segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Quais os direitos de uma patente de uso ?

Newton Silveira argumenta que a patente de segundo uso não confere qualquer direito prático a seu titular: “Este (o consumidor), se acha coberto pela exceção do inc. I do art. 43, que isenta os atos praticados por terceiros não autorizados em caráter privado e sem finalidade comercial. O que resta então? Anunciar, na embalagem ou na bula, a nova destinação do medicamento. Anunciar, então, seria o verbo que se aplicaria. No entanto esse verbo não se acha nas previsões do caput do art. 42, redigido em obediência ao Acordo TRIPs. Além do mais, tal proibição significaria violação ao direito constitucional de livre expressão. Não se vislumbra, assim, qualquer enquadramento nos verbos previstos no art. 42: produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar. Vejam-se os dois incisos do art. 42: produto objeto de patente – não é o caso, como exposto; processo patenteado – também não é o caso, pois não se trata de processo; portanto, também não se trata de produto obtido por processo patenteado. Qual poderia ser o teor de uma sentença proferida num processo de contrafação de patente de 2º uso? Proibir o réu de praticar 2º uso, ou sugerir ao consumidor tal 2º uso? Como se vê, não se trata de falta de atividade inventiva, mas de falta de previsão legal. Ou, falta de lógica...”. [1]

Segundo a OMPI[2] “uma reivindicação para uma substância ou composição, para uma utilização particular, deve ser construída significando uma substância ou composição que seja de fato adequada para o uso indicado; um produto conhecido, o qual, à primeira vista, é o mesmo da substância ou composição definida na reivindicação, mas, que se apresenta numa forma que poderia tornar a mesma inadequada para o uso indicado, não destituiria a reivindicação de novidade. Entretanto, se o produto conhecido se apresentar numa forma na qual o mesmo é de fato adequado para o uso indicado, embora nunca tenha sido descrito para esse uso, isto, geralmente iria destituir a reivindicação de novidade em muitas jurisdições”.

Segundo Denis Barbosa[3]: “o uso de um produto objeto de patente ou produto obtido diretamente por processo patenteado só é suscetível de restrição pelo titular até o momento que o mesmo tenha sido posto no mercado pelo titular ou com seu consentimento; uma vez que isso tenha se dado, esgota-se o direito, e não cabe mais exercer qualquer direito de exclusiva. Não pode o titular da patente, por exemplo, impedir a revenda do produto, ou cobrar royalties pelo uso, ou condicionar o uso a qualquer propósito específico. Se o comprador de um equipamento eletrônico patenteado de alta complexidade quiser utilizá-lo para peso de papéis [...] de nada mais pode se valer o titular da patente para impedir tal utilização. Fazê-lo, aliás, seria abuso de direito ou abuso do poder econômico”.  Segundo o TJDF[4] “o que a lei penal pune é o uso arbitrário de meios ou processos de realização da ideia com o fim de obter produtos ou resultados industriais e não o uso de coisa fabricada”.

O novo uso em geral implica em algumas adaptações do produto original, adaptações estas consideradas pouco inventivas, contudo, diante dos efeitos surpreendentes, este novo uso pode-se se mostrar patenteável. A reivindicação de produto protege tal produto para quaisquer usos. Uma patente de novo uso, se patenteável, configuraria uma patente dependente da patente de produto. Como patente dependente o titular desta patente de novo uso não poderá fabricar o produto, porém poderá adquiri-lo legalmente no mercado, fazer as adaptações necessárias para potencializar sua ação no novo uso e revendê-lo para este novo uso. Qualquer outra pessoa, ou mesmo o titular da patente de produto será excluído da fabricação deste produto para este novo uso, tal como o caso de qualquer outra patente dependente, ou seja, não poderá vender seu produto indicando este novo uso.

A rigor, as reivindicações de uso estão na mesma categoria de invenções que aquelas de processo, são reivindicações de "atividade", de modo que os direitos de uma patente de uso seriam os mesmos conferidoss pelapatente de método correspondente. Em alguns casos, elas se confudem e mais depende da forma que se redige a reivindicação. Segundo as Diretrizes do PCT uma reivindicação de “uso da substância X como inseticida” é considerada equivalente a “processo de matar insetos usando a substância X” e, portanto, uma reivindicação de uso é vista como reivindicação de processo[5]. Assim, uma reivindicação na forma indicada não deve ser interpretada como dirigida para a substância X, mas como pretendida para uso como inseticida. Contudo, uma reivindicação direcionada para o uso de um processo é equivalente a uma reivindicação direcionada ao mesmo processo
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Na EPO estas duas formas de reivindicação são consideradas equivalentes da mesma forma que “uso de um transitor em um circuito de amplificação” é equivalente a “processo de amplificação de sinais contendo um transistor”. Neste caso estas reivindicações não são equivalentes a um circuito de amplificação em que um transitor é utilizado, nem tampouco ao processo de utilização de um transitor na fabricação de tal circuito. Por outro lado uma reivindicação de uso de um processo deve ser entendida como equivalente a outra reivindicação referente ao processo.[6] No INPI na área de eletrônica este exemplo de circuito de amplificação usualmente não seria aceitos como reivindicações de uso mas na forma de processo.

