quinta-feira, 17 de março de 2016

Patente do Crestor


O Teste de Motivação Criativa foi utilizado pelo TRF2 em ProGenéricos v. AstraZeneca[1] em que foi discutida a atividade inventiva da patente PI0003364 referente a composições farmacêuticas, compreendendo rosuvastatina cálcica e um sal de fosfato tribásico de cátion multivalente, referente ao medicamento comercializado sob a denominação Crestor, destinado ao tratamento de altos níveis de gordura no sangue, principalmente colesterol e triglicerídeos. A patente de invenção busca resolver o problema de instabilidade da estatina rosuvastatina, que é utilizada para reduzir os níveis de gordura no sangue, principalmente colesterol e triglicerídeos. A solução a que se propõe a PI0003364 consiste em estabilizar a composição farmacêutica da estatina rosuvastatina, durante um período prolongado, que tenha boa taxa de fluxo para auxiliar no processamento dentro de formas farmacêuticas para administração oral, por intermédio, preferivelmente, do agente estabilizante fosfato tribásico de cálcio, com cátion multivalente. A titular alega que a maneira prevista na patente PI0003364 para conferir estabilidade à rosuvastatina se mostra completamente diversa dos principais documentos do estado da técnica, dado que não se utiliza, tampouco descreve como condição essencial da invenção, qualquer modo de controle sobre o pH da solução como condição para estabilização do princípio ativo da rosuvastatina. Ademais o sal de fosfato tribásico com cátion multivalente não tem a capacidade, sozinho, de controlar o pH de modo que atinja a faixa de alcalinidade informada do estado da técnica, razão pela qual tal fato afastaria uma pessoa versada na técnica a empregar tal substância como agente único de estabilização de estatinas, como a rosuvastatina.

O laudo pericial conclui pela presença de atividade inventiva: “Com base no estado da técnica, um técnico no assunto não seria levado a utilizar o fosfato tribásico de cálcio para estabilizar uma composição de rosuvastatina, seu sal ou seu éster. Muito pelo contrário, ao combinar as informações do PT 547000 e do Handbook of Pharmaceutical Excipients, o técnico no assunto seria desmotivado a usar tal sal para estabilizar a rosuvastatina, pois o documento português deixa claro que para se estabilizar as estatinas a que ele refere, precisa-se obter um pH acima de 8 e o Handbook of Pharmaceutical Excipients, revela que o pH de uma dispersão a 20 % do sal fosfato tribásico de cálcio é 6,8. Não consta no estado da técnica qual pH ideal para se estabilizar a rosuvastatina, nem mesmo se o pH era o fator responsável pelos problemas de estabilização previamente existente. A patente da Ré estabilizou a composição sem necessidade de controle de pH. Sobre o fato do fosfato tribásico de cálcio já ter sido usado como estabilizante na indústria alimentícia ou de já ter sido descrito como útil como agente antiaglomerante, agente tampão, agente lubrificante ou agente diluente, não levaria um técnico no assunto a pensar em usá-lo para estabilizar uma formulação de rosuvastatina. Existem centenas de compostos descritos como estabilizantes na literatura não havendo no estado da técnica nenhuma informação capaz de sugerir a um técnico no assunto que tal sal seja adequado e capaz de estabilizar uma composição de rosuvastatina. Não é razoável achar normal um técnico no assunto testar todo e qualquer composto um dia descrito como estabilizante, pois o número de possibilidades é grande demais, nem concluir ser óbvio usar o fosfato tribásico de cálcio apenas por ele ser uma opção em centenas de possibilidades”.

A Corte em sua decisão final reconhece que: “Uma vez que não se podia prever a faixa de pH ideal para se estabilizar a rosuvastatina, então um técnico no assunto teria que testar todo e qualquer composto potencialmente utilizável como estabilizante de estatinas ou aqueles estabilizantes utilizados na indústria alimentícia ou descrito como úteis como agente antiaglomerante, agente tampão, agente lubrificante ou agente diluente. Nessa situação, o número de ensaios necessários ultrapassa, em muito, cerca de apenas uma dezena de compostos, podendo chegar a centenas de possibilidades. Assim, temos duas situações: 1) se um técnico no assunto considerar (erroneamente) apenas o PT547000, ele não poderia utilizar o fosfato de cálcio tribásico com base na informação do Handbook of Pharmaceutical Excipients; 2) Considerando todo o estado da técnica relevante (que é o procedimento adequado), a conclusão do técnico no assunto seria de que não é possível prever qual faixa de pH é ideal para se estabilizar uma dada estatina apenas observando a sua estrutura química. Assim, ele teria que desenvolver uma pesquisa para determinar tal faixa de pH utilizando-se de estabilizantes capazes de levar a diferentes faixas de pH, o que envolveria centenas de possibilidades, extrapolando, em muito, o trabalho rotineiro do referido técnico, havendo, portanto, inventividade em tal determinação”.

No entanto no caso concreto a juíza Marcia Nunes entende que os documentos apenas aparentemente contra-indicam a solução apresentada na patente e conclui como sendo uma solução óbvia de ser tentada com razoável expectativa de sucesso: “a recomendação da PT547000E de um pH de no mínimo 8, preferencialmente 9, refere-se mais especificamente à estabilização da fluvastatina, o que não significa que a rosuvastatina necessite do mesmo nível de pH para sua estabilização. Assim, a contradição entre a recomendação de utilização do fosfato tribásico de cálcio e a informação contida no Handbook of Pharmaceutical Excipients é apenas aparente. Naquele Manual, ademais, consta para o fosfato tribásico de cálcio um índice de pH 6.8 em solubilidade de 20%. Ora, a concentração deste agente, conforme reconhecido pelo Perito do Juízo, faz com que o seu nível de pH varie. Isso significa dizer que o índice de pH 6.8 não é uma característica absoluta do fosfato tribásico de cálcio, mas apenas quando em 20% de solubilidade, ou seja, vale apenas para aquela concentração em específico [...] Embora o Perito do Juízo afirme que o pH resultante da solução ou dispersão de sais em água possa resultar em alteração leve do nível de pH, dependendo da constante de equilíbrio, entendo - do mesmo modo que sustentam o INPI e a ANVISA em seus pareceres - que isso não significa que um técnico no assunto perderia o interesse de investigar a utilização do fosfato tribásico de cálcio como potencialmente útil à estabilização da rosuvastatina. Um técnico no assunto, ao verificar que a PT547000E recomenda o uso de fosfato tribásico de cálcio como estabilizador de estatinas, e sabendo que o pH da substância é variável em relação à sua concentração, não teria razões para não investigar a substância, com base na informação contida no Handbook of Pharmaceutical Excipients, inclusive em razão de aquele documento não estabelecer o controle de pH em nível 8 para a rosuvastatina, mas sim para outra estatina, a fluvastatina [...] Assim, visto que o emprego de estatinas para o controle de triglicerídeos e colesterol, incluída a rosuvastatina, pertence ao domínio público, de modo que as patentes que versam sobre esta matéria consistem em invenções meramente incrementais, acrescido do fato de que o agente estabilizante fosfato tribásico de cálcio fora indicado como potencialmente útil à estabilização de estatinas, verifico elementos suficientes a comprovar a falta de atividade inventiva na patente em litígio”.



[1] 25ª Vara da Justiça Federal do RJ, Apelação Cível n° 2011.51.01.802461-7 Decisão: 05/06/2015, Relatora: Márcia Maria Nunes de Barros http://www.migalhas.com.br/arquivos/2015/6/art20150610-09.pdf

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