segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Suíça sec XIX: inovação sem patentes

A Suíça aboliu as patentes em 1850, tendo sido parcialmente restauradas em 1888. Eric Schiff[1] argumenta que na fase sem patentes a Suíça desenvolveu diversas inovações: a barra de chocolate ao leite por Daniel Peter (1875) ao combinar o cacau com leite condensado[2] inventado pelo alemão Henri Nestlé[3] sete anos antes;[4] a farinha láctea Nestlé (1865), ovomaltine inventado pela empresa suíça wander de Berna em 1904, o processo de conchagem do chocolate desenvolvido por Rudolf Lindt[5] (1879) e a sopa em pó de Julius Maggi[6] (1886). Mesmo com ausência de patentes o investidor norte americano Gail Borden associou-se a uma empresa suíça para formar a Anglo Swiss Condensed Milk Company para produção de leite condensado que mais tarde viria se unir à Nestlé[7]. A empresa alemã Knorr instalou-se na Suíça em 1907. Todos estes exemplos, contudo, referem-se a indústria de alimentos, matéria que manteve-se fora do sistema de patentes suíço mesmo após 1907.
No entanto a inovação suíça não se limitou à indústria de alimentos. A participação de empresas de maquinaria suíças nas feiras internacionais de Vienna em 1873 e de Zurique em 1883 mostraram um alto grau de diversificação tecnológica da indústria suíça, como por exemplo o tear de Caspar Honegger e a indústria  de motores Sulzer Brothers.[8] A indústria de equipamento eletromecânico estava em seu início quando a lei de 1888 começou a conceder patentes para estes equipamentos. Desde então começaram a surgir empresas que nas décadas seguintes iriam se firmar no mercado global como a Brown Bovery fundada em 1891. A fábrica de corantes baseado na malva iniciou suas atividades na Suíça em Basiléia apenas três anos após ser inventada por Perkin em 1857 na Inglaterra, e logo a Chemische Industrie in Basel (CIBA) se tornou líder de mercado de proporções globais. Eric Schiff constata que o crescimento industrial como a capacidade inovativas das indústrias suíças no período de ausência de patentes pode ser considerado vigoroso.
Referendos populares em 1866 e em 1882 rejeitaram proposta que dava ao poder legislativo autoridade para aprovar leis sobre propriedade industrial. Um movimento para reintroduzir o sistema de patentes em 1882 encontrou forte oposição por Geigy Merian fundador da Geigy AC mais tarde incorporada na Ciba Geigy e Novartis que denunciaram as patentes como o “paraíso de parasitas”. [9] Um grupo de industriais em 1884 emitiu memorando em que se referem que “no interesse da prosperidade geral da indústria e do comércio, a proteção por patentes, esta taça de tristezas, deve ser passada adiante”. [10] A proposta viria a ser aceita apenas em novo referendo em 1887. [11] A lei de 1888 contudo era bastante seletiva, não concedida patentes para produtos químicos e farmacêuticos, tampouco para processos em qualquer indústria e exigia depósito de modelos das invenções, em sua grande maioria na área mecânica.[12] As indústrias químicas alemãs financiaram os três referendos na Suíça até que finalmente conseguissem a aprovação para modificação da legislação suíça. [13] A lei suíça de 1888 excluía patentes da indústria química e têxtil com intuito de impedir a concessão de patentes às indústrias alemãs.[14] O país somente veio a restabelecer uma Lei de patentes em 1907, apesar da forte pressão internacional, especialmente das indústrias químicas alemãs, que se referiam as empresas imitadoras suíças como “barões do roubo” e “parasitas”[15] A ausência de uma lei de patentes foi apontado pelo presidente do Congresso em 1883 como um dos motivos de que muitas tecnologias na área de relojoaria mantinham-se em segredo retardando sua difusão.[16]
Pela CUP, os nacionais suíços conseguiam patentes no exterior, porém não as podiam solicitar em seu próprio pais, bem como os estrangeiros, preservando-se assim o princípio de tratamento nacional da CUP.[17] Embora as regras da CUP proibiam que a não adesão ao sistema patentes pudesse ser alvo de retaliações, a situação da Suíça, gerente do Bureau Central da OMPI em Berna, permanecia em situação constrangedora. Dados do Departamento suíço de Comércio indicam que a Suíça o maior índice de patentes concedidas no exterior por milhão de habitantes. O crítico W. Stuber observa que no início do século XX as indústrias alemãs pagavam aos imitadores suíços para que os mesmos não entrassem no mercado alemã: “desta forma, os ladrões eram recompensados – eles eram pagos por seu roubo”.[18]
Antes da primeira guerra mundial cerca de 75% do abastecimento mundial de corantes sintéticos eram de origem alemã. Depois de 1918 novos fabricantes de origem suíça, francesa, inglesa e norte americana já estavam no mercado. Neste ano, as empresas suíças Ciba, Sandoz e Geigy formaram um cartel para aumentar sua participação no mercado mundial. Em 1924 um acordo entre as empresas suíças e alemãs (Bayer, Badische, Kall e Hochst) realizaram um cartel na área de corantes sintéticos. Estes acordos basearam-se no reconhecimento mútuo de patentes e licenciamento cruzado de tecnologias. A participação das empresas suíças nestes acordos não teria sido possível sem uma legislação patentária.[19]




