sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Relação entre atividade inventiva e contrafação na doutrina francesa


Segundo a doutrina francesa: “não existe uma identidade entre a equivalência para patenteabilidade e equivalência para contrafação. Para contrafação é satisfatório um resultado parecido. Não é necessário que o resultado seja do mesmo grau ou de mesma qualidade. Quando se diz que o resultado não tem de ser idêntico e que é suficiente que seja parecido, que afirmar que se se o resultado apresenta uma simples diferença de grau, existirá equivalência e, portanto, contrafação se ao contrário se tratar de uma diferença de natureza do resultado, não haverá contrafação, e por conseqüência não haverá contrafação”[1] Jean Pierre Stenger destaca que a doutrina e jurisprudência francesas rejeitam a tese de que aquilo que é considerado parte do domínio público durante o exame de patente necessariamente escape ao escopo de proteção da patente e que de modo inverso, ou seja o critério adotado para apreciação de uma anterioridade é mais severo do que aquele adotado na apreciação de contrafação. Desta forma é mais difícil se conseguir uma nova patente do que se caracterizar uma contrafação. Para Paul Roubier a distância que separa a invenção patenteada das anterioridades deve ser maior que aquela zona interior na qual se admite que haja contrafação, por isso no primeiro caso (para se conceder uma patente) deve-se concentrar nas diferenças, enquanto que no segundo caso (análise de contrafação) deve-se concentrar nas semelhanças.[2] Para Paul Roubier no direito francês o critério aplicado na determinação de contrafação deve ser menos severo que aquele aplicado no exame comparativo entre a invenção e o estado da técnica.[3] Balmes Garcia ao analisar a doutrina francesa resume este aspecto: “Comparando-se a noção de meios equivalentes quanto á patenteabilidade e á contrafação, percebe-se, a despeito da quase coincidência de ambas, que a segunda é mais rigorosa que a primeira, podendo a nova invenção industrial escapar à determinada anterioridade, vindo a não ser alcançada pela não evidência em relação a ser considerada patenteável e, contudo, ser, ainda assim, considerada contrafação, não escapando à noção de equivalência empregada nesta análise”[4]. Dado, portanto, uma patente de produto caracterizado pelos elementos X, Y e Z, ao substituir Y por Y’ será possível obter uma nova patente, ou seja, Y’ não é óbvio diante de Y neste caso, no entanto o produto composto por X, Y’ e Z pode ainda assim ser uma contrafação de XYZ, ou seja, Y é equivalente a Y’.

Segundo o grupo francês coordenado por Michel de Beaumont em resposta à questão Q175 da AIPPI[5] em reunião na Suíça em 2003: “admitir que um meio equivalente não seja contrafação baseado unicamente no fundamento de que isto não teria sido óbvio, permitiria que um contrafator não seria processado  bastando depositar uma segunda patente que osse ou uma variante ou um aperfeiçoamento da primeira”, ou seja, dada a primeira patente XYZ, bastaria ao acusado de contrafação depositar uma patente para XY’Z sendo Y’ um aperfeiçoamento inventivo de Y (e, portanto, teria esta segunda patente concedida) para escapar á acusação de contrafação. Jean Pierre Stenger observa que sendo Y’ equivalente a Y, mas ainda que poporcionando um melhor resultado, nada mais constitui que um aperfeiçoamento, no entanto o tão de estar Y’ desempenhando a mesma função de Y configura a situação de contrafação: “mas onde estará o limite da equivalência ? a resposta é simples: quando não se encontra mais a mesma função [...] Quer dizer que uma patente não protege na verdade um meio mas uma função ? certamente que não, pois a patente só existe quando existe um meio. Se ela não fornece ao menos um meio suscetível de se produzir o resultado não haverá invenção nem proteção legal. Mas se é fornecido um meio, e um só meio é suficiente para que o resultado seja alcançado, a patente se estenderá a todos os meios equivalentes. O monopólio não se encontra sobre a função, mas sobre os meios descritos e os meios equivalentes”.[6] Por exemplo, um parafuso de Arquimedes pode ser usado para uma prensa ou para o transporte de fluidos, dois resultados distintos mas que empregam os mesmos meios. No primeiro caso a função do parafuso é exercer pressão sobre a prensa e no segundo caso transportar o fluido. Como as funções são distintas não há contrafação. [7]

No entanto em outras partes a doutrina francesa parece apontar em outro sentido alinhando-se com a perpectiva norte americana de se adotar critérios iguais na análise de obviedade e equivalência. Para Henri Allart: “Se uma aplicação já conhecida do mesmo meio é apresentada em oposição à uma patente, ela deve, para derrubar esta última, ser idêntica aquela que forma o objeto de sua reivindicação; ela deverá em uma palavra ser tal que constitua uma contrafação, se ao invés de ser anterior, ela fosse posterior à patente”.[8] Jean Pierre Stenger observa que um meio novo, ainda que equivalente ao meio mostrado na patente, por realizar a mesma função e alcançar o mesmo resultado do que o obtido na patente, poderia-se dizer que trata-se de um equivalente não patenteável em relação ao meio descrito na patente, no entanto, a jurisprudência não parece seguir este ponto de vista. A Corte de Cassação de Paris em decisão de 1894 entendeu que a aplicação da celulose para enchimento dos porões dos navios não se estendia à celulose de feltro inventada posteriormente e patenteada.[9] Neste caso a corte aparece adotar o critério de que sendo Y’ inventivo em relação a Y não haverá contrafação. Alain Casalonga como medida conciliatória discrimina entre os meios <absolutamente novos> não se aplicará a doutrina de equivalentes, ficando restritas aos casos em que os meios usados na patente são susbtituídos por meios <relativamente novos>, ou seja, a aplicação da doutrina de equivalente fica dependente do grau de inventidade dos meios que substituem àqueles descritos na patente. Para Alain Casalonga a contrafação se caracteriza quando  se utilizam os mesmo meios combinados da mesma forma  tendo vista o mesmo resultado. A equivalência aplica-se quando os dois meios exercem a mesma função. Assim um produto substituído por equivalente  poderá ser oponível a uma patente depositada posteriormente sob o fundamente de ser uma substituição evidente. [10] Jean Pierre Stenger reconhece que o direito francês ao aplicar critérios de equivalência distintos e independentes dos aplicados na análise de obviedade da invenção tem como resultado uma maior insegurança jurídica quando se coloca a questão da contrafação quando comparado com a prática norte ameircaana que adota critérios semelhantes nos dois casos.[11] Nesse sentido Jean Pierre Stenger aponta que exceto algumas casos excepcionais, na maior parte das vezes as decisões de contrafação são “puramente subjetivas e parecem frequentemente gratuitas e arbitrárias”.[12] O belga Vander Haeghen ao tratar do princípio da equivalência observa que o mesmo “deve ser igualmente ser utilizado na determinação do objeto da invenção e especialmente quando se trata de decidir se uma diferença aparente é essencial ou somente de oridem construtiva”. Para Vander Haeghen a comparação entre dois objetos para avaliar sua originalidade se faz geralmente pela aplicação do princípio dos equivalentes[13]
Poullaud Dulian observa que a doutrina de equivalência descartada para o exame de novidade pode servir para o exame de atividade inventiva.[14] Segundo decisão do Tribunal de Grande Instance de 1980 a equivalência não pode ser levada em conta senão para o exame de atividade inventiva.[15] Desta forma a substituição de um meio conhecido por outro equivalente cumprindo a mesma função para se atingir o mesmo resultado pode ser vista como não inventiva. Schmidt Szalewski argumenta que a análise da equivalência dos meios é considerada na análise de atividade inventiva: “se um meio estruturalmente diferente exerce a mesma função que aquele conhecido do estado da técnica, tal meio é novo, porém, provavelmente lhe falta atividade inventiva”[16] Segundo o Tribunal de Grande Instance de Paris é desprovida de atividade inventiva uma patente  que é equivalente à uma patente anterior.[17] Segundo Chavanne e Burst: “de modo geral, a substituição de um meio por um meio equivalente, ou seja, ou meio diferente em sua forma mas que exerce a mesma função tendo em vista o mesmo resultado, não é inventivo”. [18] François Panel aponta como um dos indícios negativos de atividade inventiva o fato de se utilizar equivalentes bem conhecidos de elementos da técnica anterior.[19] François Panel aponta três conceitos de equivalência como não implicando da parte do inventor uma atividade inventiva para passar do meio descrito na anterioridade principal aos meios por ele preconizados e conhecidos por uma outra anterioridade: 1) os chamados equivalentes técnicos (équivalents techniques) que garantem a mesma função e 2) os equivalentes evidentes (équivalents évidents) tendo em vista o problema à ser resolvido e a solução proposta pelo inventor, 2) segundo a doutrina alemã, os chamados equivalentes não evidentes ou indiretos, algumas vezes de equivalentes jurídicos (équivalents juridiques).[20]

 



[1] CHAVANNE, Albert; BURST, Jean-Jacques; Droit de la Propriété Industrielle, Précis Dalloz:Paris,1998, p.243
[2] STENGER, Jean Pierre. La contrefaçon de brevet en droit français et en droit américain. Collection Hermes, Ed. Cujas: Paris, 1965, p.141
[3] STENGER, Jean Pierre. La contrefaçon de brevet en droit français et en droit américain. Collection Hermes, Ed. Cujas: Paris, 1965, p.171
[4] GARCIA, Balmes Vega. Contrafação de patentes, São Paulo:LTR, 2004, p.88
[5] http://www.aippi.fr/upload/Lucerne%202003%20Q173%20174%20175/gr175france.pdf
[6] STENGER, Jean Pierre. La contrefaçon de brevet en droit français et en droit américain. Collection Hermes, Ed. Cujas: Paris, 1965, p.165
[7] STENGER, Jean Pierre. La contrefaçon de brevet en droit français et en droit américain. Collection Hermes, Ed. Cujas: Paris, 1965, p.169
[8] ALLART, Henri. Traité théorique et pratique des brevets d'invention. 1911, Paris:Arthur Rousseau, p.72
[9] STENGER, Jean Pierre. La contrefaçon de brevet en droit français et en droit américain. Collection Hermes, Ed. Cujas: Paris, 1965, p.152
[10] CASALONGA, Alain. Brevets d'invention, marques et modèles. Paris, Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1970, p.28
[11] STENGER, Jean Pierre. La contrefaçon de brevet en droit français et en droit américain. Collection Hermes, Ed. Cujas: Paris, 1965, p.171
[12] STENGER, Jean Pierre. La contrefaçon de brevet en droit français et en droit américain. Collection Hermes, Ed. Cujas: Paris, 1965, p.374
[13] HAEGHEN, Vander. Brevets d'invention marques et modèles, Bruxelas:Ed. Ferdinand Larcier, 1928, p.49, 71, 112
[14] POLLAUD-DULIAN, Frédéric , Propriété intellectuelle. La propriété industrielle, Economica:Paris, 2011, p.207
[15] TGI Paris, 27 junho 1980, Dossiers Brevets 1981.IV.2 cf. CHAVANNE, Albert; BURST, Jean-Jacques; Droit de la Propriété Industrielle, Précis Dalloz:Paris,1998, p.50
[16] SZALEWSKI,J.Schmidt; PIERRE,J.L. Droit de la propriete industrielle,Paris:Litec, 1996, p.49
[17] TGI Paris, 8 dezembro 1988, Verdelet c. MPPI, PIBD, 1989, III, 163. BERTRAND, André. La propriété intellectuelle, Livre II, Marques et Breves  Dessins et Modèles, Delmas:Paris, 1995, p.167
[18] CHAVANNE, Albert; BURST, Jean-Jacques; Droit de la Propriété Industrielle, Précis Dalloz:Paris,1998, p.84
[19] PANEL, François. La protection des inventions en droit européen des brevets. Collection du CEIPI, Paris:Litec, 1977, p.53
[20] PANEL, François. La protection des inventions en droit européen des brevets. Collection du CEIPI, Paris:Litec, 1977, p.54

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