No passado, em países de economia planificada, com reduzida competição entre os agentes econômicos a inovação era prejudicada e, portanto, o sistema de patentes tinha um papel reduzido neste cenário. Na China o período de economia planificada de Mao Tsé Tung enfraqueceu bastante os incentivos para a inovação no país, por exemplo, o país importou na década de 1950 o desenho e linhas de montagem de caminhões da União Soviética (modelo Liberation Truck) sendo incapaz de promover qualquer aperfeiçomento durante os quarenta anos em que foram produzidos. [1] A lei de patentes de 1950 seguia o modelo russo de certificados de invenção, porém com pouco efeito prático: de 1950 a 1963 apenas seis certificados de invenção e quatro patentes foram concedidas na China. [2]
Na URSS os inventos eram colocados a disposição das empresas estatais para sua exploração enquanto aos inventores cabia o direito a um certificado de autor de invenção que não lhe conferia qualquer direito material mas apenas o reconhecimento de um direito moral de ser reconhecido como inventor. Este procedimento foi introduzido por Lenin em seu Decreto sobre invenções de 30 de junho de 1919. Antes da Revolução de 1917 a Rússia, um país essencialmente agrário, possuía uma lei de patentes em vigor desde 1896 aos moldes da legislação alemã.[3] O novo regime de junho de 1919 confiscou ou nacionalizou todas as patentes até que em 1924 com o Nova Política Econômica (NEP) a legislação soviética introduziu os certificados de autor (avtorskoie svidetels’va)[4], mas ainda assim a legislação tinha muitos pontos em comum com a legilação alemã. A NEP foi adotada diante do fracasso da política anterior baseada no controle do fluxo de produção das próprias fabricas. Com a NEP foram introduzidos mecanismos de mercado a parcial reconstituição do capitalismo com a reabertura do comércio a varejo à propriedade e operações particulares sem o controle rígido de produção pelo Estado. A indústria em pequenas escala também retornou á propriedade privada. O período liberal da NEP se encerrou em 1927 de modo que uma nova lei de patente foi promulgada em 1931 que conferir ao inventor a posibilidade de solicitar uma patente submetida as restrições de exploração governamentais ou solicitar um certificado de autor reivindicando uma recompensa por sua invenção no caso da mesma ser explorada pelas cooperativas comunais.[5] Nos anos 1960 alguns países socialistas abandonaram o sistema de certificados de autor ou o modificaram substancialmente. A Hungria o aboliu em 1957 e a Iuguslávia em 1960. A Alemanha Oriental instituiu as denominadas “patentes econômicas” e as “patentes exclusivas”.[6]
Segundo Nuno Carvalho como base nestas patentes o governo soviético em apenas três anos chegou a depositar mais de trinta e cinco mil pedidos de patentes em outros países. Por esta razão que a Revisão de Estocolmo da CUP em 1967 inclui no Artigo 4(I) os certificados de autor de invenção como válidos para fins de reconhecimento do direito de prioridade.[7] Na Revisão de Lisboa em 1958 a proposta foi apresentada pela Romênia porém a delegaão de Israel foi contra a introdução no texto da CUP dos certificados de adição por entender que eram contrários a noção de uma patente e constitua na verdade na renúncia de um direito exclusivo. A Romênia contra argumentou que inventor era reconhecido pela autoria e era recompensado com um prêmio proporcional aos efeitos econômicos da invenção e portanto não havia qualquer abandono de direitos. Bulgaria, Tchecoslováquia e Hungria apoiaram a Romênia, enquanto os Estados Unidos numa posição conciliatória sugerir a inclusão no texto do artigo 4º da Convenção ao invés do artigo 1º deixando a qquestão para ser decidida na próxima Revisão da CUP.[8] Uma das Revisões da CUP nos anos 1970 tentou sem sucesso conceder igual status dos certificados de autor de invenção às patentes, o que significaria que um país poderia deixar de conceder patentes enquanto seus nacionais pela CUP continuariam com o direito de solicitar patentes nos países estrangeiros, evidenciando falta de reciprocidade uma vez que os ditos certificados não conferem os mesmos direitos que os de uma patente.[9] Em 1991 a Rússia aboliu os certificados de inventor. [10]
