sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

INPI deve ser um agente público ou privado ?



O INPI criado pela Lei n° 5.648, de 11 de dezembro de 1970 tem como finalidade precípua segundo o Art. 2º O INPI tem por finalidade principal executar, no âmbito nacional, as normas que regulam a propriedade industrial, tendo em vista a sua função social, econômica, jurídica e técnica, bem como pronunciar-se quanto à conveniência de assinatura, ratificação e denúncia de convenções, tratados, convênios e acordos sobre propriedade industrial.  (Redação dada pela Lei nº 9.279, de 1996).[1]

Estas atribuições atendem ao disposto no Artigo 12 da Convenção da União de Paris (Decreto n° 75572 de 8 de abril de 1975[2] e Decreto n° 635 de 21 de agosto de 1992[3]): “Cada um dos países da União se compromete a estabelecer um serviço especial da propriedade industrial e uma repartição central para informar o público sobre as patentes de invenção, modelos utilidade, desenhos ou modelos industriais e marcas de fábrica ou de comércio”. O Artigo 13(3) detalha que na representação de cada país membro nas Assembleias da União : “Os países da União, agrupados em virtude de um acordo particular num escritório comum que tenha para cada um deles a natureza de serviço nacional especial de propriedade industrial mencionado no Artigo 12, podem, no decorrer das discussões, ser representados conjuntamente por um deles.” Este serviço nacional especial de propriedade industrial pressupõe que se trata de um órgão de governo, uma vez que a participação de entes privados é regulada por artigo 2(ix) sempre na qualidade de “observadores” e sempre com a devida aprovação dos demais membros da Assembleia.

A doutrina é unânime em reafirmar que um atributo exclusivo da Administração Pública é a finalidade de defesa do interesse público. Para Celso Antônio Bandeira de Mello, a prevalência dos interesses da coletividade sobre os interesses dos particulares é pressuposto lógico de qualquer ordem social estável e justifica a existência de diversas prerrogativas em favor da Administração Pública, tais como a presunção de legitimidade.[4] Hely Lopes Meirelles da mesma forma defende a observância obrigatória do princípio da supremacia do interesse público na interpretação do direito administrativo em que somente o poder público goza de justificada presunção de prevalência dos interesses coletivos sobre os interesses individuais. [5] Hely Lopes de Meirelles deixa claro que os atos administrativos da Administração Pública possuem presunção de legitimidade: “enquanto não sobrevier o pronunciamento de nulidade os atos administrativos são tidos por válidos e operantes, que para a Administração, quer para os particulares sujeitos ou beneficiários de seus efeitos [...] Outra consequência da presunção de legitimidade é a transferência do ônus da prova de invalidade do ato administrativo para quem o invoca”.[6] Carvalho Filho da mesma forma entende o princípio da supremacia do interesse público como um dos princípios reconhecidos da Administração Pública. Carvalho Filho reconhece a existência de uma posição doutrinária minoritária, que baseada numa suposta indeterminação do conceito de interesse público julga que este não seria um princípio basilar da Administração Pública, no entanto é enfático: “com a vênia dos que perfilham visão oposta, reafirmamos nossa convicção de que, malgrado todo o esforço em contrário, a prevalência do interesse público é indissociável do direito público, este, como ensina Sayagués Laso, o regulador da harmonia entre o estado e o indivíduo”. Para Carvalho Filho tal princípio é axioma inarredável a ser seguido pela Administração Pública.[7]  Uma decisão do INPI goza de presunção de que este ato foi decidido tendo em vista o interesse público, uma vez que o INPI faz parte da Administração Pública.

Segundo o STJ “O art. 175 da Lei n. 9.279/96 prevê que, na ação de nulidade do registro de marca, o INPI, quando não for autor, intervirá obrigatoriamente no feito, sob pena de nulidade, sendo que a definição da qualidade dessa intervenção perpassa pela análise da causa de pedir da ação de nulidade. O intuito da norma, ao prever a intervenção da autarquia, foi, para além do interesse dos particulares (em regra, patrimonial), o de preservar o interesse público, impessoal, representado pelo INPI na execução, fiscalização e regulação da propriedade industrial”. REsp n. 1.264.644/RS, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 28/6/2016, DJe 9/8/2016)[8]

