sexta-feira, 4 de março de 2016

Charles Dickens e a burocracia das patentes


O fim do século XIX é também marcado por uma forte crítica quanto aos custos e à burocracia de todo o processo administrativo inglês até a concessão de uma patente.[1] Jeremy Bentham se queixa da burocracia na concessão de patentes que funciona como um “imposto cobrado contra a engenhosidade”. A exibição internacional no Palácio de Cristal em 1851 contribuiu para o reconhecimento da necessidade de se dar uma resposta a estas críticas[2]. Petra Moser mostra que na exposição de 1851 apenas 11% dos produtos expostos pela Inglaterra eram patenteados.[3] William Thomson, após visitar a exposição de 1876 nos Estados Unidos observa aumento de invenções patenteadas em número superior aos da indústria britânica. Peter Drahos observa que o excesso de burocracia não foi modificado com o Estatuto dos Monopólios de 1624 o que tornou a concessão de patentes um instrumento restrito. Mesmo após o Estatuto o imperador Carlos I continuou concedendo privilégios reais.[4] Em 1640 diante dos abusos continuados o Parlamento suspendeu a concessão de patentes que foi restaurada apenas em 1660 com Carlos II.[5] Em 1852 o Patent Law Amendment Act estabeleceu um escritório único para concessão das patentes. [6] Pela primeira vez se exigia um relatório descritivo para descrição detalhada da invenção. Em 1883 o British Patent Office começou uma forma limitada de exame das patentes depositadas.[7] Sua ação era limitada a avaliar se a matéria se referia a uma invenção e se estava descrito de forma suficiente. Os críticos do sistema de exame substantivo eram relutantes em atribuir ao examinador o poder discricionário necessário para decidir sobre a concessão de uma patente. Com a legislação de 1883 reduzindo consideravelmente as taxas para depósito do pedido de patente, o que se observa é um aumento no número de patentes concedidas e no litígio[8]. Somente em 1905 o exame de noviade seria incluído, e ainda assim sem um exame rigoroso. [9]

Estudos das Universidades de Bristol e Birmingham [10] revelam que, durante o período em que nenhum exame era feito na Inglaterra, pelo menos metade das patentes emitidas eram inteiramente fraudulentas. A iniquidade do sistema especialmente para o inventor pobre foi objeto de um texto veemente de Charles Dickens, “A poor man’s tale of a patent” [11] escrito em 1850 em que retratou as dificuldades da época na Inglaterra para obtenção de uma patente.[12] No texto Dickens trata das desventuras de um infeliz inventor que aplica todas as suas economias para obter uma patente para seu invento e se envolve em um verdadeiro labirinto burocrático: “prefiro não falar do cansaço da vida que senti enquanto patenteava a minha invenção. Mas pergunto isso: é razoável fazer um homem sentir que, ao inventar um aperfeiçoamento criativo com o objetivo de ser útil, ele fez algo de errado?”. Na época, a expedição de uma carta-patente era um processo excessivamente burocratizado, custoso[13] que exigia a assinatura do Home Secretary, do Lord Chancheller, do escritório de patentes além dos selos Signet, Privy Seal e finalmente o Great Seal, processo moroso e dispendioso, além do que a patente não tinha vigência na Escócia e Irlanda. A lei britânica, alvo de criticas especialmente após a exposição de inventos de Londres de 1851, viria a ser reformada em 1852, reduzindo alguns dos procedimentos administrativos [14]. A Lei de 1883 permitiu depósitos provisional ao custo de apenas uma libra britânica, valor nominal que se manteve inalterado até 1978 [15].

 
Charles Dickens[16]


[1] MacLEOD, Christine. Inventing the industrial revolution: the english patent system, 1660-1800, Cambridge:Cambridge University Press, 1988 p.40
[2] Cf. KHAN, Zorina; SOKOLOFF, Kenneth. Historical prspectives on patent systems in economic development. In: NETANEL, Neil Weinstock. The development agenda: global intellectual property and developing countries. Oxford University Press, 2009,p.2220
[3] RICHARDSON, Megan. Patents and exhibitions. The jornal of world intelectual property, 2009, v.12, n.55, p.407
[4] DRAHOS, Peter. The global governance of knowledge: patent offices and their clients. Cambrige University Press:United Kingdom, 2010, p.97
[5] MacLEOD, Christine. Heroes of invention. technology, liberalism and british identity 1750-1914, Cambridge University Press, 2007, p.33
[6] GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.16
[7] http://www.patentlyo.com/patent/2011/01/a-poor-mans-tale-of-a-patent.html
[8] MacLEOD, Christine. Heroes of invention. technology, liberalism and british identity 1750-1914, Cambridge University Press, 2007, p.352
[9] KHAN, Zorina; SOKOLOFF, Kenneth. Historical prspectives on patent systems in economic development. In: NETANEL, Neil Weinstock. The development agenda: global intellectual property and developing countries. Oxford University Press, 2009,p.222

[10] MacLEOD, Christine; TANN, Jennifer; ANDREW, James; STEIN, Jeremy. The Price of Invention: counting the cost of patents in Victorian Britain, a case study from steam engineering. XIII International Economic History Congress of the International Economic History Association, Argentina, 1999.

[11] DICKENS, Charles. A poor man’s tale of a patent http: //www.denisBarbosa.addr.com/poor.htm BARBOSA, Denis. Usucapião de patentes e outros estudos de propriedade industrial . Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 362; VOJÁCEK, Jan. A survey of the principal national patent systems. New York:Prentice Hall, 1936, p.99; MacLEOD, Christine. Heroes of invention. technology, liberalism and british identity 1750-1914, Cambridge University Press, 2007, p.184
[12] JAFFE, Adam; LERNER, Josh. Innovation and its discontents: how our broken patent system is endangering innovation and progress, and what to do about it. Princeton University Press, 2007, p. 1548/5128 (kindle version); BELTRAN, Alain; CHAUVEAU, Sophie; BEAR, Gabriel. Des brevets et des marques: une histoire de la propriété industrielle, Fayard, 2001, p. 47
[13] MacLEOD, Christine. Inventing the industrial revolution: the english patent system, 1660-1800, Cambridge:Cambridge University Press, 1988 p.76

[14] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 319.

[15] GRUBB, Philip W.; THOMSEN, Peter. R. Patents for chemicals, pharmaceuticals, and biotechnology: fundamentals of global law, practice, and strategy. Oxford: Oxford University Press, 2010, p. 16.
 

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