terça-feira, 26 de julho de 2022

Orange Book e as patentes

 


O Orange Book[1] é uma fonte comercial de informação em patentes alimentada pela agência regulatória Norte-Americana (US Food and Drug Administration – FDA).[2] A base de dados correlaciona medicamentos de referência registrados no FDA e documentos de patente Norte-Americanos.[3] Assim ao solicitar o registro de um medicamento no FDA as empresas devem indicar todas as patentes nos EUA relacionadas a este produto bem como o prazo de vigência das mesmas. Com a divulgação deste tipo de informação, os concorrentes se preparam para apresentar pedido de registro de genéricos assim que as patentes caem em domínio público. Isso aumenta a concorrência e reduz o custo do medicamento para o consumidor final. Portanto, o Orange Book tem repercussões jurídicas muito além de uma simples fonte de informações.

Um produtor de genéricos ou titular de uma patente que – teoricamente – pudesse colidir com alguma patente listada no Orange Book tem que emitir um certificado (new drug application - NDA) subscrito por um agente de patentes segundo o qual não há colisão, ou que no caso de colisão há nulidade da patente listada no Orange Book. [4]

Somente se o titular da patente não reclamar dentro de um prazo estipulado em Lei[5] (45 dias), o FDA dá prosseguimento ao pedido de registro, caso contrário aguarda um período maior de tempo (30 meses), para que o conflito seja resolvido. Todos os medicamentos aprovados pelo FDA, inovadores ou genéricos, são listados no Orange Book. Segundo o 21 CFR § 314.53 o FDA deve se limitar à informação fornecida pelo depositante do NDA. Em 2004, segundo Alphapharm PTY. V. Tommy C. Thompson o District Court de Washington em concordância com o Federal Circuit concluiu que não compete ao FDA analisar as listagens de patentes do Orange Book para conferir se tratam de patentes válidas ou se fato se aplicam ao medicamento em questão.[6] Estima-se que 73% dos litígios de patentes do Orange Book nos Estados Unidos são ganhos pelas empresas de genéricos. No Canadá este índice chega a 80%.

Algumas empresas titulares de patentes, que comercializam medicamentos de marca, pagam as indústrias de genéricos para retardarem o lançamento de seus medicamentos. Tais acordos são conhecidos como acordo do tipo “pay for delay”.[7] Contra tal prática o FTC condenou a empresa Cephalon Inc. em 2008 por inibir a entrada em vigor de genéricos de seu medicamento contra desordens do sono, até 2012, pelo pagamento a quatro empresas concorrentes[8]. O FTC constatou que a Bristol Myers Squibb obstruiu a entrada de genéricos do Taxol e Platinol com danos ao consumidor que ficou privado do aceso a medicamentos de menor custo.[9] Na Europa a Comissão Europeia multou a empresa dinamarquesa Lundbeck e outros oito fabricantes de genéricos por retardar sua entrada no mercado por conta de acordos com empresas titulares de patentes. O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJE) em decisão de 2021 confirmou que os acordos de atraso de pagamento com fabricantes de genéricos prontos para entrar no mercado violam as regras antitruste da União Europeia.[10]

O México possui provisão semelhante, na qual um fabricante de genéricos tem sua proposta de exploração comercial de medicamento aprovada pela autoridade de Saúde, apenas após o IMPI, escritório mexicano de patentes, verificar a não colidência com nenhuma patente em vigor. Esta provisão é questionada por alguns críticos, uma vez que em geral o escritório de patentes deveria limitar-se a conceder as patentes, cabendo ao titular monitorar possíveis contrafações. No México um decreto de junho de 2003 exige que um requerente de pedido de aprovação para comercialização de um medicamento patenteado demonstre ser o titular ou licenciado autorizado desta patente, o que torna o enforcement desta patente mais simplificado.[11] Por muitos anos os titulares de medicamentos patenteados no México se queixavam que a Comisión Federal para la Protección contra Riesgos Sanitários COFEPRIS concedia autorizações de medicamentos que violavam patentes em vigor. Desta forma, o escritório mexicano de patentes publica a cada seis meses listas de medicamentos patenteados informando ao público, em especial ao COFEPRIS sobre a existência de direitos de patentes sobre certos ingredientes ativos. Arturo D. Reyes aponta os riscos desta lista ser utilizada para não autorizar indevidamente a comercialização de medicamentos que em realidade não constituem contrafação de uma patente, uma vez que o COFEPRIS não dispõe de expertise necessária para realizar esta avaliação.[12]

