Como o examinador de patentes
trabalha na fronteira tecnológica, é fundamental que não tenha preconceito às
invenções e realize uma análise sempre do ponto de vista técnico, fundamento
seus pareceres e apresentando sempre anterioridades que justifiquem a não
atividade inventiva quando de um indeferimento. É exatamente o fato de estar
lidando com a fronteira tecnológica que torna seu trabalho mais interessante. Esta
resistência ao novo é um paradoxo de uma sociedade baseada no conhecimento.
Segundo Paolo Rossi: “mas o problema
maior é o da novidade e da dificuldade ou da incapacidade de pensar o novo.
Porque a mente humana está mal organizada: primeiro desconfia demasiado de si
própria e, em seguida, se despreza. No começo, parece inacreditável que algo
possa ser descoberto. Depois, tão logo esse algo é descoberto, acha-se
inacreditável que possa ter sido ignorado. Há um duplo preconceito que atua
sempre ameaçando o novo: a crença cristalizada naquilo que já se encontra
estabelecido e a tendência em inserir o novo (privando-o de seu caráter de
novidade) dentro de um esquema já prefigurado. Se, antes da introdução da seda,
tivesse sido imaginada a existência de um fio diferente do algodão e da lã e a
mais suave, brilhante e resistente, quem teria sido capaz de pensar numa
taturana ou num verme ?”.[1]
Albert Einstein trabalhou de 1902 a 1909 no
escritório de patentes suíço como examinador de patentes. Em 1905 publicou os
três artigos na revista Annalen der Physik que revolucionariam a física:
sobre o efeito fotoelétrico aplicando a teoria dos quanta de Plank (pelo qual
receberia o Prêmio Nobel, nos anos 1920); sobre o movimento browniano que
comprovaria a existência dos átomos e sobre a relatividade especial que
redefiniria os conceitos de espaço e tempo e estabeleceria a relação entre
massa e energia. Einstein, ao contrário do que se poderia imaginar não
considerava seu trabalho como examinador de patentes maçante: “gosto de meu
trabalho no escritório, pois é inesperadamente diversificado”.[2] O período que Einstein
trabalhou no escritório suíço foi particularmente marcado por forte pressão dos
EUA, Inglaterra, Alemanha e Áustria-Hungria para que a Suíça emendasse sua lei
de patentes para estender a proteção patentária aos processos químicos.[3] O questionamento das
descrições dos inventores nos pedidos de patente reforçou traços em sua
personalidade que favoreceram seu sucesso como cientista. Infelizmente, como
regra, todos os pareceres dos examinadores eram destruídos após dezoito anos, e
assim, mesmo já um famoso cientista, seus pareceres no escritório de patentes
foram destruídos nos anos 1920.
Nos Estados Unidos críticos
apontam que o sistema de pontuação da produção dos examinadores, ao conferir o
mesmo peso para deferimentos ou indeferimentos, tem uma tendência para
estimular os deferimentos que exigem menos tempo de exame e menos etapas de
exame.[4]
As Autoridades de Busca e Exame do PCT mantêm informes regulares sobre as
medidas tomadas em cada escritório para monitorar e aumentar a qualidade do
exame de suas buscas e exames. [5] A
dificuldade dos examinadores em se manterem tecnologicamente atualizados é um
fator que pode impactar nas decisões. Ao avaliar a ação dos juízes da Suprema
Corte nos Estados Unidos, Keith Kirkptrick observa que a média de idade de 70
anos dos juízes que julgam casos em tecnologias complexas como telecomunicações
tem dado evidências da falta de familiaridade com o uso destas tecnologias o que
faz com que as decisões sejam pouco ambiciosas em estabelecer regras de longo
alcance. Segundo Mary Rose Papendrea “estas
opiniões revelam que a Suprema Corte é muitas vezes cautelosa diante de
desenvolvimentos tecnológicos, não somente porque os juízes não entendem de
tais assuntos, mas porque eles não se acham confiantes que possam prever o
futuro da tecnologia e o desenvolvimento de normas sociais que cercam este
desenvolvimento”.[6] É
razoável supor que tais fatores tenham influência não somente na decisão de
juízes como também de examinadores de patentes.
