Nos anos 70 uma proposta de Código de Conduta para a Transferência de Tecnologia, negociada na UNCTAD não saiu do papel principalmente pela falta de acordo entre os países em se caracterizar o que seria abuso do poder econômico. Na época, abuso do poder econômico para os países desenvolvidos de economia de mercado era o exercício de restrições à liberdade de concorrência, ao passo que os países em desenvolvimento tinham o foco na proteção e desenvolvimento da indústria nacional, seja com o auxílio, seja a despeito da concorrência[1].
O conceito de abuso de poder econômico como um instrumento de defesa da concorrência deve ser analisado em perspectiva histórica. Em 1938, a Courtaulds se uniu a ICI para fabricação de fios de nylon, um novo produto sintético inventado pela Du Pont.[2] Nestes acordos de cartelização as patentes desempenharam papel central. Por outro lado, a publicação de um artigo de 1931 para fabricação do nylon poly(6-caprolactam) feita pelos pesquisadores da DuPont Wallace Carothers e Gerard Berchet possibilitou que a empesa alemã I.G.Farben em 1938 desenvolvesse o nylon 6, vendido com Perlon[3], que fragilizou a patente da DuPont. Carothers começou por analisar a estrutura molecular da seda natural procurando imitá-la, chegando ao ácido adípico e a hexametilenodiamina ambos preparados a partir do benzeno e conhecido como nylon 6,6 (poli hexametileno adipamida) por cada uma das matérias primas conter seis átomos de carbono nas suas moléculas. [4] Depois deste episódio a DuPont adotou posturas mais rígidas quanto a divulgação dos resultados de suas pesquisas. [5] Carothers foi o primeiro químico orgânico dedicado à pesquisa industrial nos laobratórios da DuPont a ser eleito em 1936 membro da Academia de Ciências Norte Americana. [6]Em 1940 em uma fábrica em Delaware foi iniciada a produção comercial no nylon 66, apenas cinco anos após sua decoberta em laboratório. [7] O primeiro uso comercial do nylon em 1938 foi para produção de cerdas de escovas de dentes. Em 1939 forma produzidas meias em nylon com enorme sucesso comercial, cuja produção foi reduzida nos tempos de guerra para produção de paraquedas. Terminada a guerra a produção de meias foi retomada para uso civil.[8]
A mesma Lei nº 7666 de 1945 criou o CADE Comissão Administrativa de Defesa Econômica. Com a deposição de Vargas em outubro do mesmo ano, o seu sucessor, José Linhares, anunciou o veto à “lei malaia” como uma de suas primeiras medidas.[9] No entanto a influência desta lei se fez sentir no art. 148 da Constituição de 1946 que declarava no artigo 148 que “a lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos de empresas individuais ou sociais, seja qual for a natureza, que tenham por fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente os lucros”. [10]O CADE viria a ser recriado em 1962 como Conselho Administrativo de Defesa Econômica, porém, segundo Lúcia Salgado, sua ação de 1963 a 1990, inserida em um modelo econômico capitalista concorrencial pouco consolidado e as intervenções políticas de um Estado interventor e estruturador do mercado não trouxe a condenação de nenhuma empresa de grande porte no país.[11] Até 1975 apenas onze processos foram julgados pelo CADE.[12] A título de comparação no período entre a publicação da Lei n.8884/94 a 2011 houve apenas cinco decisões de rejeição (ou veto) de atos de concentração: (Grupo Gerdau / Korf GmdH em 1995; Nestlé Brasil Ltda / Chocolates Garoto S.A em 2004; Compagnie de Saint Gobain / Owens Corning em 2008; Polimix Concreto Ltda / Cimento Tupi S.A em 2010; Usina Nova América S.A et al em 2011). Segundo Eduardo Gaban as decisões tem sido mais precisas e suficientes para remediar problemas estruturais: “embora os números dêem conta de que uma operação de concentração raramente sofre rejeição por parte do CADE, isso não deve ser lido como um sinal de ineficácia da lei Antitruste no âmbito do controle de estruturas”.[13]
