sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

A crítica francesa ao exame de patentes

O exame na França do século XVIII era realizado pelo Bureau Du Commerce que requisitava auxílio da Academia de Ciências para análise das questões técnicas. [1]. Mario Biagioli destaca que a patente aprovada pela Academia de Ciências francesa gozava de certa respeitabilidade e era importante elemento de propaganda para as invenções do que propriamente a eficácia do título como proteção à propriedade intelectual. [2]Os artesãos inventores julgavam que deveriam ser julgados por seus pares e não por cientistas. Em 1783 um modelo de barco a vapor inventado por Jouffroy d’Abbans em 1783, apesar de bem sucedido, teve sua patente negada pela Academia de Ciências. [3]Os cientistas por sua vez queixavam-se da grande quantidade de invenções inúteis e quiméricas, a ponto de Laplace em 1789 propor um teste de álgebra aos depositantes de patentes como critério para o depósito. Em 1790 o deputado Stanislas de Boufflers apresentou à Assembleia Nacional um projeto em defesa da lei de patentes, criticando contudo o exame da invenção [4]:quantos embaraços, quantos obstáculos, quantas mágoas, quantos desgostos estiveram sempre reservados àqueles que ousavam apresentar-se à nossa administração como inventores de descobertas úteis ao gênero humano ! [...] O infeliz cliente [...] mal tem coragem para lhe apresentar a sua petição, objeto de tantas esperanças e fruto de tantas vigílias; recebem-no com um ar de impaciência, olham-no com um ar distraído, tratam-no com desdém”.[5] Renouard também destaca que se por um lado o exame evitaria a concessão de patentes frívolas e poupar os inventores de decepções, por outro lado, submete a destino da patente a erros, incertezas e subjetividades por parte da administração e ademais “expõe os inventores a um indeferimento desmerecido e que irá lhes arruinar suas justas esperanças, ele [o exame] converte um direito que é do inventor em uma solicitação de favores administrativos”.[6] Muitas patentes eram concedidas com base nas relações do inventor com a Corte como a patente de um cosmético concedida a Chevalier de Gruyère em 1781. Nas “jornadas de agosto” de 1789 foram abolidos monopólios de toda a sorte como contrário ao princípio de igualdade natural. Em setembro de 1789 foi aprovado pela Assembleia a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão[7].
 
Em 16 de outubro de 1791 um júri técnico composto por 30 artesãos e cientistas, o Bureau de consultation des arts et métiers substitui a Academia no exame das patentes [8]. Com a legislação de 1791 o exame prévio foi eliminado. Em relatório dirigido à Assembleia Nacional em 1792 a Societé du Point Central des Arts et Métiers acusou os “sábios pensionistas” da Academia de Ciências de ceder ao favoristismo e inveja ao emitir seus relatórios.[9] Em 1797 este comitê é substituído pelo Conservatoire des Arts et Métiers estabelecido na abadia de Saint Martin.[10] O escritório de patentes frances com o propósito de registro apenas seria criado apenas em 1901.[11] Na Bélgica Edmond Picard aponta a separação dos poderes Judiciário e Executivo como argumento para não se realizar exame de fundo nas patentes: "as contestações que tenham como objeto dos direitos civis são matéria exclusiva dos tribunais. Como as patentes são uma matéria de direito civil, elas não podem depender, para sua concessão, do poder executivo." Cabe contudo ao governo examinar a forma do pedido de patente assim como sua licitude, nos casos em que a matéria pleiteada atenta contra à ordem pública, à moral e às leis[12] Christine MacLeod aponta que na França predominou o entendimento de um direito natural à propriedade intelectual ao passo que na Inglaterra o common Law militou contra este entendimento.[13] A ausência de exame em 1791 fez com que as patentes francesas fossem acompanhadas da menção a “sans garantie du governement” S.G.D.G.[14] Na primeira metade do século XIX somente Bélgica, Holanda, Prússia Sardenha mantinham a prática do exame de patentes, os demais países seguiam o modelo francês.[15] Jean Pierre Stenger afirma que a declaração S.G.D.G é mais nefasta do que útil uma vez que como a indicação não permite identificar o número da patente, não se sabe se o porduto marcado está de fato portegido ou se a marcação se refere a um detalhes insignificante do porduto, ou mesmo, se patente é nula por falta de novaide uma vez que não há exame. Na prática ainda que o pordduto tenha sido marcado com S.G.D.G isto será ignorado pelos concorrentes que lançarão seus produtos sem saber afinal qual o objeto de fato está protegido pela patente.[16] Henri Allart destaca que autores como Bédarride, Renouard, Nouguier e Pouillet manifestaram-se favoravelmente a ausência de exame. No Congresso de 1878 em Paris foi discutida a questão do exame com oposição da delegação francesa. [17]

