terça-feira, 26 de julho de 2022

Os resultados dos sites peer to patents

 

Nos Estados Unidos em 2000 ainda sob o grande impacto na mídia contra a patente de one click shopping da Amazon, foi lançado o site Bountyquest pela CKM Digital com a proposta de coletar documentos de anterioridades para subsidiar litígios judiciais em patentes em troca de bônus para os melhores documentos. Para a patente da Amazon foram premiados três contribuições, muito embora nenhuma delas pudesse ser utilizada contra todas as reivindicações da patente.[1] Alguns meses após concedido o prêmio um novo subsídio apresentou um documento muito mais relevante. A grande quantidade de documentos, muitos dos quais de pouca relevância e a dificuldade de transmitir o conteúdo da patente em uma linguagem de fácil acesso ao público pouco acostumado com os meandros jurídicos de um documento de patente tornaram a iniciativa pouco promissora passada a euforia inicial da proposta. Ademais os documentos acabaram sendo de pouca valia para o litígio entre a Amazon e a Barnes & Noble que terminou em acordo. Em 2003 o site já havia sido retirado do ar por perda de patrocinadores. [2]

O site PeerToPatents[3] promoveu em julho de 2007 um projeto piloto em cooperação com o USPTO e a New York Law School no sentido de estimular a apresentação de subsídios ao exame de patentes. A iniciativa tem o apoio de empresas como a General Electric (GE), Hewlett-Packard (HP), International Business Machines (IBM), Microsoft e Red Hat. Em um ano de projeto, foram cadastrados cerca de 2 mil usuários e submetidos 173 documentos como anterioridades de 40 pedidos de patentes.[4] Relatório preliminar do programa mostra que 70% dos examinadores consideraram os resultados encorajadores e que o programa deveria ser incorporado à sua prática de exame como forma de proporcionar melhores resultados nas buscas de patentes.[5]

David Pressman observa que há cinco formas de se apresentar subsídios ao exame no USPTO: 1) o próprio depositante pode apresentar um formulários de Information Disclosure Statement (IDS) em que apresenta documentos relevantes encontrados na busca (Rule 97), 2) terceiros podem apresentar uma citação passiva, sem qualquer explicação do documento, segundo a Rule 99, 3) pode ser depositado um protesto de um pedido pendente (Rule 291), 4) pode ser solicitada uma citação passiva a uma patente concedida (Rule 501) , 5) pode ser solicitado um pedido de reexame (ex partes Rules 510 e interpartes 902).[6] Com o Leahy Smith American Invents Act de 2012 foi eliminado a 37 CRF Rule 1.99 que regulamentava a apresentação de subsídios no exame dentro do prazo de dois meses contados da publicação do pedido.[7] A legislação norte-americana prevê a participação de subsídios nos procedimentos de reexame (35 USC § 311, 318). Segundo Mark Lemley este sistema é pouco utilizado uma vez que a apresentação de tais subsídios na fase administrativa nos procedimentos de reexame exclui o mesmo requerente de questionar posteriormente a patente em litígio. [8] Ademais o próprio instituto de reexame é pouco utilizado. Dados de 2000 a 2004 mostram que de cerca de 1,6 milhão de depósitos realizados no USPTO, foram concedidos no mesmo período aproximadamente 900 mil patentes sendo que apenas 53 solicitações de reexame.[9]

Outra possibilidade de subsídios nos Estados Unidos são as manifestações apresentadas por terceiros durante a pendência de um pedido de patente prevista no 37 C.F.R. § 1291[10] ou mesmo após a concessão da patente prevista no 37 C.F.R. § 1501.[11] Antes de 1999 quando os pedidos mantinham-se em sigilo até a data de concessão a possibilidade de apresentação de terceiros de subsídios por terceiros por este dispositivo era bastante reduzida na prática. De qualquer forma terceiros não participam do processo de exame, limitando-se a apresentar documentos considerados relevantes ao exame. [12]Jay R. Thomas argumenta que a melhoria de qualidade no exame de patentes necessariamente deve se orientar no sentido de atrair mais subsídios de terceiros, que deveriam ser estimulados a participar com algum tipo de bônus.[13]

