Segundo Nuno Carvalho:[1] “fazendo a patente parte dos ativos das pessoas jurídicas, o depósito do respectivo pedido em países estrangeiros é uma das mais eficazes e fáceis formas de investimento internacional (sem, no entanto, deixar de estar submetida a um certo grau de risco – o da contrafação em países onde a legislação específica é inadequada). E muitas vezes esse depósito antecede qualquer iniciativa de “joint venture” ou de colocação de produtos e de tecnologia nos mercados estrangeiros”.
Rapp e Rozek em estudo de 1990 avaliaram a intensidade dos sistemas de patentes em diferentes países e concluíram que os volumes de importação são significativamente e positivamente afetados por aumentos no índice de intensidade dos sistema de patentes, na maior parte dos grupos tecnológicos pesquisados, particularmente nos países de economias de grande e médio porte. Ao avaliar os investimentos de multinacionais norte americanas, Kumar mostra que a garantia dos direitos de propriedade intelectual mostrou-se significativa para o caso de países desenvolvidos, mas não para os países em desenvolvimento. [2] Sanyal verificou um coeficiente negativo quando esta análise foi feita tomando-se em conta apenas países em desenvolvimento.[3] Keith Maskus observa que o aumento dos direitos de propriedade intelectual tiveram uma correlação positiva com o investimento estrangeiro em países em desenvolvimento tais como o Brasil. [4] Por outro lado, estudo de Bermudez e outros mostra que no período 1992 a 1998 a balança comercial do setor farmacêutico mostra um acréscimo de 4700% nas importações ao passo que o total de importações cresceu 174% no mesmo período. O grande déficit no setor farmacêutico possui correlação direta com a aprovação da LPI no mesmo período.[5] No Brasil o total de remessas para ao exterior como pagamentos de royalties a título de propriedade industrial aumentou de 146 milhões de dólares em 1993 para cerca de 1,6 bilhão em 2004, conforme dados do Banco Central.[6] O Global Economic Prospects 2002 do Banco Mundial mostra que em termos de transferência líquida de capital após TRIPs as estimativas mostram que os Estados Unidos foram os maiores beneficiários com 19 bilhões de dólares seguidos de Alemanha com 6,7 bilhões de dólares, Japão com 5,6 bilhões de dólares, França com 3,3 bilhões e Inglaterra com 2,9 bilhões de dólares. Neste estudo o Brasil aparece com déficit de 500 milhões de dólares.[7]
Um relatório do Banco Mundial de 2005 conclui que as evidências sobre o impacto no investimento estrangeiro direto (FDI) em relação aos regimes de propriedade intelectual é inconclusivo.[8] Branstetter encontra uma correlação positiva entre patentes e FDI.[9] A proteção de propriedade intelectual é considerada componente essencial de um incremento no FDI para países acima de um determinado limiar de desenvolvimento econômico.[10] Fatores como liberalização de mercados e desregulamentação, políticas de desenvolvimento tecnológico, concorrência e baixos níveis de corrupção são outros fatores que exercem influência em decisões de FDI. Mariana Mazzucato mostra que o fator determinante para a Pfizer se transferir de Kent na Inglaterra para Boston nos Estados Unidos ocorreu devido aos investimentos do NIH de cerca de 30 bilhões de dólares no financiamento anual para indústria de fármacos.[11]
Estudos dos anos 1950 e 1970 no entanto tinham uma perspectiva bastante cética quanto aos potenciais benefícios do sistema de patentes na atração de investimentos estrangeiros. Em 1957 Vernon conclui que “os investidores ao contemplar investimentos externos não são aparentemente muito influenciados em suas decisões pela natureza da proteção das patentes que lhes é disponível. Numerosas pesquisas referentes aos fatores obstruindo ou encorajando investimentos externos, não levam muito a sério a questão da proteção das patentes”. Edith Penrose escrevendo em 1973 conclui: “a prova parece endossar a tese de que um maior número de concessão de patentes e invenções já patenteadas e em funcionamento no exterior, por parte de um país, não terá grande importância, de uma maneira ou de outra. Como indução ou obstáculo ao investimento estrangeiro”.