quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Clareza e precisão das reivindicações

Segundo artigo 25 da LPI “As reivindicações deverão ser fundamentadas no relatório descritivo, caracterizando as particularidades do pedido e definindo, de modo claro e preciso, a matéria objeto da proteção”. O conceito de clareza e precisão, portanto, é um resgate de uma terminologia usada na lei de 1975 e que embora não presente na lei de 1971 já estava incorporada na prática do INPI tendo em visa sua presença na normativa de 1976. Segundo Fernando Eid Philipp: “claras e precisas indicam que as reivindicações devem conter todos os elementos constitutivos da invenção, compreendendo todas as características essenciais e necessárias para obter o efeito técnico procurado pela invenção ou para a resolução do problema técnico até então existente e que a invenção se propõe a resolver”.[1] O artigo 25 da LPI especifica que as reivindicações devem ser escritas de modo claro e preciso. Isto significa que pela leitura das reivindicações é possível estabelecer precisamente o escopo da reivindicação. Uma reivindicação é clara quando suas palavras permitem que um técnico no assunto, possa reproduzir, sem dúvidas, se um determinado objeto está ou não abrangido pelo escopo da reivindicação. Falta clareza às reivindicações a partir do momento em que ela não permite a distinção exata dos limites da extensão da proteção[2].
Segundo guia de exame PCT: “A exigência de que as reivindicações devam ser claras aplica-se ás reivindicações individuais e também ás reivindicações como um todo. A clareza (clarity) das reivindicações é de importância fundamental para o propósito de formular uma opinião quanto a questão se a invenção reivindicada parece ser nova , envolve uma atividade inventiva e possui aplicação industrial tendo em vista sua função de definir a matéria que se busca proteger. Portanto, o significado dos termos de uma reivindicação devem, tanto quanto possível, ser claros para o técnico no assunto a partri da redação das reivindicações somente”. [3] Segundo guia de exame do Canadá item 11.03: “Nenhuma especulação deve ser necessária para determinar o que é protegido por cada reivindicação. [...] uma reivindicação não deve ter mais do que um significado ou ser capaz de ser interpretações amplas e restritas”. Segundo guia de exame da ìndia item 3.3.3 (b) “Cada reivindicação deve ser escrita em uma frase e devv ter uma redação clara (clearly worded). Reivindicações devem ser claras, sucintas (clear, succinct) e não devem envolver a repetição desnecessária e não devem ser prolixas”.
Joseph Root destaca que a clareza se refere ao signficado incontroverso de cada termo da reivindicação, o que permite a construção da reivindicação com base no significado comumente encontrado para cada termo, em alguma definição expressa no próprio pedido de patente ou pelo contexto. Quando surge a dúvida quanto ao significado de um termo, temos problemas de clareza. Quanto ao conceito de precisão, o significado do termo para quem lê deve ser aquele que o inventor tem intenção de transmitir, ou seja, um termo está preciso quando a interpretação dada ao termo por terceiros coincide com o significado que o inventor atribui ao termo. [4] Segundo o 35 USC 112: “O relatório descritivo deve conter uma descrição escrita da invenção e do modo e processo de fabricação e uso que seja completo, claro, conciso e em termos exatos de modo a garantir a qualquer pessoa técnica no assunto pertinente, ou mais proximamente relacionada, a fazer e usar a invenção e definir a melhor forma de execução contemplada pelo inventor ou co-inventor para realizar a invenção - The specification shall contain a written description of the invention, and of the manner and process of making and using it, in such full, clear, concise, and exact terms as to enable any person skilled in the art to which it pertains, or with which it is most nearly connected, to make and use the same, and shall set forth the best mode contemplated by the inventor or joint inventor of carrying out the invention”. Quanto às reivindicações: “O relatório descritivo deve concluir com uma ou mais reivindicações particularmente que apontem e distintivamente reivindiquem a matéria a qual o inventor ou co-inventor considera como a invenção - The specification shall conclude with one or more claims particularly pointing out and distinctly claiming the subject matter which the inventor or a joint inventor regards as the invention”. Tal critério é conhecido como definiteness, que remete ao conceito de ter a reivindicação bem definida. Segundo Zletz, 893 F.2d 322 “o propósito essencial do exame de patentes é modelar as reivindicações para que sejam precisas, claras, corretas e não ambíguas. Somente desta forma as incertezas do escopo de proteção serão removidas, tanto quanto possível, durante o procedimento administrativo”. Ainda que a lei se refria a clareza e precisão do relatório descritivo o guia de exame estende tais critérios ao quadro reivindicatório, sem  contudo apresentar uma definição mais formal sobre os dois conceitos. Segundo o MPEP 2173: “é de fundamental importância que as patentes definam as reivindicações de forma clara e precisa (clearly and precisely) de modo a informar as pessoas das fronteiras da matéria sendo protegida. Assim reivindicações que não atendem a este critério devem ser indeferidas com base no 35 USC 112(b) ou pre AIA USC 112 segundo parágrafo”. [5]
