quarta-feira, 5 de maio de 2021

STF ADI 5529 Voto Relator Ministro Toffoli

 

STF ADI 5529 Voto Relator Ministro Toffoli

dia 05/05/2021 Inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da LPI

Ministro Dias Toffoli: Vota pela inconstitucionalidade com modulações de efeitos

Este dispositivo leva a vigência muito superiores as observadas nas demais jurisdições internacionais como observado no relatório do Grupo Direito e Pobreza. A pesquisa considerou o tempo médio, em anos, de vigência efetiva das patentes nas jurisdições pesquisadas e comparou com o Brasil, que contabiliza a média 24,3 anos entre o início da vigência legal e o término do período de exclusividade. No BRICS, nenhum país prevê mecanismo semelhante ao parágrafo único, com exceção da Rússia, que permite alguma prorrogação da exclusividade, por meio de PTE, o qual se limita ao prazo de 5 anos. Na América Latina apenas o Chile apresentou vigência um pouco superior a 21 anos. O estudo também apontou os seis países com os maiores tempos médios de vigência efetiva de patentes farmacêuticas. O Brasil está no topo da lista, com o maior período de proteção.  A mesma lógica se observa em outras áreas tecnológicas e não apenas medicamentos. A julgar que apenas 20% dos depositantes de patentes no Brasil têm origem brasileira, nos termos informados no Relatório de Atividades do INPI para o exercício de 2018, forçoso concluir que a maioria dos requerentes têm tratamento mais favorável no Brasil do que em seus próprios países, o que claramente nos coloca em posição destoante dos demais signatários do acordo TRIPS. O setor farmacêutico nacional foi particularmente impactado pela edição da Lei nº 9.279/1996, pois a lei de propriedade industrial que a antecedeu, Lei nº 5.772/1971, considerava os medicamentos como invenções não privilegiáveis. Ademais, trata-se da área tecnológica que conta com alguns dos maiores tempos médios de decisão técnica no INPI, conforme demonstrado nas informações apresentadas pela autarquia (Biofármacos 9,9 anos, Fármacos I 9,7 anos e Fármacos II 9,2 anos). Além disso, salta aos olhos que o parágrafo único do art. 40 da Lei de Propriedade Industrial incidirá sobre a maioria dos pedidos de patentes da indústria farmacêutica decididos em 2021, ou seja, a maioria dessas patentes terá vigência superior a 20 anos - 100% dos pedidos em Biofármacos, 84% em Fármacos I e 86% em Fármacos II. O impacto da extensão do prazo de vigência de patentes no Sistema Único de Saúde (SUS) é digno de atenção. O domínio comercial proporcionado pela patente por períodos muito longos tem impacto no acesso da população a serviços públicos de saúde, vez que onera o sistema ao eliminar a concorrência e impor a aquisição de itens farmacêuticos por preço estipulado unilateralmente pelo titular do direito. Esclarecedor é o estudo realizado pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), trazido aos autos pela Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS. Até janeiro de 2016, o prejuízo acumulado com o pagamento de royalties para apenas nove medicamentos adquiridos por compra centralizada, demandas judiciais e compras hospitalares/estaduais alcançou o valor de R$193 milhões. Já o prejuízo acumulado com os nove medicamentos adquiridos por compra centralizada e demandas judiciais alcançou a cifra de R$ 2 bilhões. Como visto, a auditoria do TCU, que resultou no Acórdão nº 1199/2020, constata que, em decorrência da regra do parágrafo único do art. 40, as patentes de produtos farmacêuticos duram em média 23 anos, podendo chegar a prazo de vigência de 29 anos ou mais. Por óbvio, esse contexto se torna ainda mais gravoso e dotado de urgência por estarmos em plena emergência internacional de saúde. Ofício encaminhado diretamente pelo Ministério da Saúde (MS) ao INPI, indicando os pedidos de patente alvo da priorização. Até o momento, o Ministério da Saúde solicitou e obteve a priorização para quatro medicamentos apontados como potenciais candidatos ao tratamento da COVID-19 (Favipiravir, Remdesivir, Sarilumabe e Tocilizumabe), associados a 63 pedidos de patente. Tendo em vista os pedidos de priorização formulados até o momento, identificou-se 90 pedidos de patentes pendentes de decisão. Desses pedidos, 4 apresentam a possibilidade de incidência no parágrafo único do art. 40 da LPI, com consequente extensão do prazo de 20 anos de vigência. Estes 4 pedidos encontram-se em fase recursal contra a decisão de indeferimento. O INPI também informou que existem 9 patentes atualmente em vigor há mais de 20 anos contendo indicação de possível uso no enfrentamento à Covid-19. Em 2020, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) apresentou nota técnica em que apontou haver “mais de 330 patentes vigentes ou pedidos pendentes de análise no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) relacionados a ventiladores pulmonares, equipamento essencial no tratamento de portadores da Covid-19 em estado grave, e outros trinta associados a métodos e kits de diagnóstico de viroses respiratórias, com possibilidade de detecção de tipos de coronavírus”. A indeterminação do prazo contido no parágrafo único do art. 40 da Lei 9.279/1996, é fator que gera insegurança jurídica, implicando ofensa ao próprio Estado de Direito. Ademais, a ausência de regras claras dá margem ao arbítrio e à