Em junho de 1933, desembarcava na
cidade do Rio de Janeiro o engenheiro e físico de Stuttgart, Bernhard Gross. Seu
interesse pelo Brasil surgiu na infância, durante uma viagem que realizou com a
família pelas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Pelotas. Com
pesquisas em raios cósmicos desde as décadas de 1930-40, Gross publicava os
resultados de seus trabalhos em periódicos do Brasil e do exterior, como os
Anais da Academia Brasileira de Ciências, o Journal of Applied Physics,
Physical Review, Journal of Chemical Physics e a revista alemã Zeitschrift für
Angewandte Physik, entre outros periódicos. Gross iniciou no Brasil, de forma
pioneira, a pesquisa em Física da Matéria Condensada, pilar da Ciência e
Engenharia dos Materiais.
A gênese das pesquisas de Gross sobre
eletretos remonta a um dos primeiros trabalhos feitos pelo cientista no Brasil,
em 1934 relativo a um pedido da empresa de energia elétrica e telefonia Light, sobre
a resistência do isolamento de seus cabos telefônicos. Gross notou que os fios
apresentavam um fenômeno conhecido como “absorção dielétrica”. Desde 1943, Costa Ribeiro trabalhou
junto ao físico alemão Bernard Gross, ambos conhecidos por seu trabalho
pioneiro em Física da Matéria Condensada.
Ao trabalhar com materiais dielétricos Costa Ribeiro observou que a fusão por
aquecimento, sem aplicação de campos elétricos externos, fazia aparecer uma
corrente elétrica no material isolante. Depois de solidificadas, as amostras
permaneciam carregadas, constituindo eletretos. Em conclusão, para o eletreto
se formar, bastava a natural solidificação do material dielétrico após ser
derretido por aquecimento.
Segundo o cientista Jayme Tiomno: “Depois de preparar vários eletretos sem aplicação
de campo elétrico externo, ele percebeu que o efeito era mais intenso quando o
resfriamento era mais rápido – era um efeito da velocidade de solidificação.
Construiu então uma aparelhagem engenhosa e de acabamento muito bem feito em
que podia observar o movimento da interface do naftaleno líquido com o
solidificado por resfriamento, medindo simultaneamente a velocidade de
solidificação (ou fusão) e a intensidade da corrente elétrica detectada num
eletrômetro de Wulf. Verificada a correlação dessas grandezas, estava
descoberto o fenômeno termodielétrico ou efeito Costa Ribeiro”. A primeira
publicação de Ribeiro descrevendo o efeito data de 1943. Intitulada “Sobre a eletrização da cera de carnaúba na
ausência de campo elétrico exterior”, a comunicação foi feita na forma de
uma apresentação à Academia Brasileira de Ciências e, em seguida, num artigo
publicado nos anais da instituição. [1] Joaquim
da Costa Ribeiro desenvolveu, portanto, a compreensão do efeito termodielétrico
ou “efeito Costa Ribeiro”, no qual um dielétrico adquire polarização e carga
permanente sem aplicação de um campo elétrico externo. Existem muitos materiais
que podem ser utilizados na produção de eletretos. Cera de carnaúba é
especialmente apropriada para experiências de laboratório, mas ela perde a
estabilidade mecânica (fica quebradiça), não sendo conveniente para aplicações
industriais
Bernhard Gross e seu grupo de pesquisas
no INT iniciou pesquisas sobre eletretos em conjunto a uma pesquisadora
francesa, Line Ferreira Denard, que estava trabalhando no INT. Em 1962 os cientistas
James West e Gehard Sessler dos Laboratórios Bell desenvolveram o microfone de
eletreto, menor e muito mais sensível que os demais microfones do estado da
técnica e hoje produzido em milhões de unidades anualmente. O conhecimento
desenvolvido por Gross e do grupo de pesquisas do INT sobre eletretos permitiu
o avanço nas aplicações industriais desses materiais, das quais uma das mais
difundidas é o microfone de eletretos. Gerhard Sessler e James West solicitaram
a patente da invenção em 1962 junto ao USPTO (US3118022). Os pesquisadores dos
laboratórios Bell utilizaram como matéria-prima folhas de teflon, material
cujas propriedades mecânicas, baixíssima condutividade e possibilidade de ser
fabricado em finas folhas permitiram sua aplicação no microfone. O assistente
de Gross, Preston Murphy, chegou a usar a tecnologia do INT no desenvolvimento
de microfones de eletreto nos Estados Unidos em 1963. De acordo com Gross,
“quando voltou aos Estados Unidos, associou-se a uma companhia, onde
desenvolveu um tipo de microfone de eletreto com base nos conhecimentos que
adquirira aqui, valendo-se daquela facilidade extraordinária dos americanos
para fazer gadgets, virtude que não possuo. Arranjou contratos por lá e montou
uma grande linha de produção de microfones de eletretos”. Gerhard Sessler reconheceu
a contribuição de Gross dedicando-lhe o livro “Electrets”, editado por ele
inicialmente em 1980. Em um artigo publicado no Brazilian Journal of Physics em
1999, Sessler afirma que Gross assentou as pedras fundamentais da pesquisa
moderna em eletretos, guiou a sua evolução durante mais de meio século e ajudou
a estabelecer esse campo como uma disciplina respeitada da ciência moderna. [2]
Em 1958 em visita ao MIT nos Estados
Unidos, Gross observou que durantes pesquisas com raios gama os grosso vidros da
janela do laboratório, de cerca de 50 cm haviam sido destruídos por rupturas
elétricas sem qualquer irradiação de partículas. Para Gross o efeito era
decorrência de projeção secundários Compton quando os raios gama atravessavam
as janelas de vidro, que Gross chamava de correntes Compton. Ao retornar ao
Brasil, Gross prosseguiu suas investigações com apoio de Edgar Meyer e Preston
Murphy. Um primeiro trabalho foi publicado em inglês na revista alemã
Zeitschrift fur Physik, apresentando resultados que já continham todos os
elementos essenciais. Imediatamente Gross concluiu que daquele efeito deveria
permitir a construção de dosímetros, o que o fez solicitar patentes no Brasil,
Estados Unidos e Alemanha em 1960 (US3122640). Em 1960 e 1961 foram publicados
trabalhos sobre a teoria do dosímetro e em vários congressos da Agência
Internacional de Energia Atômica. Os dosímetros de Gross embora menos sensíveis
eram mais resistentes e passaram a ser fabricados pela empresa EEG dos Estados Unidos
na monitoração de explosões nucleares. Gross comenta: "Quando soubemos disso, procuramos fazer
valer o direito de patente, mas fomos driblados pelos truques da legislação
comercial americana". Gross conclui: "Eu tive a grande felicidade, ou infelicidade, de, não digo fazer uma
descoberta, mas de fazer uma observação que teve consequências certamente de
grande importância técnica, mas que pela própria natureza do assunto, só podia
ser de interesse para alguns países tecnicamente avançados".[3]
Bernhard Gross [4]
[1] SBPMAT, História da pesquisa em Materiais: Joaquim da Costa Ribeiro e o
efeito termodielétrico, http://sbpmat.org.br/historia-da-pesquisa-em-materiais-joaquim-da-costa-ribeiro-e-o-efeito-termodieletrico/
[2] FARIA, Roberto Mendonça. Bernhard Gross: pai
da pesquisa em eletretos no Brasil. http://sbpmat.org.br/bernhard-gross-pai-da-pesquisa-em-eletretos-no-brasil/
[3] Cientistas do Brasil,
SBPC, 1998, páginas 143 a 157
[4] http://www.canalciencia.ibict.br/notaveis/bernhard_gross.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário