quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Patentes na URSS

Em países de economia planificada com reduzida competição entre os agentes econômicos, a inovação era prejudicada e o sistema de patentes tinha pouca relevância neste cenário. Na URSS os inventos eram colocados a disposição das empresas estatais para sua exploração enquanto aos inventores cabia o direito a um certificado de autor de invenção que não lhe conferia qualquer direito material mas apenas o reconhecimento de um direito moral de ser reconhecido como inventor. Este procedimento foi introduzido por Lenin em seu Decreto sobre invenções de 30 de junho de 1919. Antes da Revolução de 1917 a Rússia, um país essencialmente agrário, possuía uma lei de patentes em vigor desde 1896 aos moldes da legislação alemã.[1] Segundo Nuno Carvalho como base nestas patentes o governo soviético em apenas três anos chegou a depositar mais de trinta e cinco mil pedidos de patentes em outros países. Por esta razão que a Revisão de Estocolmo da CUP em 1967 inclui no Artigo 4(I) os certificados de autor de invenção como válidos para fins de reconhecimento do direito de prioridade.[2] Uma das Revisões da CUP nos anos 70 tentou sem sucesso conceder igual status dos certificados de autor de invenção às patentes, o que significaria que um país poderia deixar de conceder patentes enquanto seus nacionais pela CUP continuariam com o direito de solicitar patentes nos países estrangeiros, evidenciando falta de reciprocidade uma vez que os ditos certificados não conferem os mesmos direitos que os de uma patente.[3] Em 1991 a Rússia aboliu os certificados de inventor. [4]

Mikhail Gorbachev diante do estado obsoleto da indústria soviética argumentava pela necessidade de uma reconstrução econômica (perestroika) que conferisse maior autonomia econômica das empresas rompendo os entraves à inovação tecnológica de um sistema de planejamento rigidamente centralizado e sem concorrência: “é um contra-senso que muitas conquistas dos cientistas soviéticos[5] fossem introduzidas no Ocidente com muito mais rapidez do que em nosso próprio país, como por exemplo, linhas de transportadores rotativos.[6] Também fomos lentos em outras situações. Fomos os primeiros a inventar a fundição contínua do aço. O que decorreu disso? Agora oitenta por cento do aço produzido em alguns países é fundido por nosso método; porém esse percentual é muito menor em nosso próprio país. O caminho de uma descoberta científica e sua aplicação nos modos de produção em nosso país é longo demais. Isso capacita os industriais de empresas estrangeiras a fazer dinheiro com ideias soviéticas. É lógico que tal situação não nos satisfaz”.[7]

 Peter Gatrell considera desigual o papel da tecnologia no desenvolvimento industrial soviético entre 1885 e 1941. Alguns setores como  siderúrgico, químico, armamentos e geração de energia houve a adoção de tecnologia moderna, contudo em setores como construção e principalmente agricultura houve poucos sinais de inovação tecnológica[8] Trofim Lysenko como diretor do Instituto de Genética da Academia de Ciências da URSS adotou doutrinas antimendelianas que foram inseridas na ciência e educação soviéticas e protegidas por meio da força e influência política. Em seu trabalho de “vernalização” as sementes nascidas no outono eram imersas em água e depois congeladas, o que resultava em uma germinação mais rápida. O processo já era conhecido no século XIX. Quando Lissenko fez experiências com o trigo de inverno obteve sucesso, e mesmo as sementes plantadas na primavera amadureciam antes da chegada das geadas de outono. Ao fazer experiências com o trigo da primavera, Lissenko assumiu como fato que as mudanças induzidas pela vernalização tinham sido herdadas pelas gerações subseqüentes das plantas. A aplicação desta doutrina levou a grandes perdas na agricultura soviética. Esse premissa era compatível com o pensamento marxista de que o meio ambiente e não a hereditariedade é o aspecto fundamento para transmissão das características herdadas pelos seres vivos. Para Lissenko seria possível produzir novas espécies de plantas apenas com a mudança de seus nutrientes. Famosos geneticistas soviéticos defensores das teses de hereditariedade mendeliana foram presos como por exemplo o cientista russo Nikolai Vavilov levado à prisão em 1941 onde veio a falecer dois anos depois. [9]

Alguns desenvolvimentos de cientistas soviéticos vieram a ser concluídos no Ocidente. Vladimir Zworykin desenvolveu em conjunto com seu professor de Engenharia na Universidade de São Petersburgo um televisor rudimentar no início do século XX. Com a Revolução Russa, Zworykin emigrou para os Estados Unidos onde trabalhando na Westinghouse e depois na RCA viria a desenvolver o iconoscópio precursor dos televisores comerciais. [10] Na indústria de armamentos o russo Mikhail Kalashnikov criador do fuzil AK47 comercializado a partir de 1947 não obteve qualquer retorno financeiro de sua invenção, embora existam cerca de 100 milhões de rifles de assalto originados do AK-47.[11] O modelo anterior AK-46 apresentava falhas técnicas. Kalashnikov e seu companheiro designer Zaitsev decidiu reformular completamente a concepção, com o uso de soluções técnicas bem sucedidas emprestadas de várias armas, incluindo seus concorrentes diretos como o modelo AB Bulkin-46, o Sudaev AS-44, o rifle de caça Remington modelo 8 projetado por Browning, entre outros. Essa cópia de ideias foi incentivada pelo governo soviético, pois toda a propriedade intelectual na URSS era considerada propriedade do ‘povo’, ou do Estado. Assim, todas as empresas estatais deveriam utilizar-se das propriedades intelectuais existentes. E a criação de um novo fuzil de assalto mais eficaz para o vitorioso Exército Soviético estava certamente no topo da lista das prioridades.[12]

Mikhail Kalashnikov




[1] CAENEGEM, Van. Inventions in Russia: from public good to private property, v.4, 1993 Australian Intelllectual Property Journal, p.232 cf. DRAHOS, Peter. The global governance of knowledge: patent offices and their clients. Cambrige University Press:United Kingdom, 2010, p.223
[2] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 55.
[3] GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.39
[4] DRAHOS.op.cit.p.277
[5] http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_Russian_inventors
[6] http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_Russian_inventions
[7] GORBACHEV, Mikhail. Perestroika: novas idéias para o meu país e o mundo. São Paulo: Ed. Best Seller, 1988, p. 106.
[8] GATRELL, Peter. Reconceptualizing Russia’s industrial revolution. In: HORN, Jeff; ROSENBAND, Leonard; SMITH, Merritt Roe. Reconceptualizing the Industrial Revolution, London:MT Press, 2010, p.241
[9] RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência; a ciência nos séculos XIX e XX, Rio de Janeiro:Zahar, 2001, v.4, p.103
[10] CHALLONER, Jack. 1001 invenções que mudaram o mundo. Rio de Janeiro:Ed. Sextante, 2010, p. 593
[11] http: //pt.wikipedia.org/wiki/Mikhail_Kalashnikov.
[12] http: //pt.wikipedia.org/wiki/AK-47

Nenhum comentário:

Postar um comentário