições da seção 112(f) assim como o risco de ter sua patente invalidada por indefinição dos meios utilizados para alcançar tal funcionalidade. Joseph Root destaca que uma boa técnica de redação de uma reivindicação é se referir diretamente a “meios para” como forma de manifestar claramente a intenção de escrever uma reivindicação do tipo meios mais funções. Sempre que uma estrutura for incluída na reivindicação de forma suficiente para execução da função descrita, a mesma já não será interpretada como uma reivindicação de meios mais funções e desta forma já não pode se enquadrar no 35 US 112 § 6º . Joseph Root recomenda que é importante que ao menos uma estrutura para executar a função definida na reivindicação deve ser descrita no relatório, ainda que de forma sucinta, de modo a atender o critério de suficiência descritiva (enablement).
O Federal Circuit em decisões como York Prods Inc. v. Central Tractor Farm & Family[21] tem afirmado que a presença da expressão “meios para” é uma presunção de enquadramento na seção 112(f) ao passo que sua ausência cria uma presunção oposta. Robert Merges observa que nem toda referência a “meios para” necessariamente significa uma reivindicação de meios mais funções, ainda que a presença desta expreessão implique em uma presunção de que se trata de uma reivindicação  deste tipo. Robert Merges cita duas exceções a esta presunção: nos casos em que o que se segue a palavra “meios” não é tido como uma função, ou em que o que se segue de fato é uma função porém seguida de características estruturais detalhadas. Nestes casos a reivindicação não se enquadra na seção 112 § 6 que prevê a equivalência a outras estruturas de mesma função.[22]
Para Mark Lemley as reivindicações que citem elementos triviais de hardware como computador, memória, internet, monitor são reivindicações funcionais e não reivindicações definidas de forma estrutural. No entanto, não parece haver diferença significativa entre uma reivindicação da forma de “meios para calcular” tendo citado um computador de uso geral no relatório descritivo com sendo tal meio, ou ao invés disto ter escrito diretamente na reivindicação “computador para calcular”. O que Mark Lemley não considera é que, embora de fato apenas o primeiro caso incida diretamente na seção 112(f) a aplicação da doutrina de equivalentes nos dois casos é idêntica, para todos os efeitos.
Reivindicações na sua forma funcional tem sido adotadas especialmente em patentes implementadas por software. Em biotecnologia, embora usadas, as Cortes tem exigido que as mesas estejam sempre vinculadas a uma restrição estrutural, caso contrário, são rejeitadas.[23] Em Regents of University of Califórnia v. Eli Lilly[24] a Corte rejeita reivindicações em termos funcionais “porque as mesmas não distinguem o gênero reivindicado de outros tipo, exceto pela sua funcionalidade. O pedido não define especificamente qualquer gene que esteja dentro de seu escopo reivindicado ... Trata-se apenas de uma definição de um resultado útil a ser alcançado ao invés de uma definição daquilo que permite alcançar tal resultado”. No entanto, Mark Lemley desconsidera que no caso de invenções implementadas por software a invenção em geral reside no método, e neste caso, uma vez delimitado adequadamente o escopo da patente em termos de sua funcionalidade, a reivindicação de aparelho/sistema que mimetiza esta reivindicação de método não pode ser acusada de ser excessivamente ampla apenas por ser executada em um hardware genérico uma vez que a invenção não reside na plataforma computacional em que é executada (computador, calculadora, tablet, etc..) mas no método que independe da plataforma. A proposta de Mark Lemley é a de se rejeitar patentes reivindicando suas funcionalidades sem que se especifique o algoritmo uitlizado para se alcançar as mesmas funcionalidades. O relatório descritivo deve descrever a maneira como tais funcionalidades são atingidas o que aproximaria significativamente o objeto de proteção ao programa de computador em si. A Suprema Corte no caso Bilski considerou que patentes de software que meramente implementem funções em um computador de uso geral sem que estejam vinculadas a uma implementação particular do mundo real devam ser consideradas como ideias abstratas não patenteadas, o que parece corroborar as críticas de Mark Lemley: “não há nada de errado com a ideia de se patentear invenções verdadeiras em software; o problema está em reivindicações excessivamente bem mais amplas do que o sistema atual permite. Se pudermos nos livrar deste problema de reivindicações excessivamente amplas (overclaiming), poderemos limitar as patentes de software para aquilo que os inventores de fato inventaram, encorajando a invenção genuína, sem provocar um congestionamento de litígios de patentes (patent holdup)”.
