quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Prioridade tóxica


Em T557/13 OJ 2015 a Câmara de Recurso analisou patente relativa ao uso de um fluxo frio de óleo combustível que consiste na introdução de aditivos ao diesel de tal modo que o ponto de congelamento do diesel é reduzido, evitando características indesejáveis em temperaturas frias, ou seja, será preciso um frio mais intenso (menor temperatura) para fazer o combustível congelar. A alegação para anulação da patente é a de que tal patente não teria direito à prioridade por ser uma generalização de um princípio mais específico descrito no documento de prioridade, e, portanto, tal documento poderia servir contra novidade da patente, uma vez desconsiderada a data de prioridade da patente. No caso de pedidos divididos esta situação pode levar ao ponto do pedido principal que tem direito a data de prioridade poder ser usado contra novidade do pedido dividido (segundo o Artigo 54(3) da EPC), ao qual não usufruiu do benefício da prioridade por ser mais genérico que o principal, numa situação conhecida como “poisonous priority”. [1] Neste caso apenas a matéria mais específica tem o benefício da prioridade porque contemplada no documento de prioridade, de modo que a matéria genérica não usufrui da dat de prioridade. Na Inglaterra em Nestec SA & Ors v Dualit Ltd & Ors [2013] EWHC 923 (Pat) (22 April 2013), o pedido sobre sistema para fabricação de café não teve a prioridade reconhecida e como consequência algumas reivindicações foram anuladas por falta de novidade tendo como anterioridade o próprio documento apresentado como prioridade. A prioridade não foi reconhecida porque algumas das reivindicações eram mais amplas que a matéria presente no documento de prioridade.[2]

Na Figura 5, P1 é um documento usado como prioridade e que revela matéria específica X (species). P2 é o pedido com reivindicação genérica (genus) que inclui X. P2 não usufrui da data de prioridade, de modo que a data relevante para buscas de anterioridade é a data de depósito de P2. Segundo G2/98 esta reivindicação genérica em P2 somente aproveitaria a data de prioridade de P1 se tal matéria genérica pudesse ser obtida de forma direta e não ambígua do pedido P1[3]. Para este exemplo, vamos supor que não seja este o caso. P3 é um pedido dividido de P2 que reivindica a mesma matéria específica (species) X e que, portanto, tem direito a data de prioridade de P1. Segundo o Artigo 54(3) da EPC este pedido dividido P3 por revelar toda a matéria descrita em P2 (P3 possui o mesmo relatório descritivo que P2) e por usufruir da data de prioridade para a matéria X, irá se constituir anterioridade para P2 que desta forma não terá novidade, uma vez que vale a regra geral de que uma publicação de matéria mais restrita antecipa a novidade de matéria mais genérica (específico antecipa o genérico). O próprio pedido dividido será usado contra novidade do pedido principal. Para evitar esta situação de auto colisão (self collision) Olena Butriy apresenta duas soluções. A primeira solução é emendar o pedido principal P2 para conter um disclaimer em que exclui a matéria específica (species) do escopo de sua reivindicação genérica. G1/03 permite a possibilidade de disclaimer para escapar a uma objeção de falta de novidade. A segunda solução é a de usar o conceito de prioridade parcial prevista em T1222/11 OJ 2012 e T571/10 OJ 2014 de modo que a matéria específica X dentro da reivindicação genérica em P2 tem o direito de prioridade garantido. A matéria restante reivindicada em P2 continua tendo a data de depósito de P2 como data relevante para buscas.  Esta segunda solução presume que a matéria específica X e a matéria genérica Y estejam descritas de forma suficientemente distinta na reivindicação como um número limitado de alternativas, ainda que não explicitamente na forma “X ou Y”. Nos casos onde esta separação das alternativas não estiver suficientemente distinta não se aplica o conceito de prioridade parcial. Esta segunda solução, contudo, se evita os problemas de auto colisão por outro lado oferece risco de dupla proteção uma vez que a mesma matéria X é protegida tanto em P2 como em P3, uma vez que o disclaimer não foi empregado.
 



[1] KELLY, Madeleine. Will the enlarged Board of Appeal provide an antidote for “poisonous priority” in Europe? 03/09/2015 www.lexology.com
[2] SMYTH, Darren. Poisonous priority – how many ways can a patent be toxic? 07/05/2013 http://ipkitten.blogspot.com.br/2013/05/poisonous-priority-how-many-ways-can.html
[3] BUTRIY, Olena. Self collision of european patent applications under the European Patent Convention: what about partial priority, Journal of Illectual Property Law & Practice, 2016, v.11, n.9. p.683

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