domingo, 1 de abril de 2018

O Alvará de 1809 e o exame da patente


O Alvará de 1809 em seu artigo 6o refere-se a proteção concedida aos “inventores e introdutores de alguma nova máquina”. Na interpretação de Visconde de Cairu um mínimo de inventividade é necessário para a concessão: “é sem questão que não se deve dar privilégio exclusivo ao inventor de insignificante novidade e simples alteração de forma nas obras das artes ordinárias, que não manifesta engenhosa combinação ou lavor difícil [...] Seria absurdo e indecente concedê-los por objetos notoriamente públicos, e já sem privilégio no país dos inventores” [1]. Algumas das concessões sob o alvará de 1809 foram negadas por falta de novidade. Antonio Gustavo Byurberg teve negado pedido de invenção para moinho a vapor para moagem de trigo. O parecer da Real Junta de 1822 justifica o indeferimento “visto não ser de invenção nova e aplicação da potência comum do vapor ao moinho de trigo, achando-se introduzida semelhante inovação aos moinhos de cana sem o requerido privilégio”.[2] Ainda sob o Alvará de 1809 são concedidas patentes para João Miers para máquina para purificar e clarear açúcar  em 1829, moenda de engenho de moer cana e roda motora aplicável a qualquer engenho para Fernando Joaquim de Mattos em 1830. Na Revista O Analista de 11 de novembro de 1828 o inventor descreve o sucesso de seu invento a intenção de usar parte dos ganhos para subscrever quotas de capitalização da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional que caso lucrasse com aquelas apólices repassaria parte dos lucros ao inventor.[3] Fernando Joaquim de Mattos escreveu “Memória para instrução do plano de sociedade” em 1828 relativo aos inventos de melhoramentos da indústria e da lavoura.[4]
Ao não discriminar entre inventores e introdutores de máquinas protegidas em outros países, com a clara intenção de proteger os industriais ingleses que trouxessem maquinário para o Brasil, o dispositivo antecipava o tratamento nacional da Convenção da Paris, cerca de oitenta anos após. Visconde Cairu, contudo, alinhado com as teses liberais de Adam Smith e Jean Baptiste Say manifestava-se contra o exame prévio por entender ser uma ação inconveniente do Estado despreparado em avaliar tais solicitações de patentes e ao risco de avaliação injusta de uma burocracia estatal[5]. Segundo Jean Baptiste Say: “Não é de modo algum necessário que a autoridade pública discuta a utilidade de processo, ou a sua novidade. Se não é útil, tanto pior é para o inventor. Se não é novo, todo mundo é admitido a provar que ele era conhecido, e que cada um tinha direito de se servir dele; e isso também é péssimo para o que se disse inventor; pois que lhe é tirado o privilégio, e fica prejudicado por pagar inutilmente as despesas da chamada patente de invenção”.[6]  Visconde de Cairu faz referência ao preconceito dos sábios para auxílio no julgamento das patentes na medida em que estes, sábios em teoria, tendem a ter preconceito contra os inventores dotados de um conhecimento muito mais prático e cita o exemplo de Adam Smith que um dos maiores melhoramentos em bombas a vapor foi obtido por um rapaz servente. Segundo Visconde de Cairu: “se a invenção é quimérica, ou sem efeito útil, o inventor nada lucra, e não se agrava a pessoa alguma com o exclusivo: se é alheia, seu dono a reclamará, ou o público: se está já manifesta por generosidade do inventor, ou por ter expirado o prazo de seu privilégio, qualquer um tem a faculdade de requerer a revogação contra quem se disse o inventor ou o introdutor de invenção nova”. [7] Jean Say ao justificar o sistema de patentes escreve: “Quem poderia racionalmente queixar-se de semelhante privilégio ? Ele não destrói, nem grava ramo algum de indústria precedentemente conhecida. As despesas de compra do novo produto não são pagas senão por quem as quer; e quanto aos que não querem fazê-las, as suas carências, de necessidade, ou de agrado, não são menos completamente satisfeitas que antes”.[8] Para Leandro Malavota o fato de Visconde de Cairu não defender o exame é uma indicação que ao contrário do que Clóvis da Costa Rodrigues afirma, não teria sido ele o autor do Alvará de 1809.


[1] CARVALHO, Nuno Pires. 200 anos do sistema brasileiro de patentes, Rio de Janeiro:Lumen, 2009, p. 24; CARVALHO, Nuno. As origens do sistema brasileiro de patentes – o Alvará de 28 de abril de 1809 na confluência de políticas públicas divergentes. Revista da ABPI, n.91, nov.dez. 2007, p. 12; LISBOA, José da Silva. Observações sobre a franqueza da indústria e estabecimento de fábricas no Brasil, Brasília:Senado Federal, 1999, p.113; http://www.brasiliana.usp.br/bbd/bitstream/handle/1918/02948700/029487_COMPLETO.pdf
[2] CARVALHO, Nuno Pires. 200 anos do sistema brasileiro de patentes, Rio de Janeiro:Lumen, 2009, p. 94
[3] CARVALHO, Nuno Pires. 200 anos do sistema brasileiro de patentes, Rio de Janeiro:Lumen, 2009, p. 102
[4] BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Dicionário Bivliographico Brazileiro, Segundo Volume, Rio de Janeiro:Imprensa Nacional, 1893, https://pt.scribd.com/document/317475171/000011472-02-pdf
[5] MALAVOTA,Leandro Miranda. A construção do sistema de patentes no Brasil: um olhar histórico, Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2011, p. 60; LISBOA, José da Silva. Observações sobre a franqueza da indústria e estabecimento de fábricas no Brasil, Brasília:Senado Federal, 1999, p.114
[6] MALAVOTA,Leandro Miranda. A construção do sistema de patentes no Brasil: um olhar histórico, Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2011, p. 59
[7] LISBOA, José da Silva. Observações sobre a franqueza da indústria e estabelecimento de fábricas no Brasil, Brasília:Senado Federal, 1999, p.114
[8] LISBOA, José da Silva. Observações sobre a franqueza da indústria e estabecimento de fábricas no Brasil, Brasília:Senado Federal, 1999, p.71

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