quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Equivalência entre reivindicações de método e sistema

Um método de fazer negócios não é patenteável, independentemente de ser reivindicado como sistema ou método por infringir o Artigo 10 inciso iii da LPI. Um método financeiro implementado em um sistema físico conhecido da técnica não adquire patenteabilidade simplesmente por ser reivindicado como sistema. A mera automação ou a implementação na internet de um método de fazer negócios, não garante que este objeto seja passível de patenteabilidade. A mera automação de um método já existente, que envolva agentes humanos, não é passível de patenteabilidade, por falta de atividade inventiva. Se um método financeiro é reescrito na forma de reivindicação de sistema descrevendo as mesmas etapas do método financeiro, este pedido continuará indeferido por Artigo 10. Por exemplo: Método de pagamento de contas caracterizado por emitir boleto, cliente ir ao banco e o pagamento ser compensado. Este método configura método financeiro e incide no Artigo 10. Da mesma forma não é considerada invenção uma reivindicação de sistema de pagamento de contas caracterizado por meios para emitir boleto, meios de compensação, em que os ditos meios, bem como sua combinação, são conhecidos da técnica. A suposta invenção estaria no método embutido neste sistema, ou seja, nas etapas do método executado por este sistema, estas por serem configuradas como etapas de um método financeiro não são levadas em conta na avaliação de atividade inventiva. Neste exemplo a reivindicação de sistema diz respeito apenas aos aspectos financeiros e etapas de um método financeiro e desta forma, a reivindicação não configura uma reivindicação de sistema, mas uma reivindicação de método. Esta reivindicação de sistema reescrita na forma de ‘meios mais funções’ é interpretada da mesma forma que sua equivalente de método para fins de aferição do Artigo 10 da LPI.
O TJRJ em Carlos Oliveira v. União de Bancos Brasileiros S/A, Varig e Rio Sul Linhas Aéreas decidiu que “O objeto da lide é, seguramente, um método comercial e, como tal, não pode ser considerado como Invento ou Modelo de Utilidade. Aplicação do inciso III do artigo 10 da lei 9.279/96. Ineditismo do projeto que não se demonstrou, comprovando-se, ao revés, sua pré-existência”. [1] Alega o autor que elaborou projeto para criação e implantação de cartão de crédito e de milhas (Smiles) em um mesmo cartão. Segundo o juiz: “A criativa ideia do autor, como de sua pretensa propriedade, consiste em um método comercial visando o acoplamento da funcionalidade de um cartão de crédito ao programa de fidelização “Smiles” das empresas rés. Portanto, trata-se de um método comercial que segundo o próprio autor, tinha como objetivo atrair e alavancar maior número de clientes. Essa ideia criativa, repita-se, não tem amparo na Lei que regula os direitos autorias, conforme expressamente previsto no Artigo 8º da Lei 9610/98. No mencionado diploma legal são objeto de proteção a criação e utilização das obras estéticas do autor. Assim, as obras que alcançam finalidades estéticas é que se incluem no âmbito do direito autoral, o que não ocorre na espécie. Ao revés, o produto ideado pelo autor tem a aplicação comercial com função utilitária, daí porque é no código da propriedade industrial que estaria em tese, reservado o seu campo de proteção. Contudo, nem mesmo naquele diploma legal poderia estar respaldada sua pretensão (inciso III do artigo 10 da Lei 9279/96)”.
O TJSP em Cobtec – Tecnologia em Cobrança e Informação S/A v. Câmara Interbancária de Pagamentos [2] analisou o pedido de patente MU7801622 referente a sistema de cobrança bancária realizado através de sistema eletrônico de caixas postais individualizadas caracterizado por dispensar a utilização do serviço de correios (3) e efetuar as cobranças bancárias através de sistema eletrônico de caixas postais (2) individualizadas, beneficiando os principais participantes do sistema, os quais são o cliente sacado (1), o banco do sacado (4), o cliente cedente (5) e por último, o banco do cedente (6), sendo que as grandes oportunidades e vantagens para utilização deste sistema são para o mercado já participante de serviços de cobrança bancária com grande volume de sacados tais como aqueles originais de clientes cedentes (5) com carteira periódica de pagamentos. O pedido foi indeferido pelo INPI e a decisão mantida em sede recursal. A Corte seguiu entendimento do INPI: “como apurado na decisão de indeferimento do registro de patente, trata-se de método financeiro e comercial que não preenche os requisitos de patenteabilidade, não incluindo software que tivesse sido desenvolvido pela recorrente. A Lei da Propriedade Industrial Lei 9279/96 dispõe em seu art.10 não se considerar invenção nem modelo de utilidade os métodos comerciais e financeiros, assim com a Lei de Direitos Autorais (Lei 9610/98) em seu artigo 8º exclui os sistemas e métodos de proteção inerentes à propriedade imaterial. Da simples leitura dos desenhos que compõe o pedido de patente não se extrai atividade inventiva ou criação de utilidade, mas simplesmente propôs envio de correspondência por meio eletrônico (caixa postal eletrônica), ao invés de enviar tudo por correio ou mensageiro. Noutras palavras, trata-se de mera ideia de utilização de meio eletrônico, que antes já existia”.
