terça-feira, 26 de julho de 2022

A crítica sociológica da invenção

 

É na solução de um problema técnico que encontraremos as motivações fundamentais dos inventores. Para Henry Petroski: “é isso que move todos os inventores, inovadores e engenheiros, e segue um corolário: uma vez que nada é perfeito e que, na verdade, nossas ideias sobre perfeição também não são estáticas, tudo está sujeito a mudanças ao longo do tempo. É impossível haver um artefato que não possa ser aperfeiçoado”.[1]

Em sua obra clássica, History of Mechanical Inventions, Usher afirma: “a invenção encontra seu aspecto característico na assimilação construtiva de elementos preexistentes em uma nova síntese, novos padrões ou configurações de comportamentos [...] Logo, a invenção cria relações que não existiam antes. Em sua essência mais profunda, o elemento inovador reside na finalização de um padrão incompleto de comportamento ou no aperfeiçoamento de um padrão que era insatisfatório ou inadequado”.[2]

Para Maurice Dobb “a invenção vitoriosa geralmente só vem como clímax de toda uma série de descobertas relacionadas, às vezes independentes entre si de início e dependentes para sua solução de homens diferentes”.[3] A ideia da invenção como continuidade de trabalho pré-existentes também é expressa pelo historiador George Basalla, em seu livro The evolution of technology: “novos artefatos só podem surgir a partir de outros já existentes – que novos tipos de objetos nunca são criações geradas apenas por teoria, engenhosidade ou imaginação”.

Na história das ciências Karl Popper em sua crítica à indução considera a ciência como uma construção humana que tem como objetivo à compreensão da realidade: “As teorias são nossas invenções, nossas ideias – não se impõe a nós”.[4] Segundo este entendimento que se aprofunda em autores como Thomas Khun ao descrever a ciência como moldada pelos paradigmas dos cientistas, a ciência e, por conseguinte, os artefatos criados pelos inventores constituem objetos produtos da cultura, resultantes do contexto em que são criados. Assim, a invenção como construção humana não pode ser considerada como uma descoberta, como algo pré-existente que é desvelado. A ideia de que a invenção seria uma descoberta de uma verdade até então desconhecida não faz sentido nesta perspectiva, uma vez que a invenção não trata de uma verdade que estava oculta, mas a construção de várias verdades realizadas gradualmente e conforme o contexto social. Autores como Bruno Latour radicalizam esta perspectiva quando afirmam que o que conhecemos como descobertas constituem invenções humanas, por exemplo, que a presença do bacilo da tuberculose nos restos da múmia do faráo Ramsés II não nos permite concluir que estes estavam presentes àquela época, uma vez que tais bacilos são fruto de uma invenção do século XVIII, ou seja, eles não representam a descoberta de uma verdade a temporal, que antes estava apenas oculta: "não se pode fazer retroagir sobre o passado uma invenção do presente. A história irreversível ignora a causalidade retrospectiva”.[5]

[1] PETROSKI, Henry. A evolução das coisas úteis. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. p. 33.

[2] PETROSKI, op. cit., p. 56.

[3] DOBB, Maurice. A evolução do capitalismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. p. 329.

[4] POPPER, Karl. Conjecturas e refutações. Brasília: Ed. UNB, 1982, p.144

[5] LATOUR, Bruno. Ramsés, Il est-il mort de tuberculose?", 1998. La Recherche, 307: 34-36

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