[12] Robert Appy mostra estudo da Harvard Business Review de 1969 que aponta diversos fatores que influenciam na avaliação de um país pelo investidor estrangeiro. Entre os fatores com maior influência encontram-se as restrições ao repatriamento de capitais, discriminações e controles sobre o investimento estrangeiro, a livre convertibilidade da moeda nacional, a estabilidade política do país, o desenvolvimento de mercado de capitais e níveis controlados de taxas de inflação. O estudo não mostra a proteção da propriedade intelectual como um fator que seja considerado decisivo para as decisões dos investidores internacionais.[13]
Ian Cockburn destaca que além do papel da proteção a propriedade intelectual o interesse de empresas multinacionais em realizar pesquisa industrial fora de suas matrizes irá depender de fatores como preços, proximidade geográfica, canais de comunicação com outros pesquisadores que facilitem atuação em rede, disponibilidade de utilização de fundos públicos para pesquisa, formação de clusters de pesquisa, entre outros fatores. Lanjouw e Cockburn em estudo de 2001 mostram evidências de que a proteção patentária em países em desenvolvimento tem estimulado investimento em pesquisa em doenças tropicais até então negligenciadas.[14] Um estudo da OMC/OMPI/OMS mostra pesquisas da AstraZeneca em tuberculose e malária na Índia, GlaxoSmithKline na Espanha nas mesmas doenças, da Novartis em dengue, malária e tuberculose em Cingapura e em doenças de chagas nos Estados Unidos. [15] Segundo Jeffrey Sachs o desincentivo das empresas em investir em uma vacina contra malária é principalmente por casua do receio de que uma inventado um produto eficaz o mesmo seja apropriado por agências internacionais e governos alegando interesses de saúde pública[16]. Padzerka em estudo realizado em 1997 mostra que a introdução de licenças compulsórias no Canadá nos anos 70 resultou em uma dramática redução na P&D farmacêutica realizada no Canadá, efeito revertido com a remoção deste dispositivo nos anos 1990. Ian Cockburn observa que é difícil generalizar tal conclusão para outros países, particularmente com países com níveis baixos de renda e de P&D. Além disso a inovação no setor farmacêutico é extremamente complexa e atua em um mercado global, envolvendo uma série de variáveis.[17]
O papel das patentes neste caso é o de atrair os investimentos internacionais e facilitar a transferência de tecnologia. Dados da Sobeet mostram que o investimento estrangeiro direto no Brasil que em 1995 era de US$ 4.4 bilhões, elevou-se respectivamente para US$ 19 bilhões em 1997, ano de aprovação da LPI e para 32.8 bilhões em 2000. Esta fase marca os impactos da abertura comercial e financeira, privatizações, estabilidade econômica, de forma que é difícil avaliar qual a participação da aprovação da LPI em tal crescimento, no entanto, pode-se afirmar que esta contribuiu para criar um ambiente de maior segurança jurídica, que favorece novos investimentos.[18] No começo de 1992 ocorreu uma virada no fluxo de capitais para o Brasil em função da recessão que se iniciou nos Estados Unidos e espalhou-se pelo grupo do G-7 e que levou aos bancos centrais destes países em reduzir substancialmente suas taxas de juros, com isso aumentando o investimento estrangeiro em mercados emergentes, entre os quais o Brasil.[19]
