sábado, 21 de outubro de 2017

Uma patente exige uma intervenção humana ?


Nuno Carvalho observa que a invenção não pode ser caracterizada apenas por se constituir a solução de um problema técnico. É importante se destacar o fato de ser resultado da intervenção humana na natureza: “pois a natureza também realiza seus próprios avanços técnicos – são estes que fazem a evolução das espécies. A natureza, em sentido amplo, também cria, ao gerar mutações em reação ao meio hostil e ao selecionar aquelas que são mais eficientes”. Segundo Nuno Carvalho: “Quando o juiz Burger, relator do famoso acórdão Diamond v. Chakrabarty, observou que o Congresso quis que a patente cobrisse "tudo o que debaixo do sol é feito pelo homem" ele estava na realidade enfatizando o elemento de artificialidade que caracteriza a invenção humana. A condição de artificialidade significa que só é invenção a criação que resultou da intervenção humana sobre a natureza. A invenção que é feita pela natureza é uma descoberta, e, por princípio, não é patenteável”.[1]

Nuno Carvalho cita como exemplo os fios de teias de aranhas que muito se aproximam dos têxteis sintéticos produzidos pelo homem. [2] Julian Hill, da equipe de pesquisa de Wallace Carothers inventou uma fibra sintética por polimerização por condensação, fibra que tinha paralelo com as moléculas filamentosas que as aranhas produzem para tecer suas teias.[3] Uma disposição de fios em um tecido sintético que fosse encontrada em teias de aranha teria condições de patenteabilidade, da mesma forma que muitas invenções do homem utilizam princípios encontrados na natureza. Outro exemplo são engrenagens encontradas nas pernas de insetos do gênero Issus e utilizadas para se conseguir grandes saltos. O mecanismo foi descoberto por cientistas da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, que analisaram em microscópio o pequeno inseto, muito comum em jardins da Europa.[4] Cameron Currie demonstrou que as formigas cortadeiras de folhas carregam em seu corpo uma substância branca que inclui tipos de bactérias (actinobactérias) que fabricam antibióticos garantindo que os fungos alimentados por tais folhas não sejam infectados por pragas. Desta forma, a pesquisa demonstrou que milhões de anos antes do homem inventar o antibiótico, a natureza já havia descoberto o mesmo efeito. [5]   Ricahrd Dawkings observa a grande semelhança de determinados vírus com um módulo lunar.[6] Roger Angel da Universidade do Arizona inventou um telescópio que utiliza espelhos de grandes dimensões e baixo peso utilizando-se de uma estrutura similar as encontradas em colmeias (US4606960)[7]. Reinhold Dauskardt da Universidade de Stanford desenvolveu painéis solares tomando como inspiração os olhos de uma mosca que consiste em centenas de pequenos olhos segmentados em forma de favo de mel com redundância interna: “se você perder um segmento, centenas de outros operarão. Cada segmento é muito frágil, mas está protegido por um muro em torno dele ".  Usando o olho composto como modelo, os pesquisadores criaram uma célula solar composta, constituída por um vasto favo de mel de microcélulas de perovskite, encapsuladas em um invólucro hexagonal com apenas 0,02 polegadas (500 mícrons) de largura.[8]

No século XVIII Alessandro Volta desenvolveu sua pilha elétrica formada por discos de cobre e zinco empilhados alternadamente[9]. Cada par era separado por um cartão molhado numa solução salina, formando uma coluna sustentada por três varetas de vidro na vertical. [10] Seu modelo baseado numa superposição de diversas células elétricas iguais era uma reprodução encontrada nos órgãos do peixe torpedo responsáveis pela emissão de choques elétricos.[11] Modelos de colônias de formigas na busca de alimento seguindo as trilhas de menor caminho estão sendo estudados por Marco Dorigo da University College de Londres para solução do problema tecnológico do caixeiro viajante e técnicas de redes de comunicação. Padrões presentes em plantas como coníferas na disposição regular de suas folhagens ótima que garante a maior absorção dos raios de sol podem ter aplicações tecnológicas. Esta analogia entre trabalho humano e animal torna-se cada vez mais tênue na medida em que, por exemplo, modelos computacionais baseados em programação genética mimetizando o comportamento de processos biológicos são usados na automatização de circuitos elétricos e controladores, como os trabalhos realizados por John Koza da Universidade de Stanford.[12]
 
Mosca inspirando painéis solares [8]
 




[1] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2009, p.82
[2] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado. presente e futuro. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2009, p.80
[3] Os Cientistas, São Paulo: Abril Cultural, 1972, v.3, p. 740
[4] http://g1.globo.com/natureza/noticia/2013/09/inseto-utiliza-engrenagens-nas-pernas-para-realizar-saltos-veja-video.html
[5] https://commonfund.nih.gov/arra/currie ; Scientific American Brasil. Evolução: a incrível jornada: a corrida das espécies, Duetto, 2001, DVD #3
[6] DAWKINS, Richard. O maior espetáculo da terra,São Paulo: Cia das letras, 2009, p.210
[7] http://invent.org/inductee-detail/?IID=518
[8] https://engineering.stanford.edu/magazine/article/insect-eyes-inspire-design-new-solar-cell?utm_source=SoEnewsletter
[9] NOVELLI, Luca. Volta e a alma do robô: gênios da ciência, São Paulo:Ciranda Cultural, 2008, p.60
[10] HART DAVIS, Adam. O livro da Ciência, São Paulo:Globo Livros, 20144, p. 93
[11] CHAGAS, Aécio Pereira. Os 200 anos da pilha elétrica, Quím. Nova,  São Paulo ,  v. 23, n. 3, p. 427-429, June  2000; BBC, Shock And Awe The Story Of Electricity S01E01 [Full Episode] https://www.youtube.com/watch?v=R7sgNT556PY
[12] BENTLEY, Peter. Biologia digital, São Paulo: Ed. Berkeley, 2002, p. 60, 107, 152

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