Na Europa, em geral a EPC permite reivindicações de método ou de uso, porém se a reivindicação é escrita como método para realização de uma atividade (definindo uma sequência de etapas) ou pelo uso de algo para um determinado propósito (a sequência de etapas sendo implícita) é uma questão de preferência, pois para G5/83 de 1985, não há qualquer diferença de substância entre as duas redações. Por exemplo “método para prevenir a corrosão de metais pela aplicação ao metal de um composto de fórmula X” é equivalente a “uso de um composto de fórmula X como agente anti corrosivo para metais”. [7] Portanto, desde que as reivindicações de uso não sejam no campo relacionado a uso médico, não haverá qualquer tratamento especial para tais reivindicações. Na Alemanha reivindicações de uso são classificadas na categoria de reivindicações de processo. Estas se dirigem a proteção ao uso de uma substância ou aparelho conhecidos para se atingir determinado efeito ou um determinado produto final[8].

No Japão uma reivindicação de uso é interpretada como método de utilização de objetos que por sua vez é categorizado como processo. O uso de uma substância X como inseticida é interpretada como método de utilização da substância X como inseticida. O uso de uma substância para preparação de um medicamento para aplicação terapêutica Y (fórmula Suíça) é interpretada como método para utilização da substância X para preparação de medicamento para aplicação terapêutica Y. [9] Na Coreia mesmo se um produto contempla todas as características técnicas descritas na reivindicação, o examinador deve observar se o produto do estado da técnica é apropriado para o uso reivndicado ou se o mesmo necessitaria de adaptações para este uso. Por exemplo um gancho usado em guindastes possui determinada forma pleiteada na reivndicação. Um anzol do estado da técnica que apresentasse a mesma forma não poderia ser usado como anterioridade porque destinado a um uso distinto do reivindicado, e a utilização desta forma de gancho no guindaste obviamente necessitaria de adaptações.[10]

Na China uma reivindicação de uso pertence a categoria de processo. Contudo o examinador deve distinguir uma reivindicação de uso de uma reivindicação de produto. Por exemplo, uma reivndicação de inseticida contendo um composto X é considerada uma reivindicação de produto e não de uso. Desta forrma, reivindicações de uso do composto X como inseticida ou composto X para um inseticida são respectivamente reivindicações de uso e de produto. Enquanto reivindicações de uso da substância X para o tratamento de doenças é considerado método terapêutico. O uso de uma substância X para a preparação de um medicamento para tratar doença Y (fórmula Suíça) é considerado aceitável diante do Artigo 25.1(3) da lei de patentes. Por sua vez um produto conhecido não é considerado novo meramente porque um novo uso foi apresentado. Contudo a novidade do produto conhecido não destrói a novidade do novo uso, se este novo uso for considerado uma invenção. No caso de novos usos médicos se o novo uso é diretamente equivalente ao mecanismo de ação ou ação farmacológica do uso conhecido, então o escritório chinês entende não haver novidade neste novo uso. Se o uso porposto é apenas uma forma mais genérica de uso conhecido, então o uso conhecido (nível mais baixo) pode destruir a novidade do uso mais genérico (nível superior). Características reivindicadas quanto a forma de administração do medicamento (quantidades, dosagens, intervalo de administração, modo de aplicação) não habilitam o novo uso de novidade.[11]




[1] SILVEIRA, Newton. Patente de 2º uso. Revista Eletrônica do IBPI – Nr. 8, 2013 http://www.ibpibrasil.org/ojs/index.php/Revel/article/view/66/64
[2] Manual de Redação de Patentes da OMPI, IP Assets Management Series, 2007, p.157
[3] Uma Introdução à propriedade intelectual, Denis Barbosa, Rio de Janeiro:Lumen Juris, p. 465
[4] TJDF Recurso em sentido estrito 119, j. 01/03/1971, 1a Turma Cível. Relator Des. Juscelino José Ribeiro, publicação 08/07/1971, p.3408, Uma Introdução à propriedade intelectual, Denis Barbosa, Rio de Janeiro:Lumen Juris, p. 471
[5] item A5.21 PCT International Search and Preliminary Examination Guidelines, PCT Gazette, Special Issue, WIPO, 25 março 2004, S-02/2004
[6] EPO Guidelines 2010, Part C, Chapter III item 4.16
http://www.epo.org/law-practice/legal-texts/html/guiex/e/c_iii_4_16.htm
[7] GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.229
[8] Guidelines for the Examination procedure, Deutsches Patent und Markenamt. item 3.3.3.6 de 1 de março de 2004 P 2796.1 11.06 acessível em http://www.dpma.de/docs/service/formulare_eng/patent_eng/p2796_1.pdf
[9] Catalogue of remaining differences. First Draft supplemented with KIPO and SIPO contributions (mid 2011 version), p.21
http://www.trilateral.net/catalogue/catalogue.pdf
[10] Catalogue of remaining differences. First Draft supplemented with KIPO and SIPO contributions (mid 2011 version), p.22 http://www.trilateral.net/catalogue/catalogue.pdf
[11] Catalogue of remaining differences. First Draft supplemented with KIPO and SIPO contributions (mid 2011 version), p.23 http://www.trilateral.net/catalogue/catalogue.pdf

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