Segundo o STJ “Tendo o Instituto Nacional da Propriedade Industrial atuado na lide no sentido de adotar a tese veiculada na inicial e o Tribunal de origem, em apelação, julgado improcedente o pedido, não há que se falar em ausência de interesse da autarquia em opor embargos infringentes, eis que, embora por lei deva intervir no feito, sua atuação não fica vinculada ao litisconsórcio material com o réu, dado que o sentido de sua participação no processo é o de preservar o interesse público, impessoal, a cargo do INPI na execução, fiscalização e regulação da propriedade industrial (Lei 9.279/96, arts. 173 e 175)”. REsp. n° 1.460.516 - ES (2014/0143286-7), Relator Ministra Maria Isabel Gallotti. Órgão Julgador: T4, dado Julgamento: 26/11/2019, Publicação DJe: 06/12/2019[9]

Segundo TRF3: “No caso dos autos a parte autora intentou a presente demanda objetivando a anulação de registro de patente de invenção por entender que o objeto não é registrável, tratando-se portanto, de vício intrínseco, hipótese em que o INPI intervém no feito na qualidade de assistente especial, uma vez que não deu causa à propositura da ação, mas, de modo diverso, atua no feito por imposição legal para preservação do interesse público, que pode ou não coincidir com o interesse das partes” TRF3- AC 00042486620044036105 SP[10].

Segundo o TRF2: “Cabe ao INPI preservar o interesse público, ante a possibilidade de as marcas semelhantes induzirem em erro ao consumidor”. TR2 – Embargos Infringentes na Apelação Cível EIAC 0 RJ 90.02.11990-9 [11]

Para Hely Lopes Meirelles: “enquanto o direito privado repousa sobre a igualdade das partes na relação jurídica, o Direito Público assenta em princípio inverso, qual seja, o da supremacia do Poder Público sobre os cidadãos dada a prevalência dos interesses coletivos sobre os individuais [...] Sempre que entrarem em conflito o direito do indivíduo e o interesse da comunidade, há de prevalecer este, uma vez que o objetivo primacial da Administração é o bem comum. As leis administrativas visam, geralmente, a assegurar essa supremacia do Poder Público sobre os indivíduos, enquanto necessária à consecução dos fins da Administração. Ao aplicador da lei compete interpretá-la de modo a estabelecer o equilíbrio entre os privilégios estatais e os direitos individuais, sem perder de vista aquela supremacia [...] os fins da administração pública resumem-se num único objetivo: o bem comum da coletividade administrada. Toda atividade do administrador pública deve ser orientada para esse objetivo [...] Todo ato que se apartar desse objetivo sujeitar-se-á a invalidação por desvio de finalidade [...] Desde que a Administração Pública só se justifica como fator de realização do interesse coletivo, seus atos hão de se dirigir sempre e sempre para um fim público, sendo nulos quando satisfizerem pretensões descoincidentes do interesse coletivo”. [12]

Segundo o TRF2, “Nas ações de nulidade, portanto, o interesse do Estado jamais será o de defender, contra o interesse da coletividade, os privilégios que concede, aliás, com expressa ressalva de sua responsabilidade pela novidade da invenção. Nessas ações, ao interesse privado dos particulares que as promovem sobreleva o interesse público de ver anulados os privilégios irregularmente concedidos e esse interesse da coletividade compete ao Estado representar e defender[13] 

Segundo o TRF2[14]: “O INPI atua como órgão responsável pela concessão de registros e patentes no Brasil, de modo que sua atuação é pautada em critérios técnicos e de acordo com o interesse público, sendo o ato administrativo praticado pela autarquia dotado de presunção de legitimidade e veracidade”. 

Segundo o TRF2: “É importante destacar que o reexame dos requisitos necessários à legalidade da concessão do registro de patente, em geral, é feito por técnicos do INPI, que são devidamente qualificados e gabaritados para tanto. Ainda que não sejam infalíveis ou conhecedores de todas as atividades técnicas e científicas mundiais, é certo que suas opiniões devem ser sempre levadas em conta pelo juízo, eis que dotadas “de uma tecnicidade desprovida de qualquer interesse particular”.[15] 

Segundo TRF4: “O INPI, que é autarquia federal competente para a análise e subseqüente registro do desenho entendeu pela registrabilidade/patenteabilidade. O entendimento, embora revisável judicialmente, goza de presunção de higidez a qual somente pode ser afastada por prova cabal em sentido contrário. A indústria autora não se desincumbiu deste ônus”.[16]