Os escritórios do USPTO em 2008-2009 e posteriormente da Australia em 2009 lançaram o projeto peer to patente que estimulava a participação de terceiros na busca de subsídios ao exame de patente. Como lei norte americana não prevê subsídios de terceiros o projeto requeria o consentimento do depositante do pedido de patente. [14]Um relatório de 2009 realizado pela Worcester Polytechnic Institute avaliou os resultados de dois anos de projeto piloto na área TC 2100 (computadores) e TC 3600 (métodos financeiros) de subsídios ao exame no USPTO. Estas áreas foram escolhidas por serem mais sujeitas a críticas pela baixa incidência de literatura não patentária citada nos exames do USPTO. O estudo toma como amostra 125 pedidos submetidos a subsídios pelo programa tendo sido recebidos 438 documentos de anterioridade (51% eram literatura não patentária), uma média de 3,5 documentos por pedido. Foi observado uma média de sete revisores/colaboradores para cada pedido de patente submetido. Dos 125 relatórios de primeira ação apenas 26 citaram alguma anterioridade apresentada pelo programa para fundamentar uma primeira ação do pedido com indicação de rejeição (22%), sendo que em 10 destes casos estas anterioridades eram literatura não patentária. Dos 125 pedidos analisados, os examinadores consideraram que em 43 casos (34%) algum documento de anterioridade obtido através do programa foi considerado como relevante. De 100 examinadores entrevistados, 63 apontaram o programa como útil ao exame, ainda que apenas para melhor compreensão da invenção. Os participantes do programa, em sua maioria estudantes de graduação da New York Law School, que enviaram anterioridades reportam um tempo médio de 3 horas no exame de cada pedido. O maior interesse manifestado pelos participantes foi o de promover uma maior qualidade no exame de patentes. Apenas 2% dos participantes revelaram que não tinham nenhum conhecimento de patentes. Entre as principais ferramentas de busca usadas encontram-se Google, USPTO website, internet, Delphion Patent Search e Google Patents. O programa prevê o primeiro parecer do examinador ser submetido ao grupo de trabalho do programa que pode inserir um máximo de dez documentos de anterioridade a serem avaliados pelo examinador, o que representa uma sobrecarga no exame, que após a análise submeterá um novo parecer a ser encaminhado ao examinador supervisor de patentes que fará a revisão final. O Relatório de 2009, contudo avalia como ineficiente o processo na medida em que acrescenta etapas a tramitação do pedido. O fato dos subsídios serem apresentadas mediante taxas constitui um desincentivo a maior participação por terceiros. O custo estimado do programa é estimado em cerca de 500 mil dólares anuais, um custo excessivo se compararmos este valor com o valor que seria gasto com examinadores do USPTO para ocuparem do mesmo tempo de busca, de modo que desde 2010 o projeto não teve continuidade. [15]

Em novembro de 2014 o governo dos Estados Unidos iniciou consultas públicas para um novo projeto de crowdsourcing para identificação de estado da técnica no exame de patentes em conformidade com as disposições do 35 USC 122(c). [16]

Na Europa o Artigo 115 da EPC autoriza que terceiros apresentem documentos relevantes como subsídio ao exame, embora não seja um instrumento comumente utilizado uma vez que terceiros preferem apresentar suas anterioridades na fase de oposição onde terão o controle de expor o contexto em que esta documentação deva ser usada do que simplesmente apresentá-la ao examinar sem a oportunidade de se manifestar sobre ela.[17] Em agosto de 2011 a EPO propôs um projeto piloto para que terceiros possam apresentar subsídios ao exame através de um formulário eletrônico submetido pela internet.[18] Os subsídios devem ser apresentados nos idiomas oficiais inglês, francês ou alemão.[19] No Japão (artigo 13-2), China (regra 48) e na Coreia (artigo 63bis) qualquer pessoa pode apresentar qualquer informação a um pedido de exame apresentando provas de que o mesmo não atende a um critério de patenteabilidade.[20]

Na Argentina o artigo 28 da lei n° 24.481 prevê a apresentação de subsídios ao exame por terceiros no prazo de sessenta dias contados da publicação do pedido. Se a patente for concedida tendo considerado tais subsídios ao exame, deve-se considerar tal patente com uma presunção de validade “especialmente forte”.[21] O artigo 27 prevê que o examinador solicite relatórios específicos relacionados com o tema da invenção a investigadores que atuem em universidades ou institutos de investigação científica ou tecnológica.[22] Na legislação Argentina está previsto que o escritório de patentes pode solicitar a opinião técnica de especialistas e pesquisadores de universidades e institutos de ciência e tecnologia do país, no auxílio ao exame de patentes (Lei 24.481 de 1995, Artigo 27 –“A ADMINISTRAÇÃO NACIONAL DE PATENTES poderá exigir cópia do exame de mérito realizado por institutos examinadores estrangeiros nos termos estabelecidos pelo decreto regulamentar e poderá ainda solicitar laudos de pesquisadores que atuam em universidades ou institutos científico-tecnológicos do país, que serão remunerados em cada caso, de acordo com as disposições do decreto regulamentar”.)