No ambiente pouco competitivo que marcou economia brasileira até os anos 1990 os mecanismos antitrustes no Brasil apresentaram pouca eficiência. Segundo a Conselheira do CADE Lúcia Helena Salgado: “a eficácia da adoção de uma política antitruste depende de que ela venha acompanhada de uma mudança radical no ambiente, tal como a abertura do mercado doméstico à competição das importações e/ou a desregulamentação dos mercados. Um fato como esse – um choque de competição – é necessário para modificar o sistema de crenças dos agentes econômicos, que em países como os da América Latina, nunca trataram como prioridade e valor o tema da concorrência”.[14]
Carlos Alberto Bello destaca que a legislação antitruste foi recolocada na agenda pública brasileira pelo governo Itamar Franco através do Decreto 8884/94, porém com objetivo de apoiar a adoção do Plano Real, não com o intuito principal o de reprimir o abuso de poder econômico e estimular a concorrência, mas sim, de atuar sobre os preços.[15] O conflito de interesses do CADE, de ação mais técnica, com órgãos de ação mais política como o SDE, levou a propostas no sentido de se esvaziar a atuação do CADE[16] o que, segundo Carlos Alberto Bello se mostra em sua atuação quando das privatizações ao meramente chancelar decisões de outros órgãos do governo e ao conferir às agências reguladoras a supervisão das tarifas de serviços públicos, por exemplo.[17] Para Carlos Alberto Bello o próprio CADE teve culpa neste processo ao não proferir discursos de justificação de suas decisões, alijando desta forma a sociedade desses processos, exceto pela mera publicidade das decisões: “a discricionariedade serviu como meio para que os conselheiros assumissem posturas visando a afirmar o seu poder”.[18]
O Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) formado nos termos da Lei n.8884/94 e atualizado pela Lei n. 12529/2011 é formado pela tríade Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE) e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) tem atuado de forma cada vez mais incisa na infrações contra à ordem econômica, porém, segundo a avaliação de Eduardo Gaban diante de um período de tempo relativamente curto de apenas 17 anos ainda não permitiu consolidar uma cultura concorrencial no país, tanto no ambiente empresarial como na sociedade como um todo. [19]
[1] BARBOSA, Denis. Licitações, Subsídios e Patentes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997, p. 88, 1997. SELL, Susan. Power and ideas: North-south politics of intellectual property and antitrust, State University of New York Press, Albany, New York, 1998. Cf. DRAHOS, Peter. The global governance of knowledge: patent offices and their clients. Cambrige University Press:United Kingdom, 2010, p.246
[2] HEXNER, Ervin. Carteles Internacionales. México: Fondo de Cultura, 1950, p. 444, DUARTE, Marcelo. O livro das invenções. São Paulo: Cia das Letras, 1997. p. 178.
[3] TROSSARELLI, L. The history of nylon. http://www.caimateriali.org/index.php?id=32
[4] READER’S DIGEST, História dos grandes inventos, Portugal, 1983, p. 264
[5] DRAHOS, Peter; BRAITHWAITE, John. Information feudalism: who owns the knowledge economy ? The New Press: New York, 2002, p.45
[6] Os Cientistas, São Paulo: Abril Cultural, 1972, v.3, p. 748
[7] STOKLEY, James. A ciência reconstrói o mundo, Rio de Janeiro:Ed. Globo,1951, p.45
[8] COUTEUR, Penny le; BURRESON, Jay. Os botões de Napoleão: as 17 moléculas que mudaram a história. Rio de Janeiro:Zahar, 2006, p.112
[9] http: //pt.wikipedia.org/wiki/Agamenon_Magalh%C3%A3es.
[10] FONSECA, João Bosco Leopoldino. Lei de Proteção da Concorrência: comentários à lei antitruste, Forense:Rio de Janeiro, 1995, p.25
[11] SALGADO, Lúcia Helena. A economia política da ação antitruste. São Paulo: Ed. Singular, 1997, p. 177.
[12] GABAN, Eduardo Molan; DOMINGUES, Juliana Oliveira. Direito antitruste. Saraiva:Rio de Janeiro, 2012,p.76
[13] GABAN, Eduardo Molan; DOMINGUES, Juliana Oliveira. Direito antitruste. Saraiva:Rio de Janeiro, 2012,p.121
[14] SALGADO.op. cit. p. 158.
[15] BELLO, Carlos Alberto. Autonomia frustrada: o CADE e o poder econômico, São Paulo: Boitempo Editorial, 2005, p. 81.
[16] BELLO.op. cit.p. 149.
[17] BELLO.op. cit.p. 237.
[18] BELLO.op. cit. p. 253, 161.
[19] GABAN, Eduardo Molan; DOMINGUES, Juliana Oliveira. Direito antitruste. Saraiva:Rio de Janeiro, 2012,p.274
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