Segundo o TRF2 em Unilever v. Kolynos do Brasil[17]A Lei nº 9.279/96, arts. 19 a 37, regula o procedimento para o deferimento, junto ao INPI, de pedido de patente. Ao longo desse procedimento, é possível a qualquer interessado opor-se ao pedido de patente, apresentando argumentos contrários à sua concessão. No presente caso, a Kolynos não ofereceu oposição alguma, embora tivesse ciência do pedido desde 1999, e, ainda que tivesse oferecido, os argumentos e provas não teriam sido suficientes para sua aceitação, não sendo, pois, viável suspender os efeitos de um ato administrativo regular, sem demonstração inequívoca de direito e, pior ainda, sem contraditório, sem exame cuidadoso das provas, sobretudo em se sabendo que a questão não é essencialmente de direito, envolvendo exame técnico especializado, tão especializado que a própria Kolynos e o INPI reconhecem a necessidade de perícia. Se realmente a atividade econômica da Kolynos corresse risco, não teria deixado fluir dois anos, ao longo do procedimento administrativo do qual teve indiscutível ciência, para, depois de deferido o pedido, em posição cômoda, obter uma liminar às pressas, protelando por longo tempo a fruição de direito alheio, face, sobremaneira, à morosidade do processo judicial e em detrimento da eficácia, juridicidade e presunção de validade dos atos administrativos praticados pelo INPI

Conclusão:

A presunção do INPI como tendo suas ações pautadas no interesse público é uma prerrogativa que se observa por ser este um dos princípios basilares de Administração Pública. As atividades hoje exercidas pelo INPI na área de propriedade industrial além de cumprirem um compromisso internacional assumido pelo país como nação nos fóruns internacionais, requerem, dada a sua natureza, que tenha seus atos revestidos pelo interesse público e por este motivo diante da doutrina e jurisprudência se entende que a melhor forma de cumprir tais objetivos preservando a legitimidade na defesa do interesse púbico é mantê-lo dentro da Administração Pública.







[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5648.htm
[2] https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1970-1979/decreto-75572-8-abril-1975-424105-publicacaooriginal-1-pe.html
[3] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0635.htm
[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 20
[5] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 95.
[6] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1990, p. 139.
[7] FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo.SãoPaulo:Atlas, 2012, p.30
[8] https://www.jusbrasil.com.br/diarios/201539201/stj-01-08-2018-pg-6036?ref=serp
[9] https://www.jusbrasil.com.br/diarios/275219472/stj-05-12-2019-pg-9542?ref=serp
[10] https://trf-3.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/709991222/apelacao-civel-ap-42486620044036105-sp?ref=serp
[11] https://trf-2.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/4849257/embargos-infringentes-na-apelacao-civel-eiac-rj-900211990-9?ref=serp
[12] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo:Malheiros editores, 1990, p.44, 84, 88, 133
[13] http://www.jusbrasil.com.br/diarios/61319249/trf-2-jud-jfrj-06-11-2013-pg-199
[14] TRF2, Apelação Cível n. 2011.51.01.803917-7 Ceamer Ind. Com. Ltda. v. Wilson Santana, Relator: Marcelo Pereira da Silva, Segunda Turma Especializada, Data Decisão: 12/12/2013, Fonte: E-DJF2R - Data:: 10/01/2014
[15] TRF2 AC 2012.51.01.058764-0 Unimed do Brasil v. INPI Relator: Eduardo André Brandão de Brito Fernandes. Data Publicação 20/08/2013, p.314
[16] TRF4, AC 5031154-65.2011.404.7000 UF: PR, Relator: Fernando Quadros da Silva Data da Decisão: 27/06/2012 Orgão Julgador: Terceira Turma, Fonte D.E. 28/06/2012
[17] Origem: TRF-2 Classe: AGR - AGRAVO REGIMENTAL - 76318 Processo: 2001.02.01.015208-8 UF : RJ Orgão Julgador: SEGUNDA TURMA Data Decisão: 20/06/2001 Documento: TRF-200078380 Fonte: DJU - Data::13/11/2001 Relator Acordão: Desembargador Federal CASTRO AGUIAR

Nenhum comentário:

Postar um comentário