Contudo, dada uma patente de: “Método caracterizado por realizar as etapas A, B e C”, e “Sistema caracterizado por meios para realizar A, meios para realizar B e meios para realizar C”, apesar de ser uma reivindicação dita equivalente à reivindicação de método, o escopo de proteção pode ser distinto especialmente para caracterização de uma contrafação por contribuição, em que mais de uma pessoa participa da contrafação de forma colaborativa. Se assumirmos a mesma pessoa acusada de contrafação, podemos dizer que a realização do sistema necessariamente implica a realização do método e desta forma o escopo de proteção da reivindicação de sistema, neste caso, também confere proteção á reivindicação de método.
Nos Estados Unidos o Federal Circuit na decisão BMC v. Paymentech, 498 F.3d.1373, 1381 (Fed. Cir. 2002) concluiu que em uma reivindicação de método é necessário que o contrafator realize todas as etapas do método para que se configure a contrafação. No caso de uma reivindicação de método que descreve a funcionalidade de um sistema computacional, muitas das etapas descritas não são executadas pelo usuário final o que descaracteriza a contrafação pelo usuário do sistema. Em Centillion Data Systems, v. Qwest, 2010-2220, 1131 (Fed. Cir. 2011) ao invés de estender este mesmo conceito para reivindicações de sistema, a Corte entendeu que reivindicações de método e de sistema tem escopo distinto, observando que o uso de uma reivindicação de sistema ocorre no local em que o sistema como um tempo é colocado em operação pelo usuário e não onde cada uma de suas partes é executada remotamente. Assim o usuário não precisa ter o controle físico de todos os elementos citados na reivindicação de sistema, basta que ponha o sistema a operar com o modo descrito na reivindicação. Com base nesta decisões recomenda-se ao depositante no caso de uma invenção patenteável descrever sua invenção na forma de reivindicações de método e de sistema, para melhor garantir sua proteção em caso de litígio.[3]
Diversos casos na justiça norte-americana tem discutido a caracterização de contrafação seja direta ou por contribuição para reivindicações de método em que cada etapa é realizada pelo contrafator de forma isolada. A resposta tem sido a de que quando as ações de diferentes partes podem ser combinadas para realizar as etapas descritas na reivindicação, somente haverá infração direta se uma destas partes possui o controle ou o direcionamento sobre todo o processo de modo que cada uma destas ações pode ser imputada como tendo sido realizada sob o comando da parte que detém o controle do processo (Akamai Technologies, Inc. v. Limelight Networks, Inc.; McKesson Technologies Inc. v. Epic Systems Corp.).
Para a configuração de contrafação por contribuição é necessário que antes alguém tenha sido identificado como realizando contrafação direta. Em SiRF Technology, Inc. v. International Trade Commission o Federal Circuit, ao contrário, conclui pela necessidade de que todas as ações descritas na reivindicação de método devam ser realizadas por apenas uma das partes para se caracterize a contrafação. No caso a Corte entendeu que todo o processo, que descrevia um método de utilização de GPS, recepção e transmissão de dados via satélite, era controlado por chips e caberia ao usuário final meramente ativar o serviço, desta forma configurando a contrafação.[4]
Joseph Root destaca outro aspecto na construção de reivindicações de diferentes categorias. Trata-se de uma forma de se garantir que limitações de uma reivindicação não venham a ser usadas para restringir uma outra reivindicação, garantindo assim uma proteção mais ampla. Em DSW Inc. v Shoe Pavilion Inc[5] a patente referente a sistema e método de armazenamento e exibição de um estoque de sapatos para autoatendimento pelos clientes de uma loja incluía reivindicações tanto de sistema como de método. O método descrevia elementos móveis em geral, ao passo que a reivindicação de sistema detalhava tais elementos como dispostos na forma de trilho e uso de rolamentos. A Corte entendeu que a reivindicação de método não incorpora tais limitações da reivindicação de sistema.
O fato de uma criação ser aplicada a um sistema conhecido ou que este envolva software, não é suficiente para garantir a sua patenteabilidade, posto que, se a atividade inventiva, que a destaca do estado da técnica, se concentrar em aspectos financeiros, esta será considerada como um método de fazer negócios. Aparelhos, desde que novos e dotados de atividade inventiva, são passíveis de patenteabilidade, ainda que aplicados ao campo a que se refere o artigo 10 inciso iii da LPI. No caso de um “Método caracterizado pelas etapas A, B e C” sendo o método a solução de problema técnico não incidente no Artigo 10 da LPI a reivindicação na forma “Programa de computador caracterizado para realizar as etapas A, B e C” será rejeitada por implicar na proteção do programa de computador em si. Desta forma, não podemos dizer que estas duas reivindicações sejam equivalentes, pois protegem elementos distintos. A realização do método não necessariamente implica a realização de um programa de computador uma vez que em tese o dito método pode ser implementado por hardware. Não há portanto aqui a simetria entre a reivindicação de método e de sistema que implementa o mesmo método na forma de “meios mais funções” citado como exemplo anteriormente.