utilização oportunista e antiisonômica das regras do jogo, tais como as estratégias utilizadas pelos depositantes para prolongar o período de exploração exclusiva dos produtos. Para além de representar ofensa à segurança jurídica, a norma questionada subverte a própria essência do art. 5º, inc. XXIX, da CF/88. Dessa forma, um prazo determinado mostra-se essencial para a observância da regra constitucional que impõe temporariedade à exclusividade concedida à exploração econômica de invenções e modelos de utilidade. Portanto, caso o Estado brasileiro venha a cogitar de adotar uma norma de extensão do prazo, tal norma, no meu entender, para se revestir de constitucionalidade deve ter como base critérios claros e racionais, e que não condicione a prorrogação tão somente à demora na análise do processo pelo INPI, o que pode continuar a retroalimentar a demora e ineficiência administrativa. Ademais, a desproporcionalidade da norma mostra-se explícita quando conjugada com a previsão do art. 44 da lei, que confere ao titular da patente o direito de pleitear indenização por uso indevido do objeto protegido desde a publicação do pedido pelo INPI , o que torna o dispositivo impugnado, de fato, uma extrapolação do privilégio que não encontra guarida na Constituição Federal. Desse modo, reconhece-se direitos de propriedade industrial desde a publicação do pedido, como se extrai do seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça: “importa consignar que a partir da data da publicação do pedido de patente (e não apenas a partir do momento em que a patente é concedida) o depositante já possui tutela legal que lhe garante impedir o uso, por terceiros, do produto ou processo a que se refere seu requerimento, além de indenização por exploração indevida, conforme estipulam os arts. 42 a 44 LPI. Dessa forma, apesar da expedição tardia da carta-patente pelo INPI, a invenção do recorrente, no particular, não esteve, em absoluto, desprovida de amparo jurídico durante esse lapso temporal.” (RESP nº 1.721.711/RJ, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, Julgado em 17/4/2018, DJe de 7/11/2019). Nessa linha é também o registro feito pela auditoria do TCU, de que, à vista do art. 44 da LPI, terceiros interessados na exploração da técnica não se arriscam explorá-la, enquanto não decidida a pretensão do depositante. Com isso, a patente, mesmo se ainda não concedida, apresenta eficácia econômica em face de seus concorrentes a partir do depósito. O prolongamento arbitrário do privilégio vem em prejuízo do mercado como um todo, proporcionando justamente o que a Constituição (artigo 170 inciso V) buscou reprimir, ou seja, a dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros, aprofundando a desigualdade entre os agentes econômicos e transformando o que era justificável e razoável em inconstitucional. A par de proposições legislativas, reitero que o grupo interministerial instalado na Casa Civil para discutir acerca do tema em análise resultou em consenso governamental favorável à revogação do parágrafo único do art. 40. Prevaleceu o entendimento de que tal medida “juntamente o esforço em curso no INPI para a redução do tempo de análise de pedidos de patente, criarão condições mais equilibradas e eficientes para a proteção da propriedade industrial e o estímulo à inovação no Brasil.” (OFÍCIO Nº 24/2021/AESP/CC/PR, de 9 de março de 2021, da Assessoria Especial da Casa Civil). O Ministério da Economia elaborou então texto inicial de minuta de projeto de lei para a formalização das alterações propostas, tendo recolhido manifestações favoráveis ao texto dos ministérios participantes da coordenação. Conforme mencionado, “há expectava de que minuta consolidada será encaminhada brevemente à Presidência da República”. Segundo informações de 9 de março de 2021 da Subchefia de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais da Casa Civil (SAG), além do consenso quanto à revogação do parágrafo único do art. 40, o grupo também foi favorável à revogação do art. 229-C da LPI, que condiciona a concessão de patentes para produtos e processos farmacêuticos à prévia anuência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. Por todas as razões aqui expostas, resta evidenciada a contrariedade do parágrafo único do art. 40 da Lei nº 9.279/1996 à segurança jurídica (art. 1º, caput), à temporalidade da patente (art. 5º, inc. XXIX), à função social da propriedade intelectual (art. 5º, inc. XXIX c/c art. 170, inc. III), à duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII), à eficiência da administração pública (art. 37, caput), à livre concorrência e à defesa do consumidor (art. 170, incs. IV e V) e ao direito à saúde (art. 196, todos da Constituição Federal). Não podemos continuar sendo, em matéria patentária, o “paraíso” dos países desenvolvidos, mantendo monopólios por décadas sobre produtos que já caíram em domínio público em suas próprias jurisdições, nas quais podem ser adquiridos por preços muito mais acessíveis do que no Brasil. É preciso combater o problema em suas diversas frentes. Além da impreterível superação do preceito questionado, as recomendações/determinações emitidas pelo Tribunal de Contas da União ao INPI precisam ser devidamente seguidas, o que se alcançará com as pertinentes determinações deste Supremo Tribunal Federal.