Dados da década de 1960 mostra que apenas 16% das patentes registradas receberam pagamentos pelo Estado. Segundo a legislação russa teriam direito a tais pagamentos apenas as invenções utilizadas na economia e que tenham tido um mínimo de rerorno econômico[11]. Mikhail Gorbachev diante do estado obsoleto da indústria soviética argumentava pela necessidade de uma reconstrução econômica (perestroika) que conferisse maior autonomia econômica das empresas rompendo os entraves à inovação tecnológica de um sistema de planejamento rigidamente centralizado e sem concorrência: “é um contra-senso que muitas conquistas dos cientistas soviéticos[12] fossem introduzidas no Ocidente com muito mais rapidez do que em nosso próprio país, como por exemplo, linhas de transportadores rotativos.[13] Também fomos lentos em outras situações. Fomos os primeiros a inventar a fundição contínua do aço. O que decorreu disso? Agora oitenta por cento do aço produzido em alguns países é fundido por nosso método; porém esse percentual é muito menor em nosso próprio país. O caminho de uma descoberta científica e sua aplicação nos modos de produção em nosso país é longo demais. Isso capacita os industriais de empresas estrangeiras a fazer dinheiro com ideias soviéticas. É lógico que tal situação não nos satisfaz”.[14] William Henderson aponta alguns exemplos de invenções russas que não trouxeram maior desenvolvimento na Russia: as máquinas de fiação de Glinkov, a máquin atomosférica de Palzunov, o processo de fundição de aço de Anusov, a locomotiva de Cherepanov, o telégrafo eletromagnético de Jacobi e a turbina de Kouzminsky.[15] Segundo Joseph Stigliz: “A teoria econômica que explicava o fracasso do comunismo era clara: o planejamento centralizado estava fadado ao fracasso porque nenhum órgão governamental podia coletar e processar todas as informações relevantes e necessárias para o bom funcionamento de uma economia. Sem porpriedades e lucros privados, havia carência de incentivos, em especial administrativos e empreendedores. O restrito regime comercial, combinado a enormes subsídios e preços estabelecidos de maneira arbotrária, significava que o sistema estava repleto de distorções”.[16]
De 1928 a 1932 foi elaborado o primeiro Plano Quinquenal com ênfase no incremento da produção na indústria pesada. O planejamento centralizado trazia contudo diversas dificuldades de operacionalização e sincronização da produção de diferentes cadeias industriais, por exemplo: “A fábrica da Bielorússia que tem 227 fornecedores parou sua linha de produção em 1962 por 17 vezes devido à flta de compoenentes de borracha 18 vezes devido à falta de mancais de rolamento e 8 vezes devido á falta de peças de transmissão”. O fabricante tem, portanto, pouca margem para por iniciativa própria buscar inovações tecnológicas que no final das contas contribuirão para um desequilíbrio no sistema. Um sistema de gratificações chegou a ser adotado para os que excedessem sua produção mas isso frequentemente levava a perda de qualidade dos produtos para o alcance de metas.[17] Ademais o controle excessivo do Estado exigia uma máquina administrativa burocrática que travava os mecanismos de inovação. Segundo Oskar Lange: “O real perigo do socialismo é a burocratização da vida econômica”.[18]
Peter Gatrell considera desigual o papel da tecnologia no desenvolvimento industrial soviético entre 1885 e 1941. Alguns setores como siderúrgico, químico, armamentos e geração de energia houve a adoção de tecnologia moderna, contudo em setores como construção e principalmente agricultura houve poucos sinais de inovação tecnológica[19] Trofim Lysenko como diretor do Instituto de Genética da Academia de Ciências da URSS adotou doutrinas antimendelianas que foram inseridas na ciência e educação soviéticas e protegidas por meio da força e influência política. Em seu trabalho de “vernalização” as sementes nascidas no outono eram imersas em água e depois congeladas, o que resultava em uma germinação mais rápida. O processo já era conhecido no século XIX. Quando Lissenko fez experiências com o trigo de inverno obteve sucesso, e mesmo as sementes plantadas na primavera amadureciam antes da chegada das geadas de outono. Ao fazer experiências com o trigo da primavera, Lissenko assumiu como fato que as mudanças induzidas pela vernalização tinham sido herdadas pelas gerações subseqüentes das plantas. A aplicação desta doutrina levou a grandes perdas na agricuktura soviética. Esse premissa era compatível com o pensamento marxista de que o meio ambiente e não a hereditariedade é o aspecto fundamento para transmissão das características herdadas pelos seres vivos. Para Lissenko seria possível produzir novas espécies de plantas apenas com a mudança de seus nutrientes. Famosos geneticistas soviéticos defensores das teses de hereditariedade mendeliana foram presos como por exemplo o cientista russo Nikolai Vavilov levado à prisão em 1941 onde veio a falecer dois anos depois. [20]