[1] TJRJ 0116298-68.2003.8.19.0001 (2004.001.19066) - APELACAO 1ª Ementa Relator: DES. CELSO FERREIRA FILHO - Julgamento: 01/09/2004 - DECIMA QUINTA CAMARA CIVEL Data de Julgamento: 01/09/2004 htt://www.tjrj.jus.br
[2] TJSP 0182386-77.2009.8.26.0100   Apelação Relator(a): Mendes Pereira  Comarca: São Paulo  Órgão julgador: 7ª Câmara de Direito Privado  Data do julgamento: 25/04/2012  Data de registro: 08/05/2012  Outros números: 01823867720098260100 
[3] KALOW, David.; SPRINGUT, Milton. Patent infringment and systems claims in the information age. New York Law Journal. v.245, n.42, 4 mar. 2011, http://www.creativity-law.com/wp-content/uploads/2011/05/NYLJ_-2011-_Patent-Infringement-and-Systems-Claims-in-the-Information-Age_.pdf
[4] When “valid” patent claims are not enforceable Taft Stettinius & Hollister LLP Anthony P. Filomena II USA July 18 2011, http://www.lexology.com/library/detail.aspx?g=98b31541-f3b8-4ff8-9bd6-34141c249bbd ; FABER, Robert. Faber on Mechanics of Patent Claim Drafting (Sixth Edition), 2012, p.4-30
[5] 537 F.3d 1342, 87 USPQ 2d (BNA) 1687 (Fed. Circuit. 2008) cf. ROOT, Joseph. E. Rules of Patent Drafting from Federal Circuit Case Law. Oxford University Press, 2011, p.42

Um comentário:

  1. “Alega o autor que, na qualidade de funcionário da 2ª Ré, elaborou o projeto para criação e implementação do Cartão de crédito e de milhas (Smiles) (...) No tocante ao método de comercialização “compra premiada”, tenho que, nos termos do art. 10 da Lei nº 9.279/96, não é considerado invenção nem modelo de utilidade, logo, não há que se falar em registro de patente e pretensão de exclusividade como pretende”. Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, 1ª Câmara Cível, Des. Jorge Maluf, AC 29.782/2008, Julgado em 02.04.2009.

