Uma invenção baseada
em método matemático, para aplicação industrial e não meramente restrita ao
campo da matemática pode ser patenteável. Uma equação que descreva um fenômeno
da natureza não será patenteável por consistir uma
descoberta, uma descrição de como “funciona” a natureza. A equação de
Newton que afirma que a força é dada pelo produto da
massa e aceleração de um corpo, por exemplo, apenas descreve algo do mundo físico
e, portanto, não será patenteável, ainda que a natureza não se comporte
exatamente conforme esta equação. Uma vez enquadrado o pedido e patente como
teoria científica não compete ao examinador discutir com o requerente se a
teoria apresentada está correta ou não. Em T 1538/05 o Boards of Appeal conclui
que caracterizado como teoria científica, sem qual efeito técnico observável,
não compete ao escritório de patentes analisar o mérito ou a veracidade da
teoria, sendo tal discussão mais pertinente a forums acadêmicos. [1]
Nicolas Binctin observa que as invenções fundamentadas em teorias matemáticas
ou científicas podem ser patenteadas, uma vez que a exclusão se deve a teorias
como tal, de modo que u método de criptografia pode ser considerado invenção.[2]
Uma invenção baseada
em uma equação matemática que descreva o modo como se deva controlar a
temperatura de um forno, levando-se em conta diversas variáveis, mostra a
intervenção do homem sobre a natureza, sendo portanto passível de proteção por
patentes. Por exemplo o PI0213904 refere-se a uma solução aquosa de formaldeído
compreendendo formaldeído em forma de formaldeído monomérico, metileno glicol e
polioximetileno glicóis em uma concentração total superior a 65 % em peso,
caracterizada pelo fato de que a massa molar média dos polioximetileno glicóis,
como uma função da concentração de formaldeído, é igual a ou inferior aos
valores dados na equação XYZ: em que: m é a massa molar média, x é a
concentração total de formaldeído em forma de formaldeído monomérico, metileno
glicol e polioximetileno glicóis em % em peso (concentração total de
formaldeído). A reivindicação apesar de citar textualmente uma equação
matemática não se configura como método matemático, pois resolve um problema de
natureza técnica na preparação de produtos de reação.
Mario Livio em “Deus é matemático” analisa se devemos
considerar os métodos matemáticos como invenções, produtos da criação humana,
ou descobertas. Mesmo teorias matemáticas antes tidas como meras abstrações acabam
adquirindo aplicação prática, tal como erro com a teoria dos números que viria
a ser aplicada por Clifford Cocks no desenvolvimento de algoritmos de
criptografia. Mesmo a geometria euclidiana antes tida como representação
inevitável da natureza em suas formas, teve de enfrentar o surgimento da
geometria n-dimensional, dita não-euclidiana, criada por matemáticos como
Lobachevsky em 1850, que libertou os
matemáticos das restrições de espaço tempo até então submetida. Outros pontos
de ruptura com uma visão única de matemática foi o surgimento na primeira
álgebra não comutativa proposta por Hamilton em 1843, o das lógicas
multivalentes proposta por Lukasiewicz em 1921 e o paradoxo na teoria dos conjuntos de Cantor. [3]
Henri Poincaré chegou
a afirmar que os axiomas de geometria “não
são nem intuições sintéticas a priori nem fatos experimentais. São convenções.
Nossa escolha entre todas as convenções possíveis é guiada por fatos
experimentais, mas ela permanece livre”. Nesta interpretação a matemática
está muito mais próxima de uma invenção do que de uma descoberta. [4] Segundo Howard Eves: “o postulado de Euclides, por exemplo, na medida em que tenta
interpretar o espaço real, revela ter o mesmo tipo de validade da lei de queda
livre dos corpos de Galileu; isto é, ambos são leis que decorrem da observação
e ambos são suscetíveis de verificação dentro dos limites do erro experimental”.
Ainda segundo o historiador Horward Eves, com a geometria não euclideana “a matemática despontou como uma criação
arbitrária do espírito humano e não como algo necessariamente ditado a nós pelo
mundo que vivemos”. Para o historiador Eric Bell “Da mesma maneira que um romancista cria personagens, diálogos e
situações dos quais ele é, ao mesmo tempo, autor e senhor, o matemático inventa
à vontade os postulados sobre os quais baseia seus sistemas matemáticos. Tanto
o romancista como o matemático podem ser influenciados pelo meio ambiente na
escolha e tratamento de seu material; mas nenhum deles é compelido por uma
necessidade extra humana, eterna, a necessariamente criar certos personagens ou
a inventar certos sistemas”.[5]
James Maxwell referia-se ao trabalho de Fourier como “um grande poema matemático”.
O lógico norte
americano Alonzo Church aprofunda a crítica na medida em que não somente os
postulados da matemática são mutáveis como a própria lógica: “Não se atribui nenhum caráter de unicidade
ou de verdade absoluta a qualquer sistema lógico particular. Os entes da lógica
formal são abstrações criadas com o fito de descrever ou sistematizar fatos da
experiência ou observação, e suas propriedades, delineadas aproximadamente pelo
uso em vista, dependem do inventor para adquirir um caráter exato [...]
Consequentemente pode haver, e realmente há, mais do que uma geometria
suscetível de descrever o espaço físico. Analogamente existe, sem dúvida
nenhuma, mais de uma lógica suscetível de ser usada e, de todas elas, uma pode
ser mais agradável ou mais conveniente, mas não se pode dizer que esta seja
certa e aquela errada”.[6]
Na sociologia de acordo
com Paul Feyerabend, novas teorias na ciência devem ser aceitas não pelo fato
de estarem de acordo com o método dito científico, mas porque seus proponentes
podem fazer uso de qualquer artifício – racional, retóricos ou vulgares – no
sentido de desenvolver sua causa. Para Paul Feyerabend a única possibilidade de
progresso ocorre quando se admite que “todas as teorias valem”. [7]
Para David Bloor, da Universidade de Edimburgo, Escócia, defensor de um
“programa forte em sociologia das ciências”, esta análise que relativiza as “verdades da ciência” pode ser estendida
também para domínios considerados inexpugnáveis, como o da matemática.
Para Mario Livio a
matemática é uma combinação de invenções e descobertas: “os axiomas da geometria euclidiana como um conceito foram uma invenção
assim como as regras de xadrez foram uma invenção. Os axiomas foram também
suplementados por uma variedade de conceitos inventados, como triângulos,
paralelogramos, elipses, a razão áurea e assim por diante. Os teoremas da geometria
euclidiana, por outro lado, foram no geral descobertas, foram caminhos ligando
os diferentes conceitos ... Tipicamente os conceitos foram invenções. Números
primos como um conceito foram uma invenção, mas todos os teoremas sobre números
primos foram descobertas”[8].
Maria Livio utiliza o termos invenção para tudo o que é fruto da liberdade de
criação do homem. Este não é o conceito de invenção que é empregado na lei de
patentes. Nem todas as obras da criação do espírito humano são objeto de
patente. Assim os exemplos citados por Mario Livio encontram-se excluídos da
proteção patentária por falta de aplicação industrial.
O autor cita, contudo,
um exemplo que pode se aplicar a distinção entre invenção e descoberta pela lei
de patentes. Tanto a relatividade especial quanto a relatividade geral
desenvolvidas por Einstein não são patenteadas por constituírem teorias
científicas, uma das possíveis descrições do universo. O GPS utiliza tais
teorias ao determinar a posição atual do receptor por meio da medição do tempo
que leva um sinal eletromagnético de vários satélites chegar até ele e pela
respectiva triangulação de posições de cada satélite. A relatividade especial
nos informa que o tempo nestes satélites deve ser um pouco mais lento do que o
registrado nos relógios no solo terrestre por conta de seu movimento relativo.
A relatividade geral por outro lado prediz que os relógios dos satélites devam
ser mais rápidos dos que os do solo por conta da curvatura espaço tempo
resultante da massa da Terra ser menor na altitude dos satélites. Um sistema
que leve em conta estes efeitos garante medições de posição mais precisas, o
que de outra forma poderia levar a erros cumulativos de até 8 kilômetros por
dia. Um sistema de sincronização de sistemas GPS que leve em conta tais efeitos
é patenteado ao passo que qualquer pessoa continua livre para utilizar as
mesmas teorias relativísticas para outras aplicações.[9]
O parecer do pedido
PI9407646 sintetiza os argumentos para patenteabilidade de métodos matemáticos. O pedido trata de processo
computadorizado para otimização de gastos e a taxa de crescimento em criaturas
vivas tomando por base curvas de Gompertz que levam em conta múltiplos
parâmetros (genéticos e não genéticos). O parecer conclui: “Uma invenção relativa a programa de
computador cuja novidade está na utilização de um método matemático para
solução de um problema será considerado
invenção desde que a invenção como um todo traga a solução de um problema
técnico, isto é, um problema que não seja puramente matemático. Um programa de
computador que implemente um método matemático, tal como um método de solução
de equações, por exemplo, não será considerado invenção pois se trata de um
problema de matemática pura, isto é, o estudo das propriedades das grandezas em
abstrato. Para tal criação ser considerada invenção é necessário que tal
algoritmo matemático seja aplicado em determinado campo da prática, isto é,
fora do universo da matemática propriamente dito. A requerente procede em seu
argumento, de que no presente caso, há a aplicação de um modelo matemático para
um problema de ordem prática, e não meramente matemática”.
Alonso Chuch [10]
[1] Case Law
of the Boards of Appeal of the European Patent Office Sixth Edition July 2010,
p. 12 http://www.epo.org/law-practice/case-law-appeals/case-law.html
[2] BINCTIN, Nicolas. Droit de la propriété intellectuelle, LGDJ:Paris,
2012, p.297
[3] EVES,
Howard. Introdução à história da matemática, São Paulo. Ed.
Unicamp, 2004, p.555
[4]
Deus é matemático. Mario Livio, Rio de Janeiro:Record, 2010, p.190
[5]
EVES, Howard. Introdução à história da matemática, São Paulo. Ed.
Unicamp, 2004, p.528, 545
[6] EVES,
Howard. Introdução à história da matemática, São Paulo. Ed.
Unicamp, 2004, p.671
[7]
http://pt.wikipedia.org/wiki/Paul_Feyerabend
[8] LIVIO, Mario. op.cit. p.275
[9] LIVIO, Mario. op.cit. p.257
[10] www.educ.fc.ul.pt
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