Para Mark Lemley a presença de uma limitação nominal de hardware serve apenas para ocultar o fato de que os meios efetivos para realizar as funções pleiteadas, o programa de computador em si, não está descrito no pedido de patente. Desta forma, as atuais patentes de software retornaram ao objetivo original das reivindicações funcionais dos anos 1940, indevidamente amplas, na medida em que não especificam os meios de implementação (relativo ao software) para realização da invenção. A presença de termos como “computador”, “internet”, “processador” satisfaz a exigência das Cortes de implementação dos ditos meios, a ponto de não invocar a seção 112(f), quando para Mark Lemley o problema está na indefinição quanto ao código de programa de computador usado para implementar tais funções. Tais reivindicações deveriam continuar enquadradas na seção 112(f) e ter seu escopo restrito as implementações de código de programa de computador utilizadas. Algumas decisões apontam neste sentido. Em Ex parte Rodriguez[25] o BPAI considerou como meios mais funções a referência a “sistema de configuração de um gerador para gerar” e “construtor para construir”, “ambiente de simulação para verificar” uma vez que estes termos, “gerador”, “construtor”, “simular” não trazem qualquer elemento estrutural adicional as funções descritas. Mark Lemley aponta que resta saber se o Federal Circuit irá seguir este entendimento. Em Chi bd. Options Exch v. Intl Sec. Exch[26] o Federal Circuit considerou como uma reivindicação do tipo meios mais funções uma reivindicação que fazia referência a meios de memória, em que o relatório descritivo descrevia tal meio como sendo um sistema de memória, o que pouco acrescentava à definição estrutural de tal meio. 
A solução para Mark Lemley seria aplicar de forma mais rígida as exigências da seção 112(f) e exigir a apresentação do algoritmo usado na implementação das funções descritas na reivindicação restringindo o escopo da patente a implementações equivalentes das mesmas. A aplicação da doutrina de equivalentes nestes casos, para reivindicações de meios mais funções enquadradas na seção 112(f) tende a ser mais restrita, por exemplo, não contemplando tecnologias desenvolvidas após a concessão da patente, conforme o entendimento do Federal Circuit em Al-Site Corp. v. VSI Int[27]. Considerando a evolução da tecnologia de software isto pode representar uma restrição significativa as patentes de software. Para o caso de reivindicações funcionais do tipo meios mais funções Janice Mueller aponta que tais reivindicações tem o escopo de proteger qualquer meio que realize a mesma função desde que sejam meios conhecidos à época da concessão da patente. Janice Mueller cita o caso Al-Site Corp. v. VSI Int. em que a Corte entendeu que uma estrutura equivalente ou etapa de um processo constitui infração literal se tivesse sido disponibilizada na data de concessão da patente. Segundo a autora: “esta regra parece correta do ponto de vista de se preservar a precisão das reivindicações tal como definida no 35 USC § 112 parágrafo 2. È difícil imaginar como uma reivindicação que literalmente abrange uma dada tecnologia ainda não existente poderia satisfazer a exigência legal estatutária para reivindicações que particularmente distinguem e reivindicam algo que o depositante considera como sua invenção”.[28]
Embora Mark Lemley observe que não defende a apresentação do código fonte usado para implementação das funções pleiteadas na reivindicação, o autor defende um nível mais alto de abstração do que o código em si mas não tão amplo a ponto de significar meramente as funções essenciais executadas. A solução proposta é um meio termo entre o código em si a a mera apresentação funcional desejada, embora o próprio Mark Lemley reconheça que o nível exato de abstração seja difícil de ser submetido a uma regra geral. De qualquer forma a proposta caminha no sentido de maior aproximação com o código fonte o que cria dificuldades operacionais adicionais aos escritórios de patentes que não dispõe de um banco de dados com estas informações. Ademais se a comparação entre dois códigos não poderá ser feitas em termos das funcionalidades alcançadas, visto que ambos apresentam funções e efeitos técnicos similares, a aferição de atividade inventiva torna-se ainda mais subjetiva.
