terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Fim das invenções no século XIX ?

Segundo Dominichi Miranda de Sá, tanto no Brasil como Europa, a virada do século XIX para o século XX pode ser caracterizada por um fascínio pela ciência, tida como fonte única do progresso, tornando-se um ponto de referência obrigatório que muitos empregavam para conferir validade objetiva ao seu discurso [1]. O chefe do Departamento de física de Harvard tornou-se famoso por desestimular os alunos de que nada mais de relevante restava para ser descoberto na física. Em 1875 o chefe do Departamento de Física da Universidade de Munique diante das sínteses de Newton e Maxwell conclui que “a física é um ramo do conhecimento que já está quase completo[2]Com uma visão mais crítica da ciência, como um produto inacabado da mente humana, Einstein afirmaria que a ciência é um dos grandes tesouros da humanidade, mas mesmo esse tesouro tem um brilho esmaecido frente ao desconhecido [3]. Este mesmo entusiasmo positivista pelos êxitos da ciência e tecnologia dos fins do século XIX se reflete em alguns mitos criados em torno de alguns cientistas da época. Muitas fontes atribuem a Lord Kelvin a afirmação de que na física não havia mais nada de importante a ser conhecido: “agora não há nada de novo a ser descoberto na física. Tudo o que resta são medições cada vez mais precisas[4], embora não haja comprovação desta informação [5] Nesta mesma linha difundiu-se o mito de que Charles H. Duell, diretor do departamento de patentes dos Estados Unidos em 1899 teria se pronunciado favorável pelo fim do órgão de patentes uma vez que “tudo o que pode ser inventado já o foi” [6]. Arnold Toynbee destaca o sentimento de triunfo da civilização ocidental no final do século XIX: “assim é que o ano de 1897 parecia ser uma data em que um observador podia olhar para o curso passado da história e vê-lo inteiro e firmemente estabelecido, de um ponto estático no tempo. A história, vista em retrospectiva naquele momento, parecia haver resultado na obtenção de um estado estável, apoiado pela ascendência mundial do Ocidente [..] Em 1897 essa visão retrospectiva da história era plausível porque, naquela data, parecia que a ascendência total que o Ocidente então obtivera seria permanente”.[7]


Arnold Toynbee


[1] MIRANDA de SÁ, Dominichi. A ciência como profissão: médicos, bacharéis e cientistas no Brasil (1895-1935), Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2006, p. 90
[2] MLODINOW, Leonard. De primatas a astronautas, Rio de Janeiro: Zahar, 2015, p.264
[3] CAPOZOLI, Ulisses. A divulgação e o pulo do gato In: MASSARANI, Luisa; MOREIRA, Ildeu de Castro; BRITO, Fátima. Ciência e Público: caminhos da divulgação científica no Brasil. Rio de Janeiro: ed. Casa da Ciência UFRJ, 2002, p. 128
[4] HART DAVIS, Adam. O livro da Ciência, São Paulo:Globo Livros, 2014, p. 109
[5] http: //en.wikipedia.org/wiki/Lord_Kelvin A citação não aparece na biografia de dois volume escrita por Silvanus Thompson (The life of lord Kelvin, Nova York: Chelsea Publishing, 1976) originalmente publicada em 1910. apud ISAACSON, Walter. Einstein: sua vida sua obra, São Paulo: Cia das Letras, 2007, p. 587
[6] GATES, Bill. A estrada do futuro, São Paulo: Cia das Letras, 1995, p. 7; SASS, Samuel. A Patently False Patent Myth. Skeptical Inquirer (Magazine for Science and Reason), v.13, 1989, p. 310-313. http: //en.wikipedia.org/wiki/Charles_Duell
[7] TOYNBEE, Arnold. A humanidade e a mãe terra, Rio de Janeiro:Zahar, 1976, p.12

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