O chamado “linkage” é um esquema regulatório pelo qual se estabelece uma vinculação ou efeito entre a patente concedida e registro sanitário necessário para comercialização do produto, por exemplo, a aprovação para o comercialização de medicamentos genéricos não é concedida até que a patente do medicamento original expire. Outra forma de linkage seria a que permitisse que ao prazo de exclusividade da patente fosse adicionado o lapso pela morosidade do órgão estatal em conceder a autorização de comercialização, sempre após a vigência da patente.[13]

Segundo a Rebrip – Rede Brasileira pela Integração dos Povos o mecanismo de linkage consiste num elemento TRIPs-plus que prejudicaria a indústria de genéricos: “Na prática, o vínculo entre patentes e registro sanitário estabelece uma barreira adicional à entrada de versões genéricas no mercado, visto que atrela o início do trâmite de obtenção do registro sanitário, sabidamente moroso, ao momento posterior à expiração da patente. Ou seja, protela a promoção da concorrência de medicamentos, mesmo que estes estejam fora de proteção patentária [...] A inclusão do “vínculo entre patentes e registro sanitário” no arcabouço legal brasileiro irá anular uma flexibilidade de interesse para a saúde conhecida como exceção Bolar (artigo 43 VII da Lei de Propriedade Industrial 9.279/96), que permite a realização de testes e obtenção de registro sanitário antes da expiração da patente do produto.”[14]

Segundo Denis Barbosa: “A interpretação restrita que se deve ao Artigo 42 do CPI/96 impede que se confira à patente tal poder; não está entre as potestades da exclusiva prevenir o registro, como não está o de criticar a sua importância tecnológica. Simplesmente a patente não veda o registro nem previne a crítica; para fazê-lo seria necessário acrescentar tais vedações ao teor do Artigo 42 da Lei”.[15] Segundo Denis Barbosa:[16] “o efeito do registro sanitário é o de autorizar o uso de um produto, segundo pressupostos sanitários e de meio ambiente. Patente dá uma exclusividade de uso, mas não autoriza o uso. Os dois títulos são diversos em seu propósito e diversos em seus efeitos”

Carlos Correa aponta que os Estados Unidos têm incluído mecanismos de linkage em acordos comerciais de livre comércio (FTAs) com países como Jordânia, Chile, Cingapura, Marrocos, República Dominicana, Peru, Colômbia. Países como Argentina Chile e Egito foram colocados na Watch List em 2007 entre outros motivos pela falta de mecanismos de linkage. Segundo Carlos Correa ironicamente as provisões de linkage contidas nestes acordos excedem muitas vezes as disposições presentes na legislação norte americana, contrariam as disposições da Declaração de Doha e neutralizam a flexibilidade permitida pela exceção Bolar que permite as empresas de genéricos iniciarem os procedimentos para entrada no mercado dos medicamentos genéricos antes da expiração das patentes dos medicamentos de marca. [17] Neste sentido, os acordos com o Peru e com o Panamá foram revistos para se flexibilizar a proposta original de linkage.

Na Índia a Bayer apresentou argumentos junto à Suprema Corte de Nova Delhi contra a fabricante de genéricos indiano CIPLA, pleiteando que as autoridades (Drug Controller General of India – DCGI) deveriam condicionar a concessão de licenças de comercialização para produtos genéricos apenas se seus produtos não constituem possíveis contrafações de patentes em vigor. Organizações não governamentais, contrárias as patentes de medicamentos, tais como a MSF – Médicos sem Fronteiras, são contrários a tal linkage, por entender que tal mecanismo seria utilizado para retardar a entrada de genéricos no mercado. Na Europa, segundo o EU Directorate General for Competition tal prática de linkage é considerada ilegal segundo a Regulation (EC) No 726/2004 e Directive (EC) No 2001/83.[18]

