quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Prêmios como alternativa às patentes

O Alvará de 1809 no Brasil dotava a Real Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação de recursos para conferir prêmios aos que introduzissem qualquer invenção ou nova máquina que estimulasse a formação de novas indústrias. O Conde da Barca, ministro das Relações Exteriores criou na mesma época a Sociedade de Encorajamento à Indústria e à Mecânica com o objetivo de conferir recompensas pecuniárias para novas invenções. Debret relata a inoperância desta Sociedade “sem outro resultado senão o de manter as aparências” [1]

Nas Constituições de 1824, 1891, 1934, e em 1946, a regra jurídica constitucional alternava a outorga do “privilégio exclusivo para a exploração do invento” com o “ressarcimento” (1824), ou “prêmio razoável” (1891), ou “justo prêmio” (1934 e 1946). O artigo 3o da lei de patentes de 1830 estabelecia que “ao introdutor de uma indústria estrangeira se dará um premio proporcionado à utilidade, e dificuldade da introdução”, ou seja, não se concedia monopólio, mas um prêmio. Como nunca foi votada verba necessária, cabia aos ministros a liberação de tal verba ad referendum do Legislativo [2].. Durante a vigência da Lei o prêmio passou a ser substituído por um privilégio de exploração de duração variável concedida pelo Governo para estimular a introdução no país de tecnologias estrangeiras[3].] Segundo Leandro Malavota o que surgiu como medida emergencial acabou se institucionalizando ainda que sem o explícito respaldo legal, sob a alegação de escassez de fundos.[4] Contudo para o autor a questão não se resume a este aspecto uma vez que se desenvolve em paralelo um debate no Congresso pleiteando medidas de governo para apoiar a indústria nacional polarizadas em torno dos que defendiam o laissez faire na década de 1820 e uma militância protecionista na década de 1840.

Até 1967 estava constitucionalmente previsto a proteção legal exclusiva e temporária através de patentes ou o pagamento de uma remuneração como ressarcimento da perda que o inventor sofresse pela vulgarização de seu invento, quando o Estado entendesse que fosse conveniente tal vulgarização [5] A partir da Constituição de 1967 essa referência ao dito prêmio foi retirada. Na prática tornava-se muito difícil o estabelecimento do valor correto a ser pago ao inventor, bem como a aprovação pelo Congresso de tais recursos.

Gama Cerqueira critica a utilização de qualquer prêmio em alternativa ao sistema de patentes: “a recompensa pecuniária, não seria praticável, por não ser possível apreciar-se o justo valor da invenção, no momento em que é realizada, nem fixar-se, antecipadamente, de modo equitativo, a recompensa merecida pelo inventor, a não ser que determinasse quantia invariável para todos os casos, o que além de absurdo não seria justo, dado o diverso valor, utilidade e mérito das invenções” [6].

A proposta de um prêmio conferido pelo Estado cria enormes dificuldades quanto a justa avaliação de uma invenção que a princípio caberia ao mercado avaliar. George III da Inglaterra e Luís XIV da França promoveram prêmios para aqueles que encontrassem uma solução definitiva para o problema da determinação da longitude, crucial para a orientação das embarcações em alto mar. Em 1714 foi promulgado o Longitude Act estabelecendo os critérios para concessão do prêmio. Entre 1730 e 1770 coube a John Harrison desenvolver diversos relógios portáteis para solução do problema, procurando contornar as variações de temperatura e balanço da embarcação. [7] O cronômetro marítimo H-4 de Harrison era baseado em um mecanismo movido por mola e controlado por um balanceiro e acompanhou as viagens do navegador James Cook em duas viagens no Pacífico entre 1772 e 1778.[8] A multiplicidade de soluções, a dificuldade de julgamento, bem como interesses não técnicos em questão tornaram difícil a avaliação do prêmio. A Comissão julgadora, não se convenceu da solução de John Harrison que se mostrava pouco prática, preferindo métodos baseados no movimento lunar.[9] Ao final, de trinta e três anos de sua primeira invenção, o prêmio foi concedido em 1773 à Harrison.[10] Para Nuno Carvalho a história de John Harrison mostra as dificuldades práticas de se substituir um sistema de patentes por um sistema de premiação para promoção da inovação tecnológica.

Relógio H4 de John Harrison [13]


A patente configura um método de reconhecimento do inventor por sua contribuição ao estado da técnica. Outro exemplo da dificuldade em estabelecer um mecanismo eficaz de premiação ocorreu com a invenção do éter anestésico. O norte americano Crawford Long é reconhecido hoje como o descobridor dos efeitos anestésicos do éter sulfúrico e pela realização em 1842 da primeira cirurgia utilizando este anestésico[11]. O método logo foi difundido de modo que logo apareceram outros médicos pleiteando a prioridade pelo mesmo método em odontologia. Os resultados de Long foram publicados apenas em 1849 e somente foram reconhecidos após sua morte, depois de uma acirrada disputa que envolveu o Congresso dos Estados Unidos na chamada “Controvésia do éter” para decidir quem seria seu inventor. [12]



[1] CERQUEIRA, Gama. Tratado da Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, v.1, p. 5.
[2] BARBOSA, Denis. Uma Introdução à propriedade intelectual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 6.
[3] CERQUEIRA.op. cit. p. 6.
[4] MALAVOTA,Leandro Miranda. A construção do sistema de patentes no Brasil: um olhar histórico, Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2011, p. 54
[5] BARBOSA, Denis. As bases constitucionais do sistema de proteção das criações industriais, in. SANTOS, Manoel Joaquim Pereira dos; JABUR, Wilson Pinheiro, Criações Industriais, Segredos de Negócio e Concorrência Desleal. São Paulo: Saraiva, 2007, série GVLaw, p. 29.
[6] CERQUEIRA, Gama, Tratado da Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, v.1, p. 135.
[7] CHALLONER, Jack. 1001 invenções que mudaram o mundo. Rio de Janeiro:Ed. Sextante, 2010, p. 203
[8] TREVOR, Williams. História das invenções: do machado de pedra às tecnologias da informação. Belo Horizonte: Gutenberg, 2009, p.121
[9] MacLEOD, Christine. Inventing the industrial revolution: the english patent system, 1660-1800, Cambridge:Cambridge University Press, 1988 p.38, 193
[10] JAFFE, Adam; LERNER, Josh. Innovation and its discontents: how our broken patent system is endangering innovation and progress, and what to do about it. Princeton University Press, 2007, p. 1599/5128 (kindle version)
[11] ROBERTS, Royston. Descobertas acidentais em ciências, Campinas:Papirus, 1993, p.61
[12] CHALLONER, Jack. 1001 invenções que mudaram o mundo. Rio de Janeiro:Ed. Sextante, 2010, p. 324; FRIEDMAN, Meyer, FRIEDLAND, Geral. As dez maiores descobertas da medicina. São Paulo:Cia das Letras, 2000, p.141-160
[13] http://en.wikipedia.org/wiki/John_Harrison

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