O próprio Federal Circuit tem consolidado argumentação de que a implementação de uma funcionalidade em código fonte não é passível de proteção, pois está ao alcance de um programador habilitado: Em Northern Telecom, Inc. v. Datapoint Corp. a Corte entendeu que seria “relativamente direto à luz do relatório descritivo para um programador habilitado escrever um programa para implementar a invenção reivindicada [...] linguagem de computador não se trata de uma conjuração de alguma arte de magia negra, é simplesmente uma linguagem altamente estruturada [...] a conversão de um pensamento completo (tal como expresso em inglês ou em linguagem matemática, isto é, dado as entradas conhecidas, a saída desejada, as expressões matemáticas necessárias e os métodos para utilizar estas expressões) em uma linguagem que uma máquina possa entender é necessariamente uma função meramente trivial (clerical) para um programador habilitado”.[29]
Em linguagens visuais e orientadas a objeto o usuário não tem acesso a todo o código fonte, mas apenas de trechos dele. Analogamente à eletrônica que não exige os valores de componentes para descrição dos esquemáticos, mas apenas diagramas de blocos de trechos críticos da invenção, da mesma forma as invenções relativas a programas de computador devem ser descritas desta forma. Como a proteção da patente não diz respeito a uma implementação de código fonte específica, mas ao conceito inventivo e à funcionalidade descrita por aquele programa, não faria, sentido a exigência de apresentação de código fonte. Ademais a apresentação de códigos fontes extensos, não significa necessariamente maior clareza à invenção, pois somente se tais códigos forem escritos de forma adequada, com comentários, e estruturalmente organizados, poderão ser úteis para interpretação. Ademais tais listagens, que podem envolver milhares de linhas de código, dificilmente poderiam ser analisadas em tempo hábil pelo examinador de patentes ou checar seu funcionamento.
Muitas vezes uma invenção implementada por software envolve um aspecto específico de um aplicativo e a execução deste item envolve a execução do aplicativo que não estaria acessível ao examinador. Embora a jurisprudência nos Estados Unidos em casos como Northern Telecom Inc. v. Datapoint Corp. (1990)[30] e Fonar Corp. v. General Electric Co. (1997)[31], tem consolidado a tese de não necessidade de revelação do código fonte dos programas nos pedidos de patente[32], decisões recentes dos Tribunais norte americanos tem questionado a necessidade da presença de códigos fontes em algumas destas patentes[33]. No caso Fonar v. General Eletric (107 F.3d 1549) de 1997 a General Eletric alegou que a patente não possuía descrição técnica suficiente.[34] O juiz Lourie conclui: "como regra geral, quando o software constitui parte do best mode para realização de uma invenção o relatório descritivo de tal best mode é satisfeitos pela revelação das funções do software. Isto porque normalmente a escrita de tal software encontra-se dentro das habilidades de um técnico no assunto sem que para isso seja exigido um esforço indevido, uma vez que suas funções tenham sido reveladas [...] Assim fluxogramas ou listagens de código fonte não são uma exigência para que a descrição das funções do software esteja atendida". A corte citou In re Hayes Microcomputer 982 F2d 1527 de 1992 como apoio a tese de que a descrição da função de um software é satisfatória para descrição da matéria mesmo sem a apresentação de diagramas ou listagens de código fonte. Em outro julgado que tratava de método para calcular a localização de um poço, Corte entendeu que o critério de written description não foi atendido uma vez que o titular manteve toda a informação relativa aos programas de computador utilizados como segredo industrial. A Corte alegou que seria necessário ao menos a descrição da natureza geral dos programas, não sendo necessário o programa propriamente dito. [35] Em Typhoon Touch Techs v. Dell Inc. o Federal Circuito conclui: “reivindicações de software na forma de meios mais funções exigem a descrição da estrutura correspondente para implementar tal função no relatório descritivo, mas esta estrutura não precisa ser descrita na forma de código de software”.[36]
Dan Burk e Mark Lemley observam que uma vez que as Cortes tem entendido ser desnecessária a apresentação do código fonte para descrição da invenção, então, seguindo-se o mesmo critério, dificilmente tal implementação em código fonte, considerada trivial, satisfaça os níveis exigidos de atividade inventiva para serem protegidos por patente[37]. Em Lockwood v. American Airlines (1997), a Corte entendeu que a patente descrita em termos de suas funcionalidades era abrangida por uma anterioridade, escrita de forma totalmente distinta, porém que realizava essencialmente as mesmas funções. Com base neste raciocínio, os autores argumentam que muitas das ditas patentes de software concedidas pelo USPTO, poderão ser contestadas na justiça, bastando-se apresentar anterioridades que executem as mesmas funções, ainda que com código totalmente distintos.