[1] SCHIFF, Eric, Industrialization without national patents: The Netherlands, 1869-1912; Switzerland, 1850-1907. Princeton, 1971, cf. MERGES, Robert; MENELL, Peter; LEMLEY, Mark. Intellectual property in the new technological age. Aspen Publishers, 2006. p.122
[2] DUARTE, Marcelo. O livro das invenções. São Paulo: Cia das Letras, 1997. p. 66.
[3] http: //en.wikipedia.org/wiki/Henri_Nestl%C3%A9.
[4] http: //www.swissworld.org/en/people/portraits_chocolate_makers/daniel_peter/.
[5] http: //www.swissinfo.ch/por/Incursao_pelo_mundo_do_chocolate.html?cid=4254902.
[6] http: //en.wikipedia.org/wiki/Julius_Maggi.
[7] http://en.wikipedia.org/wiki/Nestl%C3%A9
[8] SCHIFF, Eric. Industrialization without national patents, Princeton University Press, 1971, p.99
[9] GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.25
[10] SCHIFF, Eric. Industrialization without national patents, Princeton University Press, 1971, p.87
[11] UNCTAD. O papel do sistema de patentes na transferência de tecnologia aos países em desenvolvimento. Rio de Janeiro: Forense, 1979,p.111; SCHIFF, Eric. Industrialization without national patents, Princeton University Press, 1971, p.85
[12] DRAHOS, Peter. The global governance of knowledge: patent offices and their clients. Cambrige University Press:United Kingdom, 2010, p.105
[13] MAY, Christopher; SELL, Susan. Intellectual Property Rights: a critical history. Lynne Rjenner Publishers: London, 2006, p.131
[14] BARBOSA, Denis Borges; MAIOR, Rodrigo Souto; RAMOS, Carolina Tinoco, O contributo mínimo em propriedade intelectual: atividade inventiva, originalidade, distinguibilidade e margem mínima. Rio de Janeiro: Lumen, 2010. p. 119.
[15] CHANG, Ha Joon. Chutando a escada: a estratégia de desenvolvimento em perspectiva histórica. São Paulo: UNESP, 2005.; SCHIFF, Eric. Industrialization without national patents, Princeton University Press, 1971, p.94
[16] SCHIFF, Eric. Industrialization without national patents, Princeton University Press, 1971, p.91
[17] BARBOSA, Denis. Usucapião de patentes e outros estudos de propriedade industrial . Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 320.
[18] SCHIFF, Eric. Industrialization without national patents, Princeton University Press, 1971, p.89
[19] HEXNER, Ervin. Carteles Internacionales. México: Fondo de Cultura, 1950, p. 363.

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