 
Academia de Ciências Francesa (1666) encarregada do exame de patentes [18]


[1] GUELLEC, Dominique; POTTERIE, Bruno van Pottelsberghe de la. The economics of the european patent system. Great Britain:Oxford University Press, 2007, p.36
[2] BIAGIOLI, Mario. From print to patents: living on instruments in early modern Europe. Hist. Sci., xliv, 2006, p. 144 http://innovation.ucdavis.edu/people/publications/Biagioli%202006%20From%20Print%20to%20Patents.pdf
[3] CHALLONER, Jack. 1001 invenções que mudaram o mundo. Rio de Janeiro:Ed. Sextante, 2010, p. 213
[4] PRAGER, Frank. History of Intellectual property from 1545 to 1787. Journal of the Patent Office Society, v.26, n.11, nov. 1944, p. 711-760 http: //www.compilerpress.ca/Library/Prager%20History%20of%20IP%201545-1787%20JPOS%201944.htm. Stanislas de Boufflers : Rapport à l'Assemblée Nationale de Mr de Boufflers sur la propriété des auteurs de découvertes et d'inventions en tout genre d'industrie - 30 décembre 1790 http://www.mshparisnord.fr/controverses-PI-XIX/notices/not_de_boufflers_1790.html
[5] CARVALHO.op. cit.p. 295; BELTRAN, Alain; CHAUVEAU, Sophie; BEAR, Gabriel. Des brevets et des marques: une histoire de la propriété industrielle, Fayard, 2001, p. 35
[6] POUILLET, Eugène. Traité Theorique et Pratique des Brevets d'Invention et de la Contrefaçon. Marchal et Bilard:Paris, 1899, p.153
[7] BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental, Rio de Janeiro:Ed. Globo, v.2, 1979, p.608
[8] GILLISPIE, Charles. The encyclopédie and the jacobin philosophy of science: a study in ideas and consequences In: CLAGETT. Marshall.Critical problems in the history of science. Madison: Univ Wisconsin Press, 1959, p. 273; CROSLAND, Maurice Science under control: the renchacademy of Sciences 1795-1914, Cambridge Univerty Press, 2002, p.82
[9] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 296
[10] KHAN, Zorina; SOKOLOFF, Kenneth. Historical prspectives on patent systems in economic development. In: NETANEL, Neil Weinstock. The development agenda: global intellectual property and developing countries. Oxford University Press, 2009,p.223
[11] VOJÁCEK, Jan. A survey of the principal national patent systems. New York:Prentice Hall, 1936, p.138
[12] PICARD, Edmond; OLIN, Xavier, Traité des brevets d'invention et de la contrefaçon industrielle, précédé d'une théorie sur les inventions industrielles, 1869, p. 321, 323
[13] MacLEOD, Christine. Inventing the industrial revolution: the english patent system, 1660-1800, Cambridge:Cambridge University Press, 1988 p.199
[14] POLLAUD-DULIAN, Frédéric , Propriété intellectuelle. La propriété industrielle, Economica:Paris, 2011, p.96; POUILLET, Eugène. Traité Theorique et Pratique des Brevets d'Invention et de la Contrefaçon. Marchal et Bilard:Paris, 1899, p.152; NOUGUIER, Louis. Des brevets d'invention et de la contrefaçon. Paris:Librairie de la Cour de Cassation, 1856, p.265; ALLART, Henri. Traité théorique et pratique des brevets d'invention. 1911, Paris:Arthur Rousseau, p.3
[15] BELTRAN, Alain; CHAUVEAU, Sophie; BEAR, Gabriel. Des brevets et des marques: une histoire de la propriété industrielle, Fayard, 2001, p. 35
[16] STENGER, Jean Pierre. La contrefaçon de brevet en droit français et en droit américain. Collection Hermes, Ed. Cujas: Paris, 1965, p.255
[17] ALLART, Henri. Traité théorique et pratique des brevets d'invention. 1911, Paris:Arthur Rousseau, p.115

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