quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Fraudes em patentes ?

Em dezembro de 2003 o pesquisador coreano da Universidade de Seul, Woo Suk Hwang, junto com outros 19 outros pesquisadores depositou o pedido WO2005063972 sobre transferência de núcleo de célula tronco humana. Posteriormente a Universidade veio a público se desculpar pelo fato de que as pesquisas foram fraudadas e a experiência de fato não obtivera êxito. Mesmo com o reconhecimento da fraude pela Universidade o USPTO concedeu a patente US8647872[1] em fevereiro de 2014. O depósito equivalente no Brasil é o pedido PI0418310 ainda não examinado[2].
Em 1989 dois pesquisadores norte americanos da Universidade de Utah, Martin Fleishmann e Stanley Pons anunciaram em uma entrevista coletiva que haviam tido êxito em um experimento de fusão a frio. A Universidade de Utah depositou patentes da nova tecnologia e anunciou sua invenção antes de qualquer publicação científica para garantir sua prioridade[3]. A tentativa frustrada de outros pesquisadores em reproduzir o experimento demonstrou claramente que a patente não havia suficiência descritiva e de que erros em medições teriam feito os cientistas a supor que haviam realizado a fusão a frio quando na verdade não o fizeram. Estas patentes são nulas por insuficiência descritiva.
Em 2005 o médico grego John Ioannidis publicou um polêmico artigo intitulado “Why most published reserach findings are false[4] em que mostra a maior parte das hipóteses médicas testadas em laboratório e publicadas em periódicos com corpo revisor, poderia falhar quando aplicada no mundo real. Um estudo de 2011 realizado pela Bayer confirmou a tese de Ioannidis ao não conseguir reproduzir cerca de dois terços dos experimentos descritos em periódicos médicos.[5] Um estudo analisou 260 pesquisas científicas que haviam sido publicadas entre os anos de 1935 e 1995 na revista Surgery, Gynecology and Obstetrics e revelou que apenas metade dos fatos descritos continuava sendo verdade 45 anos depois. Outro estudo observou 474 conclusões sobre doenças do fígado entre os anos de 1945 e 1999 publicadas nas revistas Lancet e Gastroenterology. Novamente apenas metade dos fatos continuavam sendo verdade após 45 anos.[6]
O químico John Dalton utilizou-se de valores medidos de água, oxigênio e azoto que casaram-se com seus valores teóricos das proporções dos elementos para formação das moléculas. Jean Pierre Lentin  argumenta que esta concordância experimental, não reproduzida pelos cientistas da época, deveu-se a seleção de resultados. Da mesma forma George Mendel em sua célebre experiência com ervilhas para provar sua teoria genética, conseguiu dados considerados “perfeitos demais” selecionando seus melhores resultados ou enumerando incorretamente suas ervilhas redondas ou enrugadas para chegar ao resultado que esperava. Robert Millikan em sua experiência da medição da carga do elétron francamente rejeitava muitas de suas medições tidas como “artefatos”. Gerald Horton mostra que nos cadernos de Millikan ao refazer suas experiências em 1913 seleciona 58 experiências de um total de 140. Muito embora a ciência dotada de melhores instrumentos possa ter confirmar estas teorias, o fato é que, a seleção de dados coerentes, ainda que de forma inconsciente, coloca em risco a confiabilidade do experimento realizado, sendo a confirmação da teoria em grande parte dependente mais de uma convicção do cientista do que uma comprovação experimental, a qual se observa apenas posteriormente aos experimentos iniciais. Esta debilidade pode estar presente em muitos documentos de patente que algumas vezes dependem de comprovações experimentais baseadas em seleção de dados das quais o examinador de patentes dificilmente poderá questionar.[7]

Experimento original da gota de óleo em que Millikan 
mediu com precisão a carga de um elétron[8]


[1] LEVY, Matt, USPTO issues patent to fraud. 19/02/2014 http://www.patentprogress.org/2014/02/19/uspto-issues-patent-fraud/ POLLACK, Andrew. Disgraced Scientist Granted U.S. Patent for Work Found to be Fraudulent, 14/02/2014 http://www.nytimes.com/2014/02/15/science/disgraced-scientist-granted-us-patent-for-work-found-to-be-fraudulent.html?_r=0
[2] http://www.newscientist.com/article.ns?id=dn8601&feedId=online-news_rss20
[3] O golem: o que você deveria saber sobre ciência, Harry Collins, Trevor Pinch, Ed. Unesp, 2000, p. 90
[4] PLOS Medicine, n.2, agosto de 2005 http://www.plosmedicine.org/article/info:doi/10.1371/journal.pmed.0020124
[5] OWENS, Brian. Reliability of new drg target claims callled into question, Nature, Newsblog, 5 de setembro de 2011http: http://blogs.nature.com/news/2011/09/reliability_of_new_drug_target.html cf. SILVER, Nate. O ruído e o sinal: por que tantas previsões falham e outras não, Rio de Janeiro: Intrínseca, 2013
[6] BLAU,J. Half life of truth in medicine, The Lancet, v.351, p.376, 31/01/1998; HALL,John; PLATELL, Cameron. Half life of truth in surgical literature, The Lancet,v.350,p.1752, 13/12/1997 cf. KRUSZELNICKI, Karl. Grandes mitos da ciência, São Paulo:Fundamento, 2013, p.198
[7] LENTIN, Jean Pierre. Penso, logo me engaano. São Paulo:Ática, 1996, p. 148
[8] http://en.wikipedia.org/wiki/Robert_Andrews_Millikan

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