Artigo 23b TRIPs
Segundo o Artigo
23.3.b de TRIPs “Os Membros também podem
considerar como não patenteáveis plantas e animais, exceto micro-organismos e
processos essencialmente biológicos para a produção de plantas ou animais,
excetuando-se os processos não-biológicos e microbiológicos”. No inglês: “Members may also exclude from patentability:
plants and animals other than micro-organisms, and essentially biological
processes for the production of plants or animals other than non-biological and
microbiological processes”. Segundo a FGV: “A versão em português [do Artigo 27.3 (b) de TRIPs] se equivoca ao
colocar a vírgula após “animais” e não após “micro-organismos”. Essa alteração
resulta na exclusão dos micro-organismos e processos essencialmente biológicos
da categoria plantas e animais. Nesse sentido, a versão traduzida leva ao
entendimento de que o TRIPS não concede a possibilidade aos Membros de
considerar como não patenteáveis os processos essencialmente biológicos. O que
o artigo estipula, em verdade, é que os Membros podem considerar como não
patenteáveis plantas e animais, com exceção dos micro-organismos, ou seja, os micro-organismos
não poderão ser incluídos nesta possibilidade de não patenteabilidade. Já os
procedimentos essencialmente biológicos devem ter o mesmo tratamento dado às
plantas e animais, e não serem excepcionados como os micro-organismos”.[1]
Artigo 27.2 TRIPs
Members may exclude
from patentability inventions, the prevention within their territory of the
commercial exploitation of which is necessary to protect ordre public or
morality, including to protect human, animal or plant life or health or to
avoid serious prejudice to the environment, provided that such exclusion is not
made merely because the exploitation is prohibited by their law
Daniel Gervais
chama a atenção que o texto do Artigo 27.2 de TRIPS faz referência a “public order or morality” o que seria
uma tradução inapropriada do francês “ordre
public” que tem outro sentido.[2] O termo
em françês se aproxima mais de “public
policy” ou seja, “política pública”. Enquanto “public order” ou “ordem pública” que consta do Artigo 18 da LPI e
da tradução em português do TRIPS significa a manutenção da segurança pública,
o termo francês “ordre public” diz
respeito a um conceito mais amplo, aos fundamentos que não podem ser derrogados
sob risco de ameaçar a estabilidade das instituições de uma dada sociedade. Segundo
a FGV “A expressão “ordem pública”
empregada na tradução em português deve ser lida com a carga axiomática da
expressão em francês “ordre public”, por mais que se possa literalmente
apresentar uma tradução.”[3]
Artigo 53b EPC
European
patents shall not be granted in respect of:
(b) plant or animal varieties or essentially biological processes for
the production of plants or animals; this provision shall not apply to
microbiological processes or the products thereof
A versão da EPC em
alemão teve a redação do Artigo 53(b) modificada substituindo o termo Tierarten na EPC1973 (espécie animal)
para Tierrassen (raças animais), uma
vez que o primeiro termo tinha um significado mais restrito que o termo em
inglês animal varieties, gerando
problemas de interpretação uma vez que tanto o inglês como o alemão são idiomas
oficiais da EPC. A expressão “animal
varieties”[4]
assim como o termo em francês “races
animales” referem-se somente a subespécies, ao passo que o termo em alemão
“Tierarten” refere-se a espécie
animal inteira[5].
Assim, podem ser concedidas, por exemplo, patentes para animais produzidos por
um processo microbiológico, ainda que este termo não esteja definido na EPC.[6] Pollaud
Dulian observa que as raças animais na linguagem científica significam uma
subdivisão da espécie. Vetar patentes para animais poderia significar uma
restrição excessiva. Embora a expressão <race
animale> (Artigo 4º da Diretiva de Biotecnologia Europeia 44/98/CE)[7] seja
imprecisa, ela admite a patenteabilidade de animais obtidos por processos não
essencialmente biológicos. As patentes relativas a animais são patenteáveis se
estas não estão tecnicamente limitadas a uma raça animal específica.[8] De
qualquer forma a Diretiva Europeia 98/44/CE permite a possibilidade de rejeitar
patentes de animais quando isto for contrário à ordem pública e as boas
maneiras.
Artigo 4G - CUP
O conceito de unidade de
invenção está presente no artigo 4G da CUP: “Se o exame revelar que um pedido de patente é complexo poderá o
requerente dividir num certo número de pedidos divisionários, cada um dos quais
conservará a data do pedido inicial e, se for o caso, o benefício do direito de
prioridade”. Segundo Bodenhausen “Pode
ocorrer, de acordo com a legislação do país em que se efetue o exame, que se
considere que um pedido de patente é complexo por razões distintas da falