Os desenhos industriais tem como objetivo proporcionar um “resultado visual novo e original na sua
configuração externa” (artigo 95 da LPI) sendo que o artigo 97 define que “o desenho industrial é considerado original
quando dele resulte uma configuração visual distintiva, em relação a outros
objetos anteriores”. Em nenhum destes artigos faz-se menção à figura do “técnico no assunto”, ao contrário das
patentes em que esta figura é explicitamente mencionada nos artigos 13 e 14
quando da definição de atividade inventiva (para as invenções) e ato inventivo
(para os modelos de utilidade) respectivamente. O conceito de “técnico no assunto” é citado no artigo
104 quando se refere à reprodução do desenho industrial, que obviamente deve
estar sob o domínio do técnico no assunto e não do consumidor leigo. Segundo
Dannemann: “a originalidade deve ser
enfocada sob o prisma do consumidor usual do produto. Se é um produto de venda
direta ao consumidor, então a originalidade deve ser passível de ser percebida
por esse consumidor leigo. Se é um produto para venda a profissionais
especializados, é a ótica desse profissional que deve ser considerada na
análise de originalidade”.[1]
Segundo
Gabriel Di Blasi[2],
o desenho industrial confere uma configuração ornamental nova e
específica ao produto de modo a torná-lo inconfundível pelo público consumidor.
Por exemplo, os desenhos industriais para a carroceria de automóveis,
recipientes de bebida, embalagens, eletrodomésticos, utensílios do lar, etc
devem ser dotados de características especiais configurativas ornamentais que
induzam o consumidor a se identificar a sua procedência industrial. Do mesmo
modo o desenho de automóvel pode de imediato levar à mente do observador o nome
da fábrica que o produziu, o que pode envolver a proteção marcária. [3]
Gama
Cerqueira embora não trate da questão diretamente ao discorrer sobre a
contrafação de modelos industriais observa que a mesma deva ser “apreciada sob o aspecto puramente visual e
sob o critério da semelhança externa, tal como se dá com as marcas de fábrica e
de comércio”[4], ou
seja, de forma análoga a análise de originalidade também deve se ater ao
aspecto visual, algo que está no domínio do consumidor final do objeto em
análise.
Para Pontes de
Miranda: “Há ofensa à originalidade e,
pois, também ao direito exclusivo de exploração desde que se estabelece no
público possibilidade de confusão. O que o público não poderia notar de
diferença entre dois desenhos ou modelos [industriais] não pode ser ponto
característico; mas o que se nota em relação aos outros desenhos e modelos
[industriais], quanto a um, que foi iniciador, é característica, que não se
pode copiar”.[5]
Segundo
o TRF2 em Calçados Ferracini Ltda. v. INPI o juiz conclui que: “Verifica-se que as características próprias
específicas do desenho industrial - solado de calçado -, mostram-se suficientes
para levar um consumidor a distingui-lo do solado da empresa autora”. [6] Em
o TRF2 em Cromic Ind. Com. de Calçados v. INPI conclui[7]: “em se tratando de um desenho industrial
relativo a configuração aplicada a calçados, mais especificamente um tênis, e
sendo o aspecto relevante a ser detectado é o design emprestado ao mesmo, é
fácil concluir, dos demais elementos trazidos aos autos, e também do ponto de
vista de um consumidor comum, que o objeto mais marcante do desenho é o
ornamento lateral em forma de “M” estilizado, que é comum no setor, estando
presente em diversos outros produtos”. O TJSP em Nova Dublagem Ltda. v.
Conformatec Ind. Com. ao analisar a contrafação de DI6403939 que trata de
enchimento aplicado em roupas conclui “Coincidência
dos elementos de apresentação dos produtos não admitida pela legislação, por
causar confusão ao consumidor, impedindo a imediata identificação da marca”.[8]
Em TRF2 em Brinquedos Bandeirantes S/A v. Magic Toys do Brasil[9] “Desenho novo é aquele que não está compreendido no estado da técnica. Desenho original é aquele que possui configuração visual distintiva em relação a outros objetos anteriores, ainda que partindo de elementos integrantes do estado da técnica. Relativamente a objetos com baixo grau de complexidade tecnológica, como aqueles relacionados à alimentação, vestuário, calçados, brinquedos etc, a originalidade deve ser aferida tendo-se como referencial o consumidor médio daqueles produtos. É dizer que a distância percebida entre o desenho dito “novo” e aqueles já compreendidos no estado da técnica deve ser aquela passível de ser captada pelo consumidor destinatário final do produto, e não por um geômetra especializado. Efeito visual novo é aferido pela configuração global do objeto, não podendo a análise quanto à originalidade se restringir a eventuais comparações individuais dos componentes desse objeto, como se tratasse de um “jogo de 7 (sete) erros”. O objeto resultante da simples variação de detalhes de outro objeto, já compreendido no estado da técnica, mas que não chega a alterar-lhe o efeito visual, é irregistrável a título de desenho industrial. A contrário senso, objeto cuja alteração de detalhes resulta em efeito visual novo não pode ser incluído em pedido de registro de desenho industrial como forma variante daquele pedido, devendo o registro ser desmembrado”.
Segundo
o TRF2: “Em síntese, o INPI vinha
mantendo registros, inclusive após exame de colidência, de objetos um tanto
parecidos. Creio que a profunda especialização de seus técnicos tem
influenciado sobremaneira nessas decisões enquanto que, a meu ver, interessaria
mais, em hipóteses como a vertente, a visão do ponto de vista de um consumidor
médio, não de um geômetra especialista. É dizer, um geômetra especializado olha
dois objetos e visualiza, de plano, cada detalhe quase minúsculo desse objeto.
O consumidor médio não. Só percebe o efeito global mais impactante. Agora, se
até para um geômetra especializado for difícil aferir a distinguibilidade de um
objeto, sobretudo se este se referir àquele grupo acima mencionado de objetos
de baixa complexidade tecnológica, então a mim me parece que o objeto não seria
privilegiável. A meu ver, a sutileza na distinção de algum detalhe só
emprestaria registrabilidade a um objeto se ela fosse capaz de evocar no
consumidor, por si só, significação morfológica distinta do outro objeto que
lhe é anterior”.
O TRF2
analisou a novidade do DI6301476 e conclui que para um consumidor comum este
não possui originalidade diante de DI5901460: “Um consumidor médio, a meu ver, olha os dois carrinhos relativos aos
DI’s 5901460 e 6301476, e jura que os dois carrinhos são fabricados pela mesma
empresa, porque parecem apresentar conceito estético de produto quase idêntico.
Essa confusão é o que a lei quer evitar. A geometria das linhas do desenho
perde relevo quando o consumidor, que não é técnico no assunto, leva como gato
aquilo que acredita ser “lebre”, porque tem “cara de lebre” e se parece com
“lebre”. Não é essa a teleologia da lei, que pretende premiar com a exclusividade
apenas aquilo que é novo e original, e, portanto, inconfundível com o que já
existia antes”.
Nos
Estados Unidos o Federal Circuit em Egyptian
Goddess, Inc. v. Swisa, Inc. [10] discutiu
a contrafação da patente de desenho USD467389 referente a uma lixa de unha e conclui
que uma contrafação de design patent
deva ser julgada na perspectiva de um observador comum, ou seja, se o
consumidor deste artigo tomaria os dois desenhos em litígio como sendo
substancialmente os mesmos de modo a possibilitar o engano na compra pelo
cliente de um objeto pelo outro. Esta conclusão já havia sido exposta pela
Suprema Corte em decisão de 1871.[11] A
decisão cita a conclusão em Litton Systems, Inc. v. Whirlpool Corp.[12]:
“para haver a contrafação de uma patente
de desenho não importa o quanto similar os dois itens pareçam, o dispositivo
acusado deve se apropriar da novidade do dispositivo patenteado o qual o faz
distinguir do estado da técnica. Ou seja, ainda que a Corte faça a comparação
dos dois items sob os olhos de um observador ordinário, ela deve, apesar disso,
para encontrar a infração, atribuir a similaridade à novidade que distingue o
dispositivo patenteado do estado da técnica”. A Corte observa que se deve
considerar os critérios de análise a partir de um observador ordinário e o
teste de ponto de novidade como critérios distintos. Para os casos em que o
objeto indica vários “pontos de novidade”
ou que seja necessário a comparação com mais de um documento do estado da
técnica, o critério de “ponto de novidade”
pode se mostrar pouco prático.[13]Segundo
o TRF2: “Quando se tem em vista o
catálogo da Brinquedos Bandeirante, acima reproduzido, parece que o carrinho
ilustrado pela empresa ré (DI6301476) é uma “variante” dos carrinhos ilustrados
pela autora, conforme a dicção do art. 104 da LPI. A questão é que o conceito
estético dos carrinhos parece ser o mesmo. Dizer que as alças dos carrinhos em
comento são inteiramente distintas pode ser o resultado de uma análise de um
geômetra ou de um engenheiro. Entretanto, para um consumidor comum, tais alças
se confundem e essa confundibilidade é reprovada por princípio curial do direito
da propriedade industrial, quando elas assumem característica preponderante no
desenho impugnado”.