Na Inglaterra o governo anunciou em 2010 o lançamento de um projeto piloto peer to patent com o objetivo de aumentar a qualidade do exame de patentes. A seção 21 do Patent Act já possibilita a apresentação por parte de terceiros antes da concessão, sem custos, tendo a divisão de exame a decisão final sobre a aceitação da relevância de tais subsídios cujos documentos de anterioridade apresentados são publicados no relatório de busca. O projeto piloto peer to patent contou com a participação da CIPA – Chartered Institute of Patent Attorneys e de blogs conhecidos na área de patentes para sua divulgação como IPKat e Patently-O. Um dos blogs o boingboing.net listou alguns dos pedidos do porjeto o que fez aumentar bastante as contribuições para os pedidos específicos listados. O projeto contou com a contribuição da New York Law School dos Estados Unidos (para utilização da plataforma de software já desenvolvida) e com a experiência do escritório Australiano em projeto similar. Beth Noveck da New York Law School nos Estados Unidos foi o idealizador destes projetos peer to patent em artigo publicado em 2009.[23] O projeto foi lançado em junho de 2011. Foram escolhidos 172 pedidos de patente (não foram incluídos pedidos PCT) na área de computação e os exames realizados entre outubro de 2011 e março de 2012. Os pedidos eram disponibilizados no site para receber comentários por 90 dias. Os colaboradores não poderiam submeter a cópia integral dos artigos, mas apenas as referências, por questões de direito de autor. Ao todo foram recebidas 450 colaborações (apesar das mais de 4700 visitas ao site), porém apenas 11 dos 172 pedidos receberam algum tipo de contribuição. Este índice de 6% ainda assim é superior ao índice de 0.002% encontrados no subsídio ao exame previsto na seção 21 do Patent Act. O relatório de 2011 conclui que uma maior participação dos colaboradores exigiria investimentos para de alguma forma recompensar tais contribuições. Os resultados mostram uma contribuição incremental importante na capacidade do IPO em realizar buscas: “não foi surpresa notar que o efeito não foi dramático (com muitos documentos relevantes) – na verdade se fosse assim, isto levantaria sérias dúvidas sobre a qualidade do processo existente de exame”. O relatório aponta a experiência como promissora e indica como próxima etapa indicado no relatório é incorporação deste projeto no IPO Online File Inspection Service (IPSUM) e investigar modos de incentivar mais comentários pela comunidade. No entanto, em função do custo/benefício do projeto esta proposta do relatório de incorporar este procedimento nas rotinas do IPO não foi efetivada até 2014.

No Brasil a possibilidade de subsídios por terceiros é possível em conformidade com o artigo 31 da LPI, por exemplo o tenofovir (PI9811045) da Gilead teve subsídios apresentados por Farmanguinhos e pela Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS, que foram considerados e fundamentaram o indeferimento do pedido por parte do INPI em 2008, um exemplo de que o mecanismo do artigo 31 mostra-se efetivo.



[1] https://web.archive.org/web/20080202101905/http://www.oreillynet.com/pub/a/policy/2001/03/14/bounty.html

[2] http://en.wikipedia.org/wiki/Public_participation_in_patent_examination

[3] http: //www.peertopatent.org/main/education.

[4] PeerToPatent First anniversary Report. The Centre for Patent Innovations, New York Law School. jun. 2008

[5] DRAHOS, Peter. The global governance of knowledge: patent offices and their clients. Cambrige University Press:United Kingdom, 2010, p.329

[6] PRESSMAN, David. Patent It Yourself, California:Nolo, 2009, p.424

[7] Changes To Implement the Preissuance Submissions by Third Parties Provision of the Leahy-Smith America Invents Act, 77 Fed. Reg. 42150 (July 17, 2012) (final rule) http://www.uspto.gov/web/offices/pac/mpep/s1134.html

[8] BURK, Dan L.; LEMLEY, Mark, A. The patent crisis and how the Courts can solve it. The University of Chicago Press, 2009, p.22 (nota 8)

[9] DRAHOS, Peter. The global governance of knowledge: patent offices and their clients. Cambrige University Press:United Kingdom, 2010, p.69

[10] http://www.uspto.gov/web/offices/pac/mpep/s1901.html

[11] http://www.bitlaw.com/source/37cfr/1_501.html

[12] MERGES, Robert; MENELL, Peter; LEMLEY, Mark. Intellectual property in the new technological age. Aspen Publishers, 2006. p.162

[13] THOMAS, Jay. Collusion and Collective Action in the Patent System: A Proposal for Patent Bounties, University of Illinois Law Review, Vol. 2001, No. 1, Pp. 305-353, 2001 http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=248439

[14] https://www.peertopatent.org/

[15] LOISELLE, James; LYNCH, Michael; SHERRERD. Michael. Evaluation of the peer to patent pilot program. Worcester Polytecnic Institute, 2009, https://www.wpi.edu/Pubs/E-project/Available/E-project-122109-150816/unrestricted/usptofinalreport.pdf

[16] https://www.uspto.gov/page/roundtable-uspto-use-crowdsourcing-identify-relevant-prior-art-examination-application

[17] GUELLEC, Dominique; POTTERIE, Bruno van Pottelsberghe de la. The economics of the european patent system. Great Britain:Oxford University Press, 2007, p.218

[18] BINCTIN, Nicolas. Droit de la propriété intellectuelle, LGDJ:Paris, 2012, p.360

[19] Catalogue of remaining differences 2012 update of the CDP 2011, IP5 Offices, p. 43 https://www.trilateral.net/catalogue

[20] Catalogue of remaining differences 2012 op.cit.

[21] BENSADON, Martin. Derecho de Patentes, Buenos Aires:Abeledo Perrot, 2012, p. 273

[22] BENSADON, Martin. Op.cit., p. 288

[23] http://www.brookings.edu/~/media/press/books/2009/wikigovernment/wikigovernment_chapter.pdf


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