No Brasil uma pesquisa sobre os
serviços do INPI realizada pelo IBOPE e divulgada pela Câmara Americana de
Comércio (Amcham Brasil) mostra que em
2011 57% dos usuários, contra 72% em 2010 e 61% em 2009 indica que na área de
patentes os critérios de análise entre um técnico e outro variaram “frequentemente” ou “sempre”. Houve retrocesso também quanto à clareza e à objetividade
dos critérios e parâmetros de decisão. Enquanto em 2009 64% consideravam as
tomadas de decisão frequentemente ou sempre precisas, em 2010, esse índice caiu
para 57% e em 2011 nova queda para 51%.[7]
Estas perguntas não constam da avaliação de 2014.[8] Nesta
última pesquisa 64 % dos entrevistados concordam que o INPI deixa claro seu
posicionamento junto a acordos internacionais vigentes e 54% concorda que os
critérios e parâmetros do INPI são coerentes com padrões internacionais.[9]
Ana Célia Castro [10]
analisa os exames do INPI no Brasil, INDECOPI no Peru e IMPI no México e
conclui que os procedimentos de exame adotados dependem muito da cultura
institucional do escritório de patentes e de sua orientação política. Para a autora
os cursos realizados por examinadores do INPI em política e economia em
conjunto com o Instituto de Economia da UFRJ teriam tido um efeito positivo na
qualidade de exame destes examinadores, porém não é apresentado nenhuma
evidência empírica para esta afirmação, uma vez que tais cursos não abordam o
exame de mérito, mas os aspectos econômicos, políticos e sociais das patentes.
Ana Célia Castro destaca as observações de Peter Drahos: “os escritórios de patentes possuem um tremendo poder de fato sobre a
interpretação de padrões de exame em patentes ao tentar estabelecer rotinas
práticas para aplicação de tais padrões no dia a dia”.[11]
Carolyn Deere[12]
destaca que nos países em desenvolvimento a grande parte da expertise em PI se concentra nos
escritórios de patentes, que, por outro lado, têm pouca prática em questões de
políticas públicas mais amplas, tendendo a adotar um discurso que reforça o
papel da PI como uma questão técnica.
Um estudo realizado por Iain M.
Cockburn, Samuel Kortum e Scott Stern com examinadores do UPSTO com
base em pareceres publicados entre 1997 e 2000, mostra que não há evidências de
que o tempo de experiência do examinador tenha alguma relação com o fato da Corte
de Recursos do Federal Circuit (Court of
Appeals for the Federal Circuit, CAFC) declarar a patente inválida após a
concessão. Examinadores mais “generosos” que concedem patentes mais amplas, têm
uma maior tendência em ter suas patentes rejeitadas na CAFC.[13] Lichtman encontra variações
significativas entre examinadores em termos de frequência com que são
solicitadas emendas no quadro reivindicatório. [14] Mark
Lemley e Bhaven Sampat em estudo com cerca de 10 mil pedidos depositados em
janeiro de 2001 no USPTO chegam a conclusão que examinadores com mais de 5 anos
de experiência em relação aos examinadores com apenas 2 a 4 anos de experiência
tem (i) taxas de concessão 11 pontos percentuais superiores, (ii) citam menos
documentos do estado da técnica, (iii) possuem menos rejeições em primeiro
exame (mais concessões em primeiro exame) o que sugere que os examinadores com
menos tempo de experiência são mais exigentes no exame de patente. Com relação
aos pedidos que foram concedidos na EPO o estudo não mostra diferença significativa
entre examinadores mais e menos experientes no que diz respeito a taxa de
concessão no USPTO, no entanto se tomarmos os pedidos rejeitados na EPO os
examinadores mais experientes no USPTO tendem a ter uma taxa de concessão
maior. Tomando-se o conjunto total de dados dos 2180 pedidos concedidos no
USPTO 1143 foram concedidos na EPO (52%) ao passo que dos 1271 pedidos
concedidos na EPO um total de 1143 acabaram concedidos no USPTO (89%) o que
mostra que o exame na EPO é mais rigoroso. Entre as razões apontadas para a
maior taxa de concessão entre examinadores mais experientes encontram-se o fato
destes estarem menos familiarizados com as técnicas mais recentes e, portanto,
estão mais propensos a deferir os pedidos. Um segundo motivo é que os
examinadores mais experientes têm menos tempo para exame pois devem apresentar
mais exames na produção.[15] No
USPTO o examinador em média dispende 16-18 horas para o exame de uma patente. [16] Stephen
Kunin observa que se em 2005 eram citadas em média 22 documentos no exame do
USPTO este número subiu para 48 em 2014 o que mostra “não é factível imaginar que um examinador possa fazer uma revisão
aprofundada de quase 50 documentos por patente em um intervalo de 16-17 horas
em que ele pode gastar por patente”.[17] Adam
Jaffe e Josh Lerner sugerem que uma abordagem rígida no exame por parte do
USPTO pode desestimular os inventores e reduzir o número de depósitos e por
consequência a arrecadação, de modo que isto incentiva os examinadores a serem
mais flexíveis no exame.[18]
Shine Tu[19]
mostra que os examinadores do USPTO que concedem mais patentes não apresentam
taxas de litígio maiores que as dos demais examinadores. O estudo analisa cerca
de 1,7 milhões de patentes concedidas entre 2001 e 2012 e cerca de 12 mil
patentes com litígio encerrado entre 2010 e 2011 não somente do Federal Circuit,
mas de Cortes Distritais, portanto, muitos casos não possuem decisão final após
recurso. O número médio de patentes concedidas por ano para cada examinador é
calculado dividindo-se o total de patentes concedidas por cada examinador por
ano dividido pelo tempo em anos como examinador no USPTO. Examinadores com três
a cinco anos de experiência e com uma produtividade de 45 a 60 patentes
concedidas por ano, possuem uma taxa de litígio maior do que a esperada.
Examinadores com mais patentes concedidas por ano (com mais de 80 patentes
concedidas por ano), portanto, com menos tempo gasto em cada exame, apresentam
proporcionalmente uma quantidade menor de patentes em litígio.
Este equilíbrio e harmonização
entre os examinadores e as diferentes instâncias de exame é fundamental para a
qualidade do exame. Paul Burke e Markus Reitzig analisaram os exames da EPO em biotecnologia entre 1978 e
1987, na época do surgimento desta tecnologia, e observaram diferenças nos
critérios de avaliação entre o primeiro exame e a fase de nulidade. Segundo os
autores, os dados mostram uma divergência de rigor entre os examinadores e as
divisões de oposição que julgam casos de nulidade, ou seja, estas duas
instâncias julgariam informações idênticas de forma diferenciada, o que é
indesejável.[20]
Gregory
Mandel propõe como uma forma de reduzir a subjetividade do examinador da
análise de não obviedade que se estabeleça uma correlação com a probabilidade
do técnico no assunto em atingir a solução proposta. Desta forma, avanços
técnicos mais prováveis de ocorrer são geralmente óbvios, enquanto que os
avanços muito improváveis de ocorrer são geralmente não óbvios: “todos os demais fatores mantidos iguais, uma
invenção que tem setenta e cinco por cento de chances de ser alcançada é mais
óbvia do que outra invenção que é apenas vinte e cinco por cento provável”.
Esta abordagem leva em conta que, na prática, conhecimentos do estado da
técnica, mas que são improváveis do técnico no assunto conhecer (como uma tese
armazenada de forma não digitalizada em uma biblioteca de outro país em um
idioma estrangeiro pouco conhecido) não serão usados na análise de atividade
inventiva. As evidências secundárias de atividade inventiva como superação de
preconceito e solução de uma necessidade de longa data continuarão tendo peso
na mesma decisão, pois estas têm impacto na probabilidade de solução. A
existência de soluções simultâneas por terceiros constituirá um fator adicional
para reforçar o argumento de alta probabilidade de se chegar na invenção. Mark
Lemley, contudo, observa que o Federal Circuit tem se mostrado inconclusivo se
a existência de desenvolvimento simultâneos pode ser usado como prova de
obviedade[21].
Gregory Mandel observa que a proposta atende a sugestão da Suprema Corte em KSR
de se adotar uma análise “expansiva e flexível” ao invés de uma análise
“formalista”. Ainda que um limiar preciso de probabilidade não seja
recomendável, de qualquer forma o critério, segundo Gregory Mandel irá
contribuir para redução da incerteza na análise de não obviedade. Toda a análise
fica, portanto, centrada na decisão do técnico no assunto quando colocado
diante do mesmo problema técnico. Michael Meurer e Katherine Strandburg[22]
questionam que a proposta de Gregory Mandel não reduz o problema de hindsight: para avaliar a proporção dos
técnicos no assunto que resolveriam o mesmo problema técnico usando a solução
reivindicada dificilmente o técnico no assunto iria fazer uma análise isenta
uma vez que ele já conhece a solução.
