terça-feira, 26 de julho de 2022

A lei da patentes na Inglaterra

 

Na Inglaterra embora patentes tivessem sido reguladas desde 1624 com o Estatuto dos Monopólios, embora inicialmente não houvesse uma exigência de relatório descritivo. O governo britânico mostrava-se relutante em criar uma burocracia para realizar um exame de patentes, apesar de os Estados Unidos já terem adotado o exame de patentes com busca de anterioridades desde 1836. Somente em 1852 foi criado um escritório de patentes. Os primeiros exames começam em 1883, ainda assim tratando de aspectos meramente formais e de suficiência descritiva. Outra mudança na legislação de 1883 foi de estabelecer as reivindicações como o marco delimitador dos direitos do titular (fence posts).[1] Apenas em 1902, o governo britânico, influenciado pelo Relatório Fry, que demonstrou que cerca de 40% das patentes concedidas pertenciam ao estado da técnica, é que a adoção de um exame substantivo se tornou inadiável. O escritório de patentes, então, organizou-se para realização de buscas de anterioridades em documentos de patente britânicos dos últimos 50 anos, embora o exame se restringisse a análise de novidade.[2] Somente em 1932 o escritório de patentes tomaria em conta publicações estrangeiras. A patente seria analisada quanto a atividade inventiva apenas em caso de demandas judiciais.

Na Inglaterra pré-industrial não se exigia do pedido de patente a presença de um relatório descritivo. O relatório descritivo somente foi introduzido nos pedidos de patente no século XVIII. A patente nesta época não tinha o caráter de fonte de informação tecnológica. Os países até então não adotavam uma política de exportação de tecnologia, pelo contrário, em geral adotavam uma postura protecionista de reter os avanços tecnológicos dentro do próprio país, e nesse sentido havia conflito com a proposta de divulgação de documentos de patentes com suficiência descritiva para que um técnico no assunto pudesse realizar a invenção. Uma sucessão de dispositivos legais impediam a emigração de trabalhadores especializados. Nuno Carvalho observa que nesta época muito mais importante para a transferência de tecnologia era o aprendizado direto proporcionado pelo titular da patente introdutor das novas tecnologias no país ou cidade: "a contrapartida do privilégio nunca foi a divulgação da invenção (muitos privilégios, mesmo em França e Veneza foram concedidos para invenções mantidas em segredo), mas sim a sua exploração" [3]

No entanto com o advento da era industrial os juízes cada vez mais pressionavam por uma melhor descrição da invenção para resolver de modo mais eficaz as disputas judiciais de titularidade. Richard Arkwright inventor da spinning-frame, uma máquina de tecer através da qual a fibra do algodão se transformava em fio, tentou em 1785 se defender contra a alegada insuficiência descritiva de sua patente, pois desta forma ele dificultaria o acesso de estrangeiros de terem o domínio da tecnologia[4]

Estudos das Universidades de Bristol e Birmingham[5] revelam que, durante o período em que nenhum exame era feito na Inglaterra, pelo menos metade das patentes emitidas eram inteiramente fraudulentas. Em 1790 James Watt apresentou proposta para reforma do sistema de patentes. A iniquidade do sistema especialmente para o inventor pobre foi objeto de um texto veemente de Charles Dickens, "A poor man's tale of a patent"[6] escrito em 1850. No texto Dickens trata das desventuras de um infeliz inventor que aplica todas as suas economias para obter uma patente para seu invento e se envolve em um verdadeiro labirinto burocrático: "prefiro não falar do cansaço da vida que senti enquanto patenteava a minha invenção. Mas pergunto isso: é razoável fazer um homem sentir que, ao inventar um aperfeiçoamento criativo com o objetivo de ser útil, ele fez algo de errado?". Na época a expedição de uma carta-patente exigia a assinatura do Home Secretary, do Lord Chancheller, do escritório de patentes além dos selos Signet, Privy Seal e finalmente o Great Seal, processo moroso e dispendioso, além do que a patente não tinha vigência na Escócia e Irlanda. A lei britânica, alvo de críticas especialmente após a exposição de inventos de Londres de 1851, viria a ser reformada em 1852, reduzindo alguns dos procedimentos administrativos.[7] A Lei de 1883 permitiu depósitos provisional ao custo de apenas uma libra britânica, valor nominal que se manteve inalterado até 1978.[8]



[1] CORNISH, William, LLEWELYN, David. Intellectual property: patents, copyright, trademarks and allied rights. London: Sweet&Maxwell, 2007. p. 118

[2] BAINBRIDGE, David. Intellectual Property, London: Pearson, 2010, p.381

[3] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 236.

[4] CORNISH.op. cit. p. 116; CARVALHO, Nuno. op. cit. p. 309.

[5] MacLEOD, Christine; TANN, Jennifer; ANDREW, James; STEIN, Jeremy. The Price of Invention: counting the cost of patents in Victorian Britain, a case study from steam engineering. XIII International Economic History Congress of the International Economic History Association, Argentina, 1999

[6] DICKENS, Charles. A poor man's tale of a patent BARBOSA, Denis. Usucapião de patentes e outros estudos de propriedade industrial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 362. http://www.denisBarbosa.addr.com/poor.htm

[7] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 319

[8] GRUBB, Philip W.; THOMSEN, Peter. R. Patents for chemicals, pharmaceuticals, and biotechnology: fundamentals of global law, practice, and strategy. Oxford: Oxford University Press, 2010, p. 16.



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