Alguns desenvolvimentos de cientistas soviéticos vieram a ser concluídos no Ocidente. Vladimir Zworykin desenvolveu em conjunto com seu professor de Engenharia na Universidade de São Petersburgo um televisor rudimentar no início do século XX. Zworykin que chegou a prestar serviço no exército russo como oficial de transmissões na I Guerra mundial foi aluno de Boris Rosing em S. Petersburgo, hoje Leningrado. [21] Rosing havia patenteado um tubo de raios catódicos capaz de promover uma variação de um feixe de elétrons sob a ação de campos magnéticos[22]. Com a Revolução Russa, Zworykin emigrou para os Estados Unidos onde trabalhando na Westinghouse e depois na RCA viria a desenvolver o iconoscópio precursor dos televisores comerciais, tendo-o patenteado em 1923 (US2141059). [23] O engenheiro russo Igor Sikorsky realizou suas primeiras experiências com helicópteros em 1908 quando tinha 19 anos. Durante a Revolução de 1917 emigrou para os Estados Unidos onde projetou aviões e fundou a empresa Vought-Sikorsky que empregava sobretudo russos. A família de Sikosky ocupava posições eminentes na regime czarista tendo se refugiado inicialmente anna rança para somente em 1919 ir para os Estados Unidos. Nos Estados Sikorsky obteve a patente US1848389 de 1932 e pode abrir sua própria empresa a Corporação de Engenharia Aérea Sikosky onde pode fazer em 1939 um acordo de investimentos com a United Aircraft para o desenvolvimento do helicóptero o VS-300 a configuração moderna do helicóptero com um rotor principal e um pequeno rotor na cauda, a chavae para resolver o problema de torue dos modelos da época. [24] Na indústria de armamentos o russo Mikhail Kalashnikov criador do fuzil AK47 comercializado a partir de 1947 não obteve qualquer retorno financeiro de sua invenção, embora existam cerca de 100 milhões de rifles de assalto originados do AK-47.[25] O modelo anterior AK-46 apresentava falhas técnicas. Kalashnikov e seu companheiro designer Zaitsev decidiu reformular completamente a concepção, com o uso de soluções técnicas bem sucedidas emprestadas de várias armas, incluindo seus concorrentes diretos como o modelo AB Bulkin-46, o Sudaev AS-44, o rifle de caça Remington modelo 8 projetado por Browning, entre outros. Essa cópia de ideias foi incentivada pelo governo soviético, pois toda a propriedade intelectual na URSS era considerada propriedade do ‘povo’, ou do Estado. Assim, todas as empresas estatais deveriam utilizar-se das propriedades intelectuais existentes. E a criação de um novo fuzil de assalto mais eficaz para o vitorioso Exército Soviético estava certamente no topo da lista das prioridades.[26] Konstantin Tsiolkovsky desenvolveu diversos projetos na área de foguetes propondo o uso de combustíveis líquidso com trabalhos publicados em 1903.[27]
[1] LIU, Xielin; WHITE, Steven. Comparing innovation systems: a framework and application to China’s Transitional Context, Research Policy, v.30, 2001. p.1091-1097, Cf. ORCUTT, John. Shaping China’s Innovation Future: university technology transfer in transition. Edward Elgar, 2010, p. 22
[2] DRAHOS, Peter. The global governance of knowledge: patent offices and their clients. Cambrige University Press:United Kingdom, 2010, p.225
[3] CAENEGEM, Van. Inventions in Russia: from public good to private property, v.4, 1993 Australian Intelllectual Property Journal, p.232 cf. DRAHOS, Peter. The global governance of knowledge: patent offices and their clients. Cambrige University Press:United Kingdom, 2010, p.223
[4] BELTRAN, Alain; CHAUVEAU, Sophie; BEAR, Gabriel. Des brevets et des marques: une histoire de la propriété industrielle, Fayard, 2001, p. 61
[5] VOJÁCEK, Jan. A survey of the principal national patent systems. New York:Prentice Hall, 1936, p.156
[6] LADAS, Stephen. Patents, trademarks and related rights, 1975, v.1, p.381
[7] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 55.
[8] LADAS, Stephen. Patents, trademarks and related rights, 1975, v.1, p.382
[9] GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.39
[10] DRAHOS.op.cit.p.277
[11] INKSTER, Ian. Science and technology in history, London:MacMillan, 1991, p. 13
[12] http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_Russian_inventors
[13] http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_Russian_inventions
[14] GORBACHEV, Mikhail. Perestroika: novas idéias para o meu país e o mundo. São Paulo: Ed. Best Seller, 1988, p. 106.
[15] HENDERSON, William. A revolução industrial, São Paulo:Edusp, 1979, p.64
[16] STIGLITZ, Joseph. A globalização e seus malefícios, São Paulo:Futura, 2002, p.182
[17] HEILBRONER, Robert. A formação da sociedade econômica, Rio de Janeiro:Zahar, 1979, p.279
[18] HEILBRONER, Robert. A formação da sociedade econômica, Rio de Janeiro:Zahar, 1979, p.349
[19] GATRELL, Peter. Reconceptualizing Russia’s industrial revolution. In: HORN, Jeff; ROSENBAND, Leonard; SMITH, Merritt Roe. Reconceptualizing the Industrial Revolution, London:MT Press, 2010, p.241
[20] RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência; a ciência nos séculos XIX e XX, Rio de Janeiro:Zahar, 2001, v.4, p.103
[21] READER’S DIGEST, História dos grandes inventos, Portugal, 1983, p. 318, 349
[22] PHILBIN, Tom. As 100 maiores invenções da história, Rio de Janeiro:DIFEL, 2006, p.31
[23] CHALLONER, Jack. 1001 invenções que mudaram o mundo. Rio de Janeiro:Ed. Sextante, 2010, p. 593
[24] READERS'S DIGEST, História dos grandes inventos, Portugal, 1983, p.176
[25] http: //pt.wikipedia.org/wiki/Mikhail_Kalashnikov.
[26] http: //pt.wikipedia.org/wiki/AK-47.
[27] PHILBIN, Tom. As 100 maiores invenções da história, Rio de Janeiro:DIFEL, 2006, p.344
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