[1] ROSSI, Paolo. Francis
Bacon: da magia à ciência. Curitiba:Ed. UFPR, 2006, p.27
[2] ISAACSON, Walter. Einstein,
sua vida, seu universo, São Paulo: Cia. Das
Letras, 2007. p. 96
[3] TRAINER, Matthew. Albert Einstein’s patents. World Patent
Information, v.28, p. 164, 2006
[4] MERGES, Robert. As Many as Six Impossible Patents Before Breakfast:
Property Rights For Business Concepts and Patent System Reform, 14 BERKELEY
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(2001).; KESAN, Jay. Carrots and sticks to create a better patent system,v.17
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[5] http://www.wipo.int/pct/en/quality/authorities.html
[6] KIRKPATRICK, Keith.
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n.5, p.27-29; PAPANDREA, Mary-Rose. Moving beyond cameras in the courtroom:
technology, the media and the Supreme Court, 2012, BYU Law Review, 1901 (2012)
http://digitalcommons.law.byu.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2697&context=lawreview
[7]Pesquisa Amcham/Ibope:
em 2010, cresce percepção positiva do empresariado sobre INPI http:
//www.amcham.com.br/regionais/amcham-sao-paulo/noticias/2010/pesquisa-amcham-ibope-em-2010-cresce-percepcao-positiva-do-empresariado-sobre-inpi/?searchterm=Amcham/Ibope
[8]
http://estatico.amcham.com.br/arquivos/2016/inpi-rediagramacao-30052016.pdf
[9]
http://www.amcham.com.br/o-que-fazemos/estudos-publicacoes-e-pesquisas/relatorios-inpi
[10] CASTRO, Ana Célia;
PACÓN, Ana maria; DESIDERIO, Mônica. Varieties of
Latin-American Patent Offices: Comparative Study of Practices and Procedures,
In, BURLAMAQUI, Leonardo; CASTRO, Ana Célia; KATTEL, Rainer. Knowledge Governance:
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http://cors.edubit.com.br/files/30.pdf
[11]
DRAHOS, Peter. The global governance of knowledge: patent offices and their
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[12]
DEERE, Carolyn. The politics of intelllectual property reform in developing
coountries: the relevance of the WIPO. In: In; NETANEL, Neil Weinstock. The
development agenda: global intellectual property and developing countries.
Oxford, 2009,p.115
[13]COCKBURN, Iain; KORTUM, Samuel; STERN, Scott. Are
All Patent Examiners Equal? The Impact of Examiner Characteristics. NBER
Working Paper No. 8980 jun.2002. http: //www.nber.org/papers/w8980
[14]
LICHTMAN, Douglas. Rethinking prosecution history estoppel. Chicago Law Review,
2004, v.71, n.1, p.151-182.
[15] LEMLEY, Mark; SAMPAT,
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[16] XUE, Wen. Obviousness
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New York University, v.5, n.2, 2016, p.318; THOMAS, John. Collusion and
collective action in the patente system: a propossal for patente bounties,
2001, University of Illinois Law Review, v.305, 2001
[17] QUINN, Gene. High Value
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http://www.ipwatchdog.com/2014/12/11/high-value-patents-where-strength-meets-quality/id=52569/
[18] JAFFE, Adam; LERNER,
Josh. Innovation and its discontents, Princeton Univerty Press, 2004, p.
2468/5128 (kindle edition); XUE, Wen. Obviousness guidance at the PTO. Journal
of intellectual property and entertainment law, New York University, v.5, n.2,
2016, p.320
[19]
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Review, v.17, 2014, p.507-548
http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2458140
[20] BURKE, Paul; REITZIG,
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(in)consistency in patent offices’ decision making. Research Policy, 2007,
v.36, p. 1425
[21] Hybritech v. Monoclonal
Antibodies 802 F.2d 1367 (Fed. Cir. 1986) DURIE, Daralyn; LEMLEY, Mark, A
realist approach to the obviousness of inventions, 2011, p.16
http://ssrn.com/abstract=1133169
[22] MEURER, Michael;
STRANDBURG, Katherine. Patent carrrots and sticks: a model of nonobviousness,
2008, p.571
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