O inciso 3b do artigo 27 de TRIPs permite a patente de
microorganismos (transgênicos ou não) ao passo que o inciso III do artigo 18 da LPI só permite a patenteabilidade de
microorganismo transgênicos, apresentando portanto uma proibição adicional ao previsto
em TRIPs. Seres vivos mais complexos, obtidos por engenharia genética, como a
ovelha Dolly[1] ou o peru tipo
Chester, não são objeto de patente segundo a Lei brasileira, que permite a
patenteabilidade de apenas microorganismos transgênicos. Segundo Gabriel di
Blasi há um conflito neste aspecto entre a LPI e TRIPS um a que a legislação
vigente no Brasil antes da assinatura de TRIPS em janeiro de 1995 não
disciplinava qualquer retrição relativa á patenteabilidade de microorganismos,
logo pelo Artigo 65 (5) de TRIPS qualquer modificação na lei nacional não
poderá restringir a proteção patentária, ou seja, estabeler mais exclusões do
que havia antes. Neste caso, segundo Gabriel di Blasi a LPI não poderia prever
a proteção apenas para microorganismos transgênicos, e sim para microorganismos
patenteáveis, em geral, ou seja, fungos, vírus e células de animais e plantas,
trasgênicos ou não deveriam continuar objeto de proteção patentária tal como na
legislação anterior prevista no Código 5772/71.[2]
O primeiro caso a respeito de
patenteabilidade de seres vivos nos EUA foi o caso Diamond v. Chakrabarty 447
US 303[3]
decidido favoravelmente à patenteabilidade pela Suprema Corte dos EUA por apenas cinco votos
contra quatro[4].
O presidente do USPTO na época Sydney Diamond (o mesmo de Diamond v. Diehr em 1981) foi
chamado em juízo para defender o ponto de vista do USPTO que inicialmente havia
indeferido a patente (US3813316 e US4259444). O microbiologista indiano Ananda Chakrabarty funcionário da GE utilizou engenharia genética
para criar uma nova bactéria capaz de consumir óleo cru, constituindo uma
importante invenção para combater o derramamento de óleo dos oceanos[5].
A questão essencial tratada no
caso foi a de que a Pseudomonas
objeto da patente não se encontrava na natureza, tratando-se de produto
biológico novo[6].
O entendimento da Corte quanto a legislação norte americana (Seção 101) quando
se refere a “qualquer” (“any”) composição da matéria é o de um sentido amplo,
remetendo-se a Jefferson quando ao se referir ao Patent Act de 1793 afirmara
que a “capacidade criadora deve receber um incentivo de forma liberal”.[7] A
decisão faz referência a Flook e rejeita a tese de que o sistema de patentes
não possa ser expandido para incluir tecnologias não previstas quando da
aprovação da legislação pelo Congresso. Philip Grubb observa que como a
bactéria descrita nesta patente não produzia nem produto considerado útil, mas
possuía como caacterística de interesse o fato de se alimentar de óleo, seria
necessário a patente para o microorganismo propriamente dito. Com toda a
repercussão do caso pouco atenção se deu ao fato que a mesma patente foi
concedida pelo escritório inglês de patentes em 1976.[8]
Ainda segundo a mesma decisão
descobertas como um novo mineral, nova planta ou as leis físicas de Newton e
Einstein não são patenteadas por serem
consideradas manifestações da natureza, livres a todos os homens e que não
podem ter sua exclusidade reservada a alguma pessoa[9]. A
Suprema Corte cita Funk Brothers Seed Co. v. Kalo Inoculant[10] que
trata de uma patente para uma combinação de bactérias que auxiliam a fixação de
nitrogênio nas raízes das plantas. A invenção, ao contrário do esperado no
estado da técnica combina diferentes espécies de bactérias numa única fórmula.
A Suprema Corte considerou tal combinação como uma descoberta, uma vez que
todas as bactérias empregadas continuam atuando da mesma forma tal como
encontrado na natureza, não caracterizando uma invenção, muito embora o 35 USC
100 garanta patentes para descobertas ou invenções. A Corte também considerou
que o fato de haver uma legislação específica para patente de plantas pelo
Plant Patent Act de 1930 e Plant Variety protection Act de 1970 não significa
que plantas ou qualquer outro ser vivo estivesse implicitamente excluído da
proteção por patentes.