Em Northern Telecom v. DataPoint a Corte conclui que o processo de implementação de conceito de software em código fonte é considerado óbvio para qualquer programador.[38] Ben Klemens observa que no direito autoral criações independentes não são consideradas infrações, portanto, não é necessário buscas de anterioridades ao se avaliar um código fonte, basta que se prove que seu desenvolvimento foi realizado de forma independente do código supostamente copiado. Ronald Mann ao entrevistar diversas empresas norte-americanas desenvolvedoras de software constata que a proteção do código fonte é considerada frágil, uma vez que na maioria das vezes a empresa considera mais prático desenvolver um novo código do que ter de adaptar um código conhecido ao seu sistema, o que pode implicar na maioria das vezes um esforço de desenvolvimento proibitivo. Neste sentido a ênfase no código fonte se mostra como irrelevante. [39]
Joseph Root destaca que ao contrário das críticas de Lemley, as Cortes tendem a interpretar de forma restritiva as patentes. Os casos Phillips v. AWH Corp. (Fed. Cir. 2005) (en banc) do Federal Circuit e Markman v. Westview Instruments Inc[40] (517 U.S. 370) da Suprema Corte em 1996 marcam uma interpretação mais restrita das reivindicações, com base no detalhado no relatório descritivo, o que o autor configura como uma verdadeira revolução na interpretação das reivindicações (Disclosure Revolution). Para o autor esta mudança de interpretação tem se consolidado e dado poucas provas de se tratar de algo passageiro.[41] Diante desta perspectiva Joseph Root recomenda aos inventores que escrevam um quadro reivindicatório em que o que se deseja proteger esteja claramente descrito: “O que o Federal Circuit busca é a intenção do inventor – o que de fato o inventor acredita que é sua invenção ? [...] Então, dê a eles esta intenção. Ao invés de esperar que um futuro interpretador [o juiz] destas reivindicações adivinhe a intenção do inventor a partir do relatório descritivo, simplesmente defina quais é esta intenção. Isto abrevia o processo, e coloca o redator de volta no controle do pedido”.[42]

Mark Lemley





[1] LEMLEY, Mark. Software Patents and the Return of Functional Claiming, 2012, p.  http://ssrn.com/abstract=2117302
[2] 129 US 263, 283-84, 289-90
[3] 277 US 245, 48 S.Ct. 474 (1928) ROOT, Joseph. E. Rules of Patent Drafting from Federal Circuit Case Law. Oxford University Press, 2011, p.309; CHISUM, Donald. Chisum on Patents, Matthew Bender, 2011, v.1, p.8-280
[4] 211 F. 654, 655 (2d Cir. 1914) cf. LEMLEY, Mark. Software Patents and the Return of Functional Claiming, 2012, p.  http://ssrn.com/abstract=2117302
[5] Wright Co v. Herring Curtiss, Co, 211, F. 654, 655 (2d Cir. 1914)
[6] 329, US 1,9 n.7 (1946). ROOTcf.op.cit.p.320
[7] An element in a claim for a combination may be expressed as a means or step for performing a specified function without the recital of structure, material, or acts in support thereof, and such claim shall be construed to cover the corresponding structure, material, or acts described in the specification and equivalents thereof. http://www.uspto.gov/web/offices/pac/mpep/documents/appxl_35_U_S_C_112.htm
[8] KUESTER, Jeffrey. Means plus function claiming: recent developments and new considerations. http://www.kuesterlaw.com/mpf.html#IIA
[9] 958 F.2d. 1066, 22 USPQ2d 1025 (Fed. Cir. 1992) cf. CHISUM, Donald. Chisum on Patents, Matthew Bender, 2011, v.1, p.3-80