Termos vagos, indefinidos ou ambíguos causam problemas de precisão na reivindicação. A Suprema Corte dos Estados Unidos em decisão de 1938 em General Eletric Co. v. Wabash Appliance Corp. [6]destaca que uma reivindicação precisa é fundamental para que terceiros tenham a exata noção dos direitos sendo concedidos pela patente. A reivindicação tratava de um filamento de lâmpada incandescente composto de tungstênio e feito de um número comparativamente grande de grãos de tamanho tal capaz de prevenir substancial desgaste durante o uso comercial da lâmpada. A Corte entendeu que esta descrição funcional era vaga, pois distinguia a invenção pelos resultados alcançados[7]. É natural que as palavras invariavelmente produzam algum grau de divergência e ambigüidade, mas apenas quando tais divergências de interretação forem consideradas insuperáveis, é que o questionamento de falta de clareza pode ser argumentado (Exxon Research and Engineering Co. v. US).[8] Por exemplo em Young v. Lumenis Inc.[9] o termo “perto” foi considerado suficiente claro na medida em que uma descrição mais precisa de posição em centímetros não se aplicaria face a variabilidade da situação em cada caso. No caso de um mesmo termo apresentar dois significados possíveis perfetamente razoáves dentro do contexto das reivindicações uma objeção de falta de clareza pode ser levantada.
Joseph Root destaca que os conceitos de precisão (definiteness) da reivindicação e suporte no relatório descritivo (enabling) devem ser analisados de forma independente, de modo que no caso de falta de suporte no relatório descritivo apenas esta objeção deve ser levantada e não necessariamente a de falta de precisão. Na análise de precisão o foco deve ser o significado dos termos usados na reivindicação e não se tais especificações são suportadas pelo relatório descritivo. [10] Em Halliburton Energy Servs. v. M-I [11]que trata de patente referente a tecnologia de perfuração de petróleo a Corte conclui que o termo “gel frágil” não possuía precisão. O material submetido a stress adquiria a forma líquida, no entanto, não estava claro que tipo de géis podem se enquadrar dentro do escopo desta patente e portanto configuram contrafação.
A utilização de documentos de anterioridades para restrições no quadro reivindicatório, deve ser sempre a regra por parte do examinador. Segundo as Diretrizes de Exame da DIRPA (RPI 1669 de 31.12.02) item 1.11.1 não se deve exigir a reformulação das reivindicações pelo fato do examinador considerá-las demasiadamente amplas, sem que antes tenham sido efetuadas as buscas de anterioridades. Segundo a Resolução n° 124/2013 item 3.89 “Uma vez que o examinador tenha estabelecido que uma reivindicação ampla não é suportada pelo relatório descritivo, o ônus de demonstrar o contrário é da depositante. Neste caso, o examinador pode se apoiar em um documento publicado, de modo a fundamentar suas razões”.  Segundo o item 3.88 “Uma reivindicação de forma genérica, isto é, relativa a toda uma classe, como no caso de materiais ou máquinas, pode ser permitida, mesmo que de amplo alcance, se houver fundamentação no relatório descritivo”. Por outro lado, o item 3.41 “Assim como no relatório descritivo, declarações genéricas no quadro reivindicatório que implicam que o escopo de proteção pode ser ampliado de modo vago e não precisamente definido se constitui em objeto de irregularidade, com base no artigo 25 da LPI”, aplica-se apenas nos casos de algum termo que gere imprecisão. Uma reivindicação pode ser considerada demasiadamente ampla seja porque descreve de uma forma genérica a invenção, englobando matéria já conhecida da técnica, seja porque descreve de forma bastante genérica um conceito inventivo desconhecido do estado da técnica, o que inibiria invenções posteriores. A precisão de uma reivndicação a que tem direito o inventor irá, portanto, depender do estado da técnica. Por este motivo que um questionamento de alta de precisão ou generalidade da reivindicação deve ser fundamentado em documentos do estado da técnica. A falta de precisão poderá fundamentar o indeferimento do pedido com base no Artigo 25 da LPI: “As reivindicações deverão ser fundamentadas no relatório descritivo, caracterizando as particularidades do pedido e definindo, de modo claro e preciso, a matéria objeto da proteção”.