    "A pretensão relativa à indenização pela propriedade intelectual no presente caso não é devida, pois busca o apelante ser indenizado pela propriedade intelectual relativamente a um sistema denominado 'Plano de Lubrificação', o qual, supostamente, está sendo utilizado pela apelada para obtenção de lucro com a venda de seus produtos. Sobre referido sistema, explicita o autor na petição inicial que:
    "(...) o objetivo do plano se resume na implantação de um sistema feito exclusivamente para os clientes consumidores de óleo Mobil (fazendas, empresas de ónibus, transportadoras, frotistas, construtoras, etc) visando a garantia da fidelidade com a marca, porque o cliente fica dependendo da manutenção que é acompanhada pelo distribuidor do produto, tudo através da análise periódica dos lubrificantes inseridos nas máquinas e implementos, o que consequentemente diminui o período de troca e lubrificação, gerando redução de custos para o usuário em razão de diminuir o desgaste de peças e, aumentando consideravelmente a venda de óleo da marca Mobil, o que se resume em aumento de lucros." (...)
    E, segundo referida descrição, verifica-se que o suposto invento, na verdade, nada mais é que uma estratégia de vendas, consistente no controle da troca de óleo das máquinas, visando a reposição em menor período de tempo, para, com isso, aumentar as vendas. Assim, não há como considerar aludido plano um invento, capaz de se enquadrar nas espécies da propriedade intelectual, porquanto, como dito, consiste apenas numa planilha de controle dos gastos dos produtos vendidos pela empresa que pertencia ao apelante.Assim, restando afastada a propriedade intelectual, não há que se falar em indenização pelo seu uso." TJMS, AC . 2010.037338-2/0000-00,Quinta Turma Cível, Des. Sideni Soncini Pimentel, 9/12/2010.

    “O objeto da lide é, seguramente, um método comercial e, como tal, não pode ser considerado como Invento ou Modelo de Utilidade. Aplicação do inciso III do artigo 10 da lei 9.279/96. Ineditismo do projeto que não se demonstrou, comprovando-se, ao revés, sua pré-existência”. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, 15ª Câmara Cível, Des. Celso Ferreira Filho, AC 2004.001.19066, Julgado em 01.09.2004.

    “Planos de sorteios. Estes planos não são privilegiáveis, face ao que preceitua expressamente o art. 3. do Código de Propriedade Industrial, Lei n. 5772/71. Quem não é titular da patente não pode pleitear indenização com fundamento em lesão à propriedade industrial. O registro no Cartório de Títulos e Documentos não concede as garantias que o Código de Propriedade Industrial outorga às patentes”. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, 10ª Câmara Cível, Des. Jose Rodriguez Lema, AC 1995.001.08514, Julgado em 28.03.1996.

    “Estilos, métodos ou técnicas não são objetos de proteção intelectual (Art. 8º, I e II, da Lei 9.610/98). O que se tem sob guarida legal são as obras resultantes da utilização de estilos, métodos ou técnicas. (REsp 906.269/BA, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/10/2007, DJ 29/10/2007, p. 228)

    “Invenções, idéias, sistemas e métodos não constituem obras intelectuais protegidas pelo Direito Autoral, porquanto a criação do espírito objeto da proteção legal é aquela de alguma forma exteriorizada. Assim, obra intelectual protegível, o sentido que lhe dá o art. 5o. da Lei 5.988/73, é sempre a forma de expressão de uma criação intelectual e não as idéias, inventos, sistemas ou métodos.” 1a. Câmara do Conselho Nacional de Direito Autoral

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