Joseph Root destaca que com a
decisão em Chakrabarty organismos vivos multicelulares não humanos
que não ocorram naturalmente na natureza passam a ser considerados como
composição da matéria e como tal objeto de proteção por patentes. Quanto aos
seres humanos, estes continuam excluídos como matéria de proteção patentária.[11]
Peter Drahos observa que em 1969 a Suprema Corte alemã chegara as mesmas
conclusões do caso Chakrabarty, porém, a decisão norte americana teve maior
repercussão internacional diante do impacto produzido no mercado de
biotecnologia nos Estados Unidos.[12]
O Federal Circuit em decisão de maio
de 2014 confirmou o entendimento do Patent
Trial and Appeal Board (PTAB) de que reivindicações direcionadas para
clones de gado, ovelhas, porcos e cabras não são patenteáveis pelo 35 USC 101
por ser considerado um fenômeno natural que não possui características
marcadamente diferentes das encontradas na natureza. Os métodos para fabricação
de clones podem ser patenteados, como por exemplo, US7514258, mas os clones propriamente ditos não podem ser
patenteados. O pedido de patente em análise era de titularidade do Roslin
Institute de Edinburgo na Escócia, os mesmos inventores da ovelha Dolly,
primeiro anima mamífera clonado a partir de células somáticas de um animal
adulto. O Federal Circuit nota que no caso Funk Bros a Corte já concluíra que
uma mistura de bactéria não era patenteável porque suas qualidades são
resultantes de um trabalho da própria natureza, inalterados pela mão humana. Em
Chakrabarty a bactéria modificada foi patenteada por ser nova com
características marcadamente diferentes das encontradas em qualquer outra parte
da natureza e com potencial de utilidade significativa. Os clones por serem
cópias exatas de animais encontrados na natureza, ou seja, um resultado que não
é “marcadamente diferente” do
encontrado na natureza.[13]
A ovelha Dolly permanece embalsamada
[1]
TREVOR, Williams. História das invenções: do machado de pedra às tecnologias da
informação. Belo Horizonte: Gutenberg, 2009, p.290
[2]
A propriedade Industrial: os sistemas de marcas, patentes, desenhos industriais
e transferência de tecnologia. Gabriel Di Blasi, Ed. Forense: 2010, p.224
[3]
http://caselaw.lp.findlaw.com/scripts/getcase.pl?court=us&vol=447&invol=303
; MERGES, Robert; MENELL, Peter; LEMLEY, Mark. Intellectual property in the new
technological age. Aspen Publishers, 2006. p.128
[4] Owning the
future, Seth Shulman, Houghton Mifflin Company, Boston, 1999, p.13
[5] Seth
Shulman, op.cit., p.98
[6] Uma
Introdução à propriedade intelectual, Denis Barbosa, Rio de
Janeiro:Lumen Juris, p. 603
[7] Electronic and Software Patents, Law and Practice, Steven W. Lundberg,
Stephen C. Durat, Ann, M. McCrackin, the Bureau of National Affairs,
Washington, 2005, p. 4-10
[8] GRUBB,
Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology:
Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press,
2004, p.248
[9] “This is not to suggest that 101 has no limits or that it embraces
every discovery. The laws of nature, physical phenomena, and abstract ideas
have been held not patentable.. Thus, a new mineral discovered in the earth or
a new plant found in the wild is not patentable subject matter. Likewise,
Einstein could not patent his celebrated law that E=mc2.; nor could Newton have
patented the law of gravity. Such discoveries are "manifestations of . . .
nature, free to all men and reserved exclusively to none."
[10] 333 US 127
(1948) cf. MERGES, Robert; MENELL, Peter; LEMLEY, Mark. Intellectual property
in the new technological age. Aspen Publishers, 2006. p.135
[11] ROOT,
Joseph. E. Rules of Patent Drafting from Federal Circuit Case Law. Oxford
University Press, 2011, p.109
[12] DRAHOS,
Peter; BRAITHWAITE, John. Information feudalism: who owns the knowledge economy
? The New Press: New York, 2002, p.158
[13] LIONE,
Brinks. Federal Circuit rules that Dolly
the cloned sheep is not patentable, 13/10/2014 http://www.lexology.com
[14] http://pt.wikipedia.org/wiki/Ovelha_Dolly
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