quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Comentários a tese de Daniel Lessa

LESSA, D. V. O. O Poder Judiciário na construção do sistema de patentes: interpretação dos requisitos legais de patenteabilidade e o caso do teste de motivação criativa. Rio de Janeiro, 2018. 118 páginas. Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento) –Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2018.


Resumo:
O presente estudo analisa como Poder Judiciário, ao interpretar e aplicar as leis de propriedade intelectual, atua na definição do sistema de patentes. Realiza uma pesquisa teórica sobre as visões histórico-econômica e jurídica do tema, apurando que os requisitos de patenteabilidade são normas que possuem certo grau de indeterminação e que por tal razão as autoridades que aplicam o direito podem definir a dosagem do rigor de inventividade exigido para a concessão de patentes. Promove um estudo de caso sobre a primeira decisão brasileira em que foi estabelecido um teste de obviedade para a apuração do requisito legal de atividade inventiva, o chamado TMC, avaliando sua contribuição para o melhoramento da fundamentação das decisões judiciais, bem como analisa o teste de obviedade criado pelo INPI em resposta a tal decisão judicial. Compara estes testes nacionais aos desenvolvidos pelos escritórios de patentes europeu e norte-americano. Perfaz outros estudos de caso de decisões judiciais paradigmáticas, nacionais e internacionais, relacionadas aos critérios e fundamentos da atividade inventiva e da proteção de invenções por patentes, concluindo pela dinâmica do processo de construção dos requisitos de patenteamento, onde concorrem diferentes visões e interesses sobre a apropriação do conhecimento, influenciando a decisão das autoridades. Em seguida é feita uma análise desta dinâmica dos padrões de proteção, com base nos acordos de livre comércio realizados pelo diplomacia norte-americana, onde foram estabelecidas cláusulas TRIPs-plus, de modo a se compreender as implicações do movimento de harmonização do direito de patentes em nível internacional e a adoção de padrões que favorecem as titulares de propriedade intelectual, por pressão das multinacionais, principalmente as farmacêuticas. Por fim, avalia as condições de implantação de uma política judiciária com o fortalecimento democrático no processo de concessão de patentes e pela adoção de uma visão jurídica instrumental para subsidiar e instituir uma política pública de concessão de patentes sensível ao interesse público, à livre concorrência, ao desenvolvimento tecnológico e às políticas públicas de saúde. 

Comentários:


“Tal narrativa histórica apresentada, portanto, é no sentido de que os países atualmente desenvolvidos, desenvolveram suas indústrias não por meio do respeito à propriedade intelectual de estrangeiros, mas por políticas públicas e arranjos institucionais que objetivavam desenvolver suas indústrias, por meio da imitação e do aprendizado das técnicas mais desenvolvidas, o que inclusive consistia em não assegurar propriedade intelectual a estrangeiros” p.29


Por esta conclusão se percebe o quanto o autor considerar o sistema de patentes como um entrave a ser vencido. Lamentavelmente este estereótipo é compartilhado no Brasil. O autor em nenhum momento menciona a bibliografia que contesta esta versão de Ha Joon Chang, como, por exemplo, Robert Sherwood ou Edwin Manfield, sequer citados na tese por razões óbvias. Um estudo feito por Claudio Frishtak do Banco Mundial mostra a propriedade intelectual pode ser um fator importante para o desenvolvimento tecnológico de países como o Brasil. Outros autores como Edward Steinmueller mostram os benefícios que a propriedade industrial pode trazer aos países em desenvolvimento. Toda a tese se baseia nas conclusões anacrônicas do livro de Edith Penrose. Sobre a tese de Ha Joon Chang, Paulo Roberto de Almeida comenta: "“O que dizer, então, da outra parte deste mito ridículo, que consiste em afirmar que os países na vanguarda do progresso industrial atuam deliberadamente para impedir outros de os seguirem na "escada" do desenvolvimento? Essa tese é tão ridícula — como compete a uma "boa" teoria conspiratória da história — que nem valeria o esforço de desmenti-la, se não fosse a existência de tantos crédulos nos países retardatários, sempre em busca de um bode expiatório para culpá-lo pela sua industrialização deficiente ou seu desenvolvimento insatisfatório. Mais uma vez Chang falha em trazer as "provas históricas" desse tipo de argumento, e apenas avança as recomendações dos atuais "conselheiros washingtonianos" como a evidência de que os países ricos desejam manter todos os demais no fundo do poço do não-desenvolvimento: para isso, eles "chutam a escada", num sentido metafórico, claro, pois a única coisa que fazem seria recomendar políticas que inviabilizariam a "subida da escada", mantendo os retardatários na eterna dependência dos que estão no topo. Curioso que esses mesmos "alpinistas industriais" investem nos retardatários, e não apenas para contornar barreiras comerciais e outras restrições ao capital estrangeiro, como sabemos por todos os exemplos dos movimentos de capitais de risco na história econômica mundial. Mais curioso ainda é que todo esse ardor obstrucionista não impediu os Estados Unidos e a Alemanha, no século XIX, e os demais países avançados, na passagem da segunda revolução industrial — grosso modo a partir dos anos 1870 — de galgarem eles também a escada da industrialização e do desenvolvimento econômico. “ (http://ordemlivre.org/posts/o-mito-do-complo-dos-paises-ricos-contra-o-desenvolvimento-dos-paises-pobres)

Segundo Daniel Lessa:


O TMC, portanto, foi desenvolvido para atender a uma demanda de maior transparência na avaliação do requisito de atividade inventiva e a sua adoção, acompanhada das críticas relativas à falta de critérios objetivos sindicáveis nas diretrizes do INPI, acabou por provocar uma reação da autarquia patentária, que no ano seguinte ao advento do teste de obviedade, elaborou novas diretrizes de concessão de patentes, até então inalteradas desde 2002, publicando, em julho de 2016, a Resolução n° 169, que trouxe um teste de obviedade e critérios jurídicos objetivos sindicáveis com características muito semelhantes ao TMC”. (p.57)


O INPI na verdade já havia iniciado Consulta Publica de suas diretrizes em julho de 2012, sendo que o módulo referente a atividade inventiva teve consulta pública realizada em março de 2015, antes portanto da decisão da ação em primeira instância que foi em junho de 2015. A diretriz que trata sobre atividade inventiva foi publicada na Resolução n° 169/2016 na RPI n° 2377 de 26 de julho de 2016.

Na p. 58 Daniel compara os diferentes testes. Enquanto que o teste Graham (USPTO), o PSA (EPO) e o INPI (Resolução n/ 169/2016) tem como primeira etapa a determinação do estado da técnica mais próximo, o TMC tem como sua primeira etapa a determinação do problema e da solução, deixando a determinação do estado da técnica para uma segunda etapa. O fato de se fazer a análise da solução já partindo do conhecimento da solução propriamente dita submete o TMC à crítica de uma análise retrospectiva, ou hindsight bias, ou análise ex post facto. Segundo Denis Barbosa: “uma vez conseguida a nova solução, tudo parece óbvio. A postura da análise seria sempre prospectiva a partir do documento mais próximo, e não retrospectiva, a partir da nova invenção”

Segundo Daniel Lessa:  


“O conceito de experimentação indevida normalmente é utilizado na análise da condição de patenteabilidade relacionada à clareza da descrição da invenção em escritórios estrangeiros”.(p.62)


Esse conceito não é tão estranho assim em outros países. Em ClearValue v. Pearl River Polymers (Fed. Cir. 2012) a Corte concluiu que uma anterioridade que descreve uma invenção de forma mais ampla (menos que 150 ppm) antecipa a faixa mais estreita encontrada na reivindicação analisada (menos de 50 ppm). A patente US6120690 se refere a um processo para clareamento da água usando uma suspensão floculada de alumínio junto com polímeros de alto peso molecular. A Corte entendeu que haveria antecipação se um documento do estado da técnica descrevesse cada limitação da reivindicação e possibilitasse o técnico no assunto realizar a invenção reivindicada sem experimentação indevida: “a claim will be anticipated and therefore invalid if a single prior art reference describes "each and every claim limitation and enable[s] one of skill in the art to practice an embodiment of the claimed invention without undue experimentation”.