Robert Appy[20] mostra que de 1947 a 1986 as remessas de lucros e dividendos efetuadas pelas empresas estrangeiras implantadas no Brasil atingiram 9,6 bilhões de dólares, inferior aos cerca de 11,2 bilhões de dólaresgastos em juros sobre a dívida externa em apenas um ano, 1985. Japão e Coreia mantiveram altos índices de pagamentos ao exterior para aquisição de tecnologia para capacitação de sua indústria. Jack Baranson[21] mostra que a necessidade dos países terem acesso aos mercados mundiais, os riscos políticos e incertezas econômicas de investimentos de capital no exterior e a mudança de ênfase das empresas multinacionais para intensificar atividades de P&D são fatores que tem levado a muitas empresas multinacionais em licenciar suas tecnologias para empresas estrangeiras e contribuir dessa forma para maior difusão tecnológica. Baranson mostra o exemplo da Cummings Engine Co. que licenciou e tecnologia de motores diesel com a japonesa Komatsu, o da Amdahl Co. que licenciou tecnologia na área de computadores para a japonesa Fujitsu. Em 1975 a Honeywell vendeu parte da propriedade de sua subsidiária francessa a Honeywell Bull a fim de ficar com um posição minoritária e desta form a poder se fundir com a CII francesa aproveitando-se desta forma dos subsídios do governo francês para atividades de P&D. Em outros casos a empresa licencia uma tecnologia da qual não tem planos de investimento imediatos como o caso do acordo da Motorola com a Matsushita no setor de televisores em cores. Em 1974 a brasileira Embraer licenciou da Nord para fabricação do Bandeirante, da aeronáutica Macchi para fabricação do Xavante e tecnologia da norte americana Piper para fabricação dos monoplanos Carioca, Corisco e Sêneca. Para a Piper foi uma oportunidade de atingir posições de mercado conquistadas no passado por sua concorrente Cessna no mercado brasileiro. As negociações com a Piper foram possíveis após fracassadas as negociações com a Cessna e a Beech Aircraft.[22] Esta capacitação tecnológica foi importante para a empresa se consolidar tecnologicamente como uma das empresas responsáveis pela maior contribuição na pauta de exportação brasileira com produtos de alta densidade tecnológica.
Em 1952 o holandês Anthony Fokker recebeu uma proposta do Ministério da Aeronáutica do Brasil propondo a construção de uma fábrica no Rio de Janeiro. O Coronel Casimiro de Abreu, idealizador do ITA que viria a ser no futuro o embrião da Embraer, encaminhou proposta para fabricação de 200 aviões Fokker a serem construídos no Brasil incluindo a fabricação de 50 jatos S-14, top de linha na época. Para o empreendimento o governo financiaria a criação da Fokker Indústria Aeronáutica com capital de 20 milhões de cruzeiros, divididos meio a meio com a empresa holandesa e um grupo de empresários nacionais. O Brasil teria uma fábrica de aviões e incorporaria a tecnologia dos holandeses. O acordo foi denunciado na imprensa pelo Brigadeiro Eduardo Gomes como uma negociata sob a acusação de uso de dinheiro publico para financiar interesses privados, frustrando-se assim uma iniciativa considerada promissora para tecnologia nacional na avaliação do Brigadeiro Casimiro de Abreu.[23] O projeto foi prejudicado pelo fim do governo Vargas em 1954 e a consequente substituição do Ministro da aeronáutica Nero Moura por Eduardo Gomes que logo ao assumir tentou anular o contrato com a Fokker, no entanto o Tribunal de Contas garantia à empresa o direito a lucros cessantes. O governo por sua vez retardou pagamentos, tornando a empresa inviável econômicamente, com entregas atrasadas até que veio a pedir concordata e sua fábrica no Galeão ser transformada em Parque de manutenção em 1965.[24]
[1] CARVALHO, Nuno. O sistema de patentes: um instrumento para o progresso dos países em desenvolvimento, Revista Informação Legislativa, a.19, n.76 out/dez 1982 p. 213-258.
[2] KUMAR, Nagesh. Intellectual Property protection, market orientation and location of overseas R&D activities by multinational enterprises. World Development, 1996, v.24, n.4, p.673-688 cf. FIANI, Ronaldo. A tendência à harmonização internacional da proteção de patentes e seus problemas. Revista de Economia Política, v.29, n.3, n.115, p.186, julho/setembro/2009
[3] SANYAL, Prabuddha. Intellectual property rights protection and location of R&D by multinational enterprises. Journal of Intellectual Capital, 2004, v.5, n.1,p.59-76 cf. FIANI.op.cit.p.186
[4] MASKUS, Keith. Intellectual property rights and economic development, 2000, 32 Case Western Reserve Journal of International Law, 447, p.471-506
[5] BERMUDEZ.op. cit. p. 82.
