sexta-feira, 17 de abril de 2020

Rui Barbosa e as patentes


Em 1880 ainda sob a vigência da lei de 1830 o Conselheiro Guilherme Schuch de Capanema solicitou patente para um processo de fabricação de sulfureto de carbono como formidica que foi objeto de discussão na Câmara no mesmo ano. As discussões na Câmara dos Deputados sobre o assunto foram inflamadas, o projeto foi discutido em seis sessões, onde os deputados debateram assuntos diversos, entre os quais a diferença entre introdutor e inventor, o histórico da descoberta do dissulfeto de carbono, a composição do formicida e a prática da concessão do privilégio ao invés do prêmio pecuniário que o introdutor de uma nova indústria no país tinha direito.[1] Combatendo a concessão o então deputado Rui Barbosa declarava-se “intransigentemente hostil a toda a espécie de medidas tendentes a assegurar à indústria, ao trabalho, outra proteção que não seja a da liberdade, a do direito comum, a única legítima, a única razoável, e com que exclusivamente deve contar o trabalho nacional”. [2] 
Anos mais tarde em 3 e 5 de dezembro de 1899 Rui Barbosa irá mencionar esta campanha realizada em artigos do Diário de Notícias e do Jornal do Brasil como prova de sua coerência contra os monopólios.[3] Em 8 de janeiro de 1899 como redator chefe do jornal A Imprensa sob o título Monopólio, Rui Barbosa ao comentar sobre a chegada da indústria elétrica e aos contratos de exclusividade de gás das empresas estrangeiras que exploravam tais serviços comenta: “Somos e seremos intransigentemente avessos a essas explorações odiosas, não porque tenhamos contra os monopólios a superstição do ódio ao nome, ou porque ele preste às cordas da indignação uma retumbância útil para atordoar incautos, mas porque as nossas mais antigas convicções de acham em hostilidade a esse funesto industrialismo, porque o estudo, que é a nossa triste mania e o hábito absorvente de nossa vida, cade vez mais enraíza em nosso espírito essas ideias, e porque os monopólios, como os privilégios, quando não são ligados à essência das coisas, ou ditados por necessidades inevitáveis, violam o nosso direito constitucional [...] as conquistas da civilização não são propriedade de ninguém, elas pertencem ao mundo civilizado, exceto aqueles direitos, criados e protegidos por lei, para o benefício de inventores, aperfeiçoadores e iniciadores”.[4] 
Rui Barbosa, contudo, foi o advogado da canadense Rio de Janeiro Tramway Light & Power Co..Como consultor jurídico da Light respondeu a um questionamento feito por Alfredo Maia sobre privilégios exclusivos. Em resposta Rui Barbosa afirma que “só se verifica o monopólio, propriamente dito, quando o seu privilégio sequestra ao direito comum, para os encerrar no domínio exclusivo dos privilegiados, uma indústria, um comércio, um gênero qualquer de trabalho, até então franco a todos, ou naturalmente a todos acessível e que fora daí limitando-se o privilégio exclusivo á viação pública, à iluminação urbana, ao serviço de telegrafia ou telefonia, o aproveitamento da água e da força motriz ás cidades, bem assim a satisfação de outras necessidades coletivas nos centros populosos, essas concessões administrativas nem incorrem no odioso monopólio na sua má significação, nem são inconstitucionais [...] o que, sobretudo, legitima esses privilégios, após a consideração de que não subtraem aos indivíduos nenhum direito seu, e representam serviços incumbentes, pela sua natureza, à administração, é a sua necessidade, a sua inevitabilidade”. Na conclusão do crítico Magalhães Júnior: “Virou, assim, pelo avesso os seus conceitos de 1889. Uma coisa era o jornalista de oposição, inflamado e pressuroso, a defender a cidade contra a voracidade de um monopólio. E outra, o jurista meticuloso e aplicado disposto a retribuir , em bons serviços, a generosidade do poderoso grupo concessionário dos telefones, bonde, gás, luz e força, exemplar na pontualidade de suas mensalidades e de mão aberta no pagamento de extraordinários”.[5]


[1] SANTOS, N. P.. Privilégios Industriais no Brasil e a Química: o Formicida Capanema. In: X Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia, 2005, Belo Horizonte. Cadernos de Resumos do 10o. Seminário Nacional de História da Ciência e Tecnologia. Belo Horizonte: CEDECOM - UFRMG, 2005. v. 1. p. 128-128.
[2] Annaes do parlamento Brasileiro. Câmara dos Srs Deputados, Terceiro Anno da Décima Sétima Legislatura, Sessão de 1880, Rio de Janeiro, 1880, IV, 432, cf. LUZ, Nícia Vilela. A luta pepla industrialização do Brasil, São Paulo:Alfa Ômega, 1975, p.46
[3] JUNIOR, Magalhães, Rui o homem e o mito, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965, p. 251
[4] McDOWALL, Duncan. A história da empresa que modernizou o Brasil, Rio de Janeiro:Ediouro, 2008, p. 185; JUNIOR, Magalhães, Rui o homem e o mito, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965, p. 250
[5] JUNIOR, Magalhães, Rui o homem e o mito, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965, p. 260

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