Pelo exposto conheço da presente ação e voto por sua procedência, de modo que 1) se declare a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 40 da Lei nº 9.279/1996, reconhecendo-se o estado de coisas inconstitucional no que tange à vigência das patentes no Brasil; e 2) se determine: a) ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial que, no prazo de um ano: (i) proceda à contração de servidores com o fito de compor quadro de pessoal adequado à grande demanda do órgão; (ii) priorize as medidas de recuperação/restauração de documentos, no intuito de dar encaminhamento aos pedidos de patentes que, em razão de ilegibilidade documental, estão retidos ainda na fase de exame formal preliminar; (iii) priorize o desenvolvimento e a implantação de soluções tecnológicas que lhe permitam controlar o fluxo de pedidos de patentes, assim como automatizar e otimizar processos; (iv) priorize a normatização dos procedimentos técnicos de exame de patentes, no intuito de otimizar tais procedimentos e evitar que assuntos iguais sejam tratados de forma desigual por examinadores distintos; (v) continue a reunir esforços de modo a efetivamente cumprir as metas do Plano de Combate ao Backlog de Patentes, estabelecido pela instituição em 2019; (vi) conforme determinação do Tribunal de Contas da União, “(...) 80 Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 4213-F40A-237E-7631 e senha 66B0-4434-3361-80B2ADI 5529 MC / DF passe a publicar, em seu portal eletrônico disponível na internet, as filas de pedidos de patentes pendentes de decisão final administrativa de cada Divisão da Diretoria de Patentes, Programas de Computador e Topografias de Circuitos Integrados a que se refere – a área tecnológica do pedido, em caso de estar em análise de segunda instância –, com as informações de cada pedido, o estado em que se encontra e a existência ou não de prioridade de exame, com vistas a atender à obrigação de tornar públicas essas informações à sociedade, conforme dispõem o caput do art. 37 da Constituição Federal e o caput do art. 2º da Lei 9.784/99”; (vii) conforme determinação do TCU, “(...) passe a publicar, em separado, as informações de estoque e de tempo médio de tramitação dos pedidos de patente em fase de segunda instância administrativa, tratada na Coordenação-Geral de Recursos e Processos Administrativos de Nulidade, como forma de melhor transparecer essas informações à sociedade, à luz do que dispõem o caput do art. 37 da Constituição Federal e o caput do art. 2º da Lei 9.784/99”;

Uma vez formada maioria no voto e considerando a vigência dos dispositivos por 35 nos proponho a modulação dos efeitos tendo em vista a segurança jurídica, proponho efeitos ex nunc a partir da data de publicação da decisão não atingindo as patentes já concedida em vigor, cerca de 36 mil patentes de invenção. No entanto, proponho que a modulação não incida nas seguintes hipóteses, situações nas quais a decisão terá efeito ex tunc (retroativo): i) sobre as ações judiciais em curso que eventualmente tenham como objeto a constitucionalidade do parágrafo único do art. 40 da LPI; e ii) sobre as patentes concedidas com extensão de prazo relacionadas a produtos e processos farmacêuticos e a equipamentos e/ou materiais de uso em saúde.  Para se ter noção da extensão dessa segunda ressalva, as patentes da área farmacêutica (art. 229-C) deferidas com extensão de prazo, segundo informações do INPI, totalizariam (em 31/12/2021) 3.435 patentes.  Isso não implica a quebra de patentes visto que mantida a exclusividade do caput do artigo 40 da LPI. Por exemplo, a patente do medicamento Vonau Flash, de titularidade da USP, muito citada em memoriais e notícias sobre este julgamento, teve o pedido formalizado perante o INPI em 2005 e foi concedida em 2018, após 13 anos de processo administrativo. Sem a incidência do parágrafo único do art. 40 - ora declarado inconstitucional com efeitos retroativos em relação aos produtos da área da saúde –, a patente restará protegida por 20 vinte anos, contados do depósito de seu pedido. Sendo assim, a patente expirará somente em 2025. Não há violação do artigo 27 de TRIPS por suposta falta isonomia tecnológica pois os SPCs aplicados a certas tecnologias não viola TRIPs e constitui regra diferenciada por setor tecnológico. A União Europeia foi questionada pelo Canadá contra o uso de SPCs mas tal demanda foi mera consulta, não gerou painel.

Luiz Amaral observa que já existem ações judiciais que discutem o efeito da liminar se ex tunc e ex nunc. Peço esclarecimento para que o voto explique se os dois itens são cumulativos ou alternativos.

Ministro Dias Toffoli

Esse detalhamento sobre a modulação cabe caso a maioria acompanhe a inconstitucionalidade.

 

 

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