[10] http://openjurist.org/958/f2d/1066/labounty-manufacturing-inc-v-united-states-international-trade-commission
[11] In re Donaldson, 29 USPQ 2d 1845, 1849 (Fed. Cir. 1994) cf. ROOT.op.cit.p.322
[12] 242 F.3d 1347, 58 USPQ2d (BNA) 1076 (Fed. Cir. 2001) cf. ROOT, Joseph. E. Rules of Patent Drafting from Federal Circuit Case Law. Oxford University Press, 2011, p.20
[13] 514 F.3d at 1255 (Fed.Cir. 2008) http://caselaw.findlaw.com/us-federal-circuit/1169473.html
[14] 574 F.3d 1371 (Fed.Cir.2009). cf.ROOT.op.cit.p.331
[15] ROOT, Joseph. E. Rules of Patent Drafting from Federal Circuit Case Law. Oxford University Press, 2011, p.330
[16] http://www.cafc.uscourts.gov/images/stories/opinions-orders/11-1004.pdf
[17] TRUAX, Terrence. Hybrid patent claims found valid http://www.lexology.com/r.ashx?i=2892512&l=7G9QQ7J
[18] MULLEN, Williams, SWINGLE, John. HTC v. IPCom –Federal Circuit decision a reminder to avoid ambiguity when using modifiers in claims, 02/02/2012 http://www.lexology.com/r.ashx?i=2892512&l=7G7P0MN
[19] ALLISON, John; LEMLEY, Mark. The (unnoticed) demise of the doctrine of equivalents, 59, Stanford Law Review, 955, 2007
[20] http://patentlyo.com/patent/2013/01/means-plus-function-claiming.html
[21] 99 F.3d 1568, 1574 (Fed. Cir. 1996)
[22] MERGES, Robert; MENELL, Peter; LEMLEY, Mark. Intellectual property in the new technological age. Aspen Publishers, 2006. p.297
[23] Amgen, Inc. v. Chugai Pharm. Co., 927 F.2d 1200 (Fed. Cir. 1991); Bayer Cropscience AG v. Dow Agrosciences LLC, No. 13-1002 (Fed. Cir. Sept. 3, 2013)
[24] 119 F.3d 1559, 1568 (Fed. Cir. 1997)
[25] No.2008-693 (BPAI, 1 outubro 2009)
[26] 667 F.3d 1361(Fed. Cir. 2012)
[27] 174 F.3d 1308 (Fed. Cir. 1999)
[28] MUELLER, Janice. Patent Law. New York:Aspen Publishers, 2009, p.90
[29] LEMLEY, Mark. Software Patents and the Return of Functional Claiming, 2012, p.  http://ssrn.com/abstract=2117302
[30] 908 F.2d 931 (Fed. Cir. 1990)
[31] 107 F.3d 1543, 1549 (Fed. Cir. 1997). Intellectual Property Rights in Frontier Industries: software and biotechnology, Robert Hahn, Washington:AEI Brookings, 2005, p. 83; BURK, Dan L.; LEMLEY, Mark, A. The patent crisis and how the Courts can solve it. The University of Chicago Press, 2009, p.120
[32] The Disclosure of Source Code in Software Patents: Should Software Patents Be Open Source? Kenneth Canfield. 7 Colum. Sci. & Tech. L. Rev. 6 (2006) (Published April 16, 2006) <http://www.stlr.org/cite.cgi?volume=7&article=6>
[33] TouchCom v. Dresser, 427 F.Sup.2d 730 E.D.Tx. 2005 e TouchCom v. Bereskin & Parr D.D.C
[34] http://en.wikipedia.org/wiki/Fonar_v._General_Electric
[35] Union Pacific Resources v. Chesapeake Energy Corp, 236, F.3d. 684, 690-92 (Fed.Cir.2001) cf. BURK, Dan L.; LEMLEY, Mark, A. The patent crisis and how the Courts can solve it. The University of Chicago Press, 2009, p.121
[36] 659 F.3d 1376, 1384-86 (Fed. Circ. 2011) LEMLEY, Mark. Software Patents and the Return of Functional Claiming, 2012, p. 949 http://ssrn.com/abstract=2117302
[37] Intellectual Property Rights in Frontier Industries: software and biotechnology, Robert Hahn, Washington:AEI Brookings, 2005, p. 84
[38] 908 F.2d 931, 940-41, 15 USPQd 1321, 1328 (Fed.Cir.1990) cf. KLEMENS, Ben. Math you can´t use, Brookings Institution Press: Washington,2006, p.133, 137
[39] KLEMENS, Ben. Math you can´t use, Brookings Institution Press: Washington,2006, p.141
[40] http://openjurist.org/517/us/370
[41] ROOT,.op.cit.p.xxxiv
[42] ROOT.op.cit.p.4

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