No primeiro caso recomenda-se que o examinador cite anterioridades, ainda que haja imprecisão no escopo da reivindicação e mesmo inconsistências com o relatório descritivo. Este procedimento se alinha com as recomendações das Diretrizes de Exame do PCT[12] que apenas em casos extremos em que não é possível se identificar qualquer objeto de busca é que se recomenda não se citar anterioridades[13]. Na EPO, somente não se emite um relatório de busca nos casos onde é impossível identificar algo compreensível nas reivindicações (Regra 63 da EPC[14]), nos demais casos deve-se sempre apresentar um relatório de busca. O mero fato de uma reivindicação ser ampla não é considerado argumento que possa fundamentar a insuficiência descritiva do pedido segundo o Artigo 83 da EPC.[15] T523/91 destaca que a generalidade de uma reivindicação não pode ser contestada pelo simples fato ser uma reivindicação ampla, mas deve ser sempre argumentada em conjunto com outros critério tais como novidade e atividade inventiva. T688/91 observa que uma reivindicação genérica não necessariamente significa uma reivindicação sem clareza. [16]



[1] PHILIPP, Fernando Eid. Delimitação da proteção da patente: funções das reivindicações e metodologia de interpretação. In: GUSMÃO, José Roberto d´Affonseca (org). Temas de propriedade intelectual: 25 anos de Gusmão & Labrunie. São Paulo: Gusmão & Labrunie Advogados, 2013. p. 141
[2] Patentes de invenção: extensão da proteção e hipóteses de violação, Fernando Eid Philipp, São Paulo:Ed. Juarez de Oliveira, 2006, p.29
[3] https://www.epo.org/law-practice/legal-texts/html/guidelines/e/f_iv_4_1.htm
[4] ROOT, Joseph. E. Rules of Patent Drafting from Federal Circuit Case Law. Oxford University Press, 2011, p.257
[5] https://www.uspto.gov/web/offices/pac/mpep/s2173.html
[6] 304 US 364, 58 S.Ct. 899 (US 1938) cf. ROOT.op.cit.p.288
[7] CHISUM, Donald. Chisum on Patents, Matthew Bender, 2011, v.1, p.8-282
[8] 265 F.3d 1371, 60 USPQ.2d (BNA) 1272 (Fed.Cir.2001).cf.ROOT.op.cit.p.289
[9] 492 F.3d 1336, 83 USPQ.2d (BNA) 1191 (Fed.Cir.2007).cf.ROOT.op.cit.p.294
[10] ROOT, Joseph. E. Rules of Patent Drafting from Federal Circuit Case Law. Oxford University Press, 2011, p.292
[11] 514 F.3d 1244, 85 USPQ.2d (BNA) 1654 (Fed.Cir.2008) cf. ROOT.op.cit.p.293
[12] in certain situations where the description, the claims, or the drawings can be sufficiently understood, even though a part or parts of the application are not in compliance with the prescribed requirements, a search is performed taking into consideration the non-compliance in determining the extent of the search. In such cases, the written opinion then indicates how the description, claims, or drawings fail to comply with the prescribed requirements. Item 9.19 PCT International Search and Preliminary Examination Guidelines, PCT Gazette, Special Issue, WIPO, 25 março 2004, S-02/2004
[13] não seria possível uma busca por exemplo para uma reivindicação do tipo “minha invenção vale um milhão de dólares” item 9.28 PCT International Search and Preliminary Examination Guidelines, PCT Gazette, Special Issue, WIPO, 25 março 2004, S-02/2004
[14] If the European Patent Office considers that the European patent application fails to such an extent to comply with this Convention that it is impossible to carry out a meaningful search regarding the state of the art on the basis of all or some of the subject-matter claimed, it shall invite the applicant to file, within a period of two months, a statement indicating the subject-matter to be searched. http://www.epo.org/law-practice/legal-texts/html/epc/2010/e/r63.html
[15] Case Law of the Boards of Appeal of the European Patent Office Sixth Edition July 2010, p. 241 http://www.epo.org/law-practice/case-law-appeals/case-law.html
[16] Case Law of the Boards of Appeal of the European Patent Office Sixth Edition July 2010, p. 259 http://www.epo.org/law-practice/case-law-appeals/case-law.html

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