Na Europa o artigo 5º da Diretiva 98/71-CE define que “um desenho ou modelo possui caráter singular se a impressão global que suscita no utilizador informado (l'utilisateur averti, informed user) diferir da impressão global suscitada nesse utilizador por qualquer desenho ou modelo divulgado ao público antes da data de depósito do registro”. [14] Ou seja, a análise tem como perspectiva o “utilizador informado” do objeto, seu consumidor, e não o técnico no assunto. Segundo Denis Barbosa fundamentado em decisão de 2002 do Tribunal de Grande Instance de Paris o “utilizador informado é uma pessoa ficcional do mesmo porte, ainda que significativamente distinto, do técnico no assunto. Seria o utilizador dotado de vigilância particular, não somente a atenção média, seja em razão da experiência pessoal, seja do conhecimento extenso do setor em questão”.[15]
[1]
Dannemann, Siemsen, Bigler & Ipanema Moreira, Comentários à Lei de Propriedade Industrial e correlatos, Rio de
Janeiro:Renovar, 2001, p. 199
[2]
DiBLASI, Gabriel. A propriedade
Industrial, Rio de Janeiro:Forense, 1997, p. 26
[3] BOUCHOUX,
Deborah. Intellectual Property for
Paralegals: the Law of trademark, copyrights, patents and trade secrets,
West Law Studies, Canada:Thomson, 2005, p.309
[4]
CERQUEIRA, Gama. Tratado da Propriedade
Industrial, V. I, Ed. Lumen Juris:Rio de Janeiro, 2010, p.221
[5]
MIRANDA, Pontes. Tratado do Direito
Privado, Rio de Janeiro:Borsoi, 1956, Tomo XVI, p.423
[6]
TRF2, AC 2006.51.01.500028-0 RJ Calçados Ferracini Ltda. v. INPI, Relator: Des.
Federal Paulo Espírito Santo, Orgão Julgador: Primeira Turma Especializada,
Data Decisão: 30/05/2012 Fonte E-DJF2R 15/06/2012, p.287
[7]
TRF2, AC 2007.51.01.800063-4 RJ Cromic Ind Com. de Calçados v. INPI, Relator
:Juíza Federal Convocada Márcia Maria Nunes de Barros, Orgão Julgador: Segunda
Turma Especializada, Data Decisão: 30/08/2012 Fonte E-DJF2R 18/09/2012, p.24/25
[8]
TJSP, AC 0033680-97.2005.8.26.0196 Nova Dublagem Ltda. v. Conformatec Ind. Com.
Relator: Elcio Trujillo, Comarca: Franca, 10ª Câmara de Direito Privado,
Julgamento: 26/22/2013
[9]
TRF2, AC 2008.51.01.805451-9 RJ Brinquedos Bandeirantes S/A v. Magic Toys do
Brasil, Relatora: Juíza Federal Convocada Márcia Helena Nunes, Julgamento:
10/09/2009 Órgão Julgador: Primeira Turma Especializada, DJU 25/09/2009, p.196
[10] 543 F.3d
665, 678 (2008) cf.
http://fashionlaw.msk.com/index.php/design-patents-and-lululemon-a-way-forward-in-fashion/
[11] Gorman
Mfg. Co. v. White, 81 U.S. 511, 528 (1871)
[12] 728 F.2d
1423 (Fed. Cir. 1984) http://danfingerman.com/law/cases/EgyptianGoddess.html
[13]
Unidynamics Corp., 157 F.3d at 1323–24; see also Lawman Armor Corp. v. Winner
Int'l, LLC, 437 F.3d 1383, 1384 (Fed. Cir. 2006); Contessa Food Prods., Inc.,
282 F.3d at 1377; Sun Hill Indus., Inc. v. Easter Unlimited, Inc., 48 F.3d
1193, 1197 (Fed. Cir. 1995).
[14]
DIRECTIVA 98/71/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 13 de Outubro de 1998
relativa a proteção legal de desenhos e modelos
http://www.dgpj.mj.pt/sections/leis-da-justica/pdf-internacional/directivas/directiva-98-71-ce/downloadFile/file/DIR1998.71.pdf?nocache=1222090886.92
[15]
BARBOSA, Denis. Do requisito de
originalidade nos desenhos industriais. In: BARBOSA, Denis Borges; MAIOR,
Rodrigo Souto; RAMOS, Carolina Tinoco. O
Contributo Mínimo na Propriedade Intelectual: atividade inventiva, originalidade,
distinguibilidade e margem mínima. 2010, Rio de Janeiro: Lumen Juris, p.518
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