A Astrazeneca do Brasil Ltda., titular da patente do medicamento Crestor, ajuizou ação contra a ANVISA com o objetivo de que fosse anulado registro sanitário concedido a outra empresa, a Germed Farmacêutica Ltda. Solicitou ainda que a ANVISA suspendesse e não concedesse outros registros para remédios genéricos ou similares ao Crestor até a expiração da patente. Em decisão de março de 2011 a Procuradoria Regional Federal da 1º Região (PRF1) e a Procuradoria Federal (PF) alegaram que não compete a ANVISA tal avaliação uma vez que a Lei nº 6.360/76, que trata da vigilância sanitária a que ficam sujeitos os medicamentos, não traz qualquer vinculação entre a obtenção do registro e a expiração da patente.[19] Outro fator que contribui para o adiamento da entrada no mercado de medicamentos genéricos no Brasil é a demora em alguns casos de mais de 10 anos na concessão de patentes de medicamentos no país, ao criar uma incerteza jurídica durante a fase como pedido de patente.



[1] Orange Book: Approved Drug Products with Therapeutic Equivalence Evaluations http: //www.fda.gov/cder/ob/default.htm.

[2] Orange Book: Approved Drug Products with Therapeutic Equivalence Evaluations.

[3] The Food and Drug Law Institute http: //www.fdli.org/.

[4] GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.174

[5] 21 U.S.C. § 355(j)(5)(B)(iii) http: //www.law.cornell.edu/uscode/html/uscode21/usc_sec_21_00000355----000-.html.

[6] CORREA, Carlos. Expanding patent rights in pharmaceuticals: the linkage between patents and drug registration. In: NETANEL, Neil Weinstock. The development agenda: global intellectual property and developing countries. Oxford University Press, 2009,p.250

[7] NGO, Brittany. European Comission fines pharma companies for payments to delay generic entry, IP-Watch, 19/06/2013

[8] http://www.ftc.gov/os/caselist/0610182/080213complaint.pdf

[9] CORREA, Carlos. Expanding patent rights in pharmaceuticals: the linkage between patents and drug registration. In: NETANEL, Neil Weinstock. The development agenda: global intellectual property and developing countries. Oxford University Press, 2009,p.253

[10] GIRAUD, Adrien. Pay-for-delay: Review of the ECJ judgment in Lundbeck (Citalopram) Latham & Watkins LLP, www.lexology.com 31/03/2021

[11] GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.46

[12] REYS, Arturo. The Mexican Supreme Court expands the linkage system to prevent patent infringement, 05/05/2010 http://reyesfenigeng.wordpress.com/2010/05/05/linkage/

[13] WTO, WIPO, WHO. Promoting Access to Medical Technologies and Innovation: Intersections between public health, intellectual property and trade, fevereiro 2013, p.187 http://www.wto.org/english/res_e/publications_e/who-wipo-wto_2013_e.htm

[14] Projeto de Lei 29 de 2006, proposto pelo Senador Ney Suassuna (PMDB/PB) Parecer do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual / Rebrip http: //www.abiaids.org.br/_img/media/Parecer_projeto_NeiSuassuna_VFinal_20Ago2007.pdf.

[15] BARBOSA, Denis. Tratado da Propriedade Intelectual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 1729.

[16] BARBOSA, Denis. Uma Introdução à propriedade intelectual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 588 e 704.

[17] CORREA, Carlos. Expanding patent rights in pharmaceuticals: the linkage between patents and drug registration. In: NETANEL, Neil Weinstock. The development agenda: global intellectual property and developing countries. Oxford University Press, 2009,p.248

[18] ERMET, Monika. Drug Patent Linkage Is Subject Of Court Case, Dispute In India . Intellectual Property Watch. 25 fev. 2009.

[19] Ação Ordinária nº 12972-36.2011.4.01.3400 – 22ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal ANDRADE, Laíze; NOGUEIRA, Bárbara. AGU demonstra que Anvisa não possui atribuição para responder ação sobre quebra de patente de medicamento. mar. 2011 http: //www.agu.gov.br/sistemas/site/TemplateImagemTexto.aspx?idConteudo=155503&id_site=3



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