[6] JAGUARIBE, Roberto; BRANDELLI, Otávio. Propriedade intelectual: espaços para os países em desenvolvimento. In: VILLARES, Fabio. Propriedade intelectual: tensões entre o capital e a sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2007. p. 296. MORAES, Henrique Choer; BRANDELLI, Otávio. The development Agenda at WIPO. In: NETANEL, Neil Weinstock. The development agenda: global intellectual property and developing countries. Oxford University Press, 2009,p.42
[7] http://siteresources.worldbank.org/INTGEP/Resources/335315-1257200370513/gep2002complete.pdf (página 133, Tabela 5.1) cf. MAY, Christopher; SELL, Susan. Intellectual Property Rights: a critical history. Lynne Rjenner Publishers: London, 2006, p.187
[8] World Bank. Global Economic Prospects Trade, Regionalism, and Development, 2005, http://siteresources.worldbank.org/INTGEP2005/Resources/gep2005.pdf
[9] BRANSTETTER. Lee; FISMAN, Raymon; FOLEY, Fritz. Do stronger intellectual property rights increase international technology transfer ? Quarterly Journal of Economics, 2006, v.121, n.1, p. 321-349
[10] GERVAIS, Daniel. TRIPS 3.0: policy calibration and innovation displacement. In; NETANEL, Neil Weinstock. The development agenda: global intellectual property and developing countries. Oxford University Press, 2009,p.57
[11] MAZZUCATO, Mariana. O estado empreendedor: desmascarando o mito do setor público vs. setor privado, São Paulo:Portfolio Penguin, 2014, p.32
[12] UNCTAD. O papel do sistema de patentes na transferência de tecnologia aos países em desenvolvimento. Rio de Janeiro: Forense, 1979,p.177
[13] APPY, Robert. Capital estrangeiro & Brasil: um dossiê, Rio de Janeiro:José Olímpio Editora, 1987, p.56-57
[14] COCKBURN, Ian. Intellectual property rights and pharmaceuticals: challenges and opportunities for economic research. In: The economics of intellectual property: suggestions for further research in developing countries and countries with economies in transition, WIPO, 2009, p. 150.
[15] WTO, WIPO, WHO. Promoting Access to Medical Technologies and Innovation: Intersections between public health, intellectual property and trade, fevereiro 2013, p.122 http://www.wto.org/english/res_e/publications_e/who-wipo-wto_2013_e.htm
[16] MORRIS, Julian, Ideal Matter: a globalização e o debate sobre a propriedade intelectual. Rio de Janeiro:instituto Liberal, 2003 p.92
[17] COCKBURN.op. cit. p. 161.
[18] STAL, Eva; CAMPANÁRIO, Milton de Abreu; ANDREASSI, Tales; SBRAGIA, Roberto. Inovação: como vencer esse desafio empresarial; São Paulo: Clio Editora, 2006, p. 254; IDRIS, Kamil. Intellectual property, a power tool for economic growth, Geneva: WIPO, 2003, p. 38.
[19] COUTINHO, Luciano. Regimes macroeconômicos e estratégias de negócios: uma política industrial alternativa para o Brasil no século XXI. In: LASTRES, Helena; CASIOLATO, José; ARROIO, Ana. Conhecimento, sistemas de inovação e desenvolvimento, UFRJ:Rio de Janeiro, 2005, p. 437
[20] APPY, Robert. Capital estrangeiro & Brasil: um dossiê, Rio de Janeiro:José Olímpio Editora, 1987, p.116
[21] BARANSON, Jack. Tecnologia e as multinacionais: estratégias da empresa numa economia mundial em transformação.Rio de Janeiro:Zahar, 1980
[22] SILVA, Ozires. Nas asas da educação: a trajtória da Embraer, Rio de Janeiro:Elsevier, 2008, p. 124-140; SILVA, Oziris. A decolagem de um sonho: a história da criação da Embraer, São Paulo:Lemos Editorial, 1998, p.338-358
[23] MORAIS, Fernando. Montenegro: as aventuras no Marechal que fez uma revolução nos céus do Brasil, São Paulo:Planeta, 2006, p. 162
[24] BERTAZZO, Roberto Portella. A crise na indústria aeronáutica brasileira: 1945-1988. Universidade federal de Juiz de Fora, 2003 http://www.ecsbdefesa.com.br/fts/MRPB.pdf
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