Segundo Daniel Lessa: 


 “O novo critério apresentado pelo INPI transfere o conceito de experimentação indevida para outro aspecto da análise de patenteabilidade, o requisito de atividade inventiva, onde já é descrito (item b do INPI, no quadro comparativo) que o técnico no assunto possui os “meios e a capacidade para trabalho e experimentação rotineiros”.  Dessa forma, o critério de experimentação indevida ou poderá ser interpretado como aquilo que vai além da capacidade para trabalho e experimentação rotineiros na área técnica em questão, ou será considerado algum critério mais nebuloso, a exemplo de se relacionar a experimentação aos investimentos financeiros necessários à obtenção da solução técnica.”


Conclusão equivocada. A Resolução n° 169 de 2016 item 5.59 “Quando uma invenção alcança sucesso comercial, tal como licenciamento de tecnologia, se este sucesso está diretamente relacionado com as características técnicas da invenção, isto pode significar que a invenção apresenta atividade inventiva. Entretanto, se o sucesso é devido a outros fatores, tais como campanhas de venda ou propaganda, este critério não deve ser utilizado como base para a avaliação da atividade inventiva”, ou seja, os aspectos financeiros não são considerados.

Segundo Daniel Lessa: 


“Ademais, do ponto de vista jurídico, o entendimento do INPI de possibilitar o patenteamento de segundo uso ante o fato de não haver expressa vedação legal, não pode ser entendida como uma interpretação inteiramente acertada, dado que o artigo 27 de TRIPs, bem como o artigo 42 da LPI, definem apenas produtos e processos como matéria patenteável, o que não inclui usos”.(p.62)


Segundo a Resolução n° 124/2013 São exemplos de categorias de “reivindicações de produto”: produto, aparelho, objeto, artigo, equipamento, máquina, dispositivo, sistema de equipamentos co-operantes, composto, composição e kit; e de “reivindicações de processo”: processo, uso e método. Ou seja, a reivindicação de uso é entendida como uma reivindicação de processo.  O guia de exame do Canadá de 2015 no item 12.06.08 estabelece que “Uma reivindicação de uso (por exemplo as que se iniciam com a expressão uso de...) que define passos específicos a serem seguidos, na prática, é um método e deve ser examinada como tal [...] Em muitos campos a distinção entre um uso e um método não tem qualquer importância prática, sempre que um método específico for patenteável, o correspondente uso também será patenteável [...]”.

Segundo Daniel Lessa:  


“Veremos, inclusive, no próximo subcapítulo, que, contrariando a concepção de um direito de propriedade universal e transcendente, supostamente alcançado em alguma medida por países que foram recompensados pelo desenvolvimento, os padrões de proteção nos EUA, mormente no que diz respeito à atividade inventiva, estão em constante mutação e que concorrem para o estabelecimento dos padrões de inventividade exigidos para o patenteamento algumas concepções do direito de propriedade, alinhadas a diferentes interesses” (p.67)

Quem lê esta conclusão (e outros trechos da tese) fica com a impressão de que o INPI é extremamente flexível e tem taxas elevadas de concessão, o que é outro estereótipo sem fundamento. A DIFAR I por exemplo teve em 2018 um total de 640 decisões de exame substantivo (9.1 + 9.2 + 11.2) e destas apenas 301 deferidos (47% dos decididos). Se considerarmos o total de pedidos depositados esse índice de concessão diminui para menos de 30%. De um total de 664 primeiros exames, apenas 7 foram deferidos em primeiro exame. O Brasil tem taxas de concessão em fármacos mais baixas que as da índia que é reconhecida mundialmente como bem rígida, ver estudo de Kenneth Shadlen 
(http://eprints.lse.ac.uk/61602/1/Shadlen_TRIPS_Implementation_and_Secondary_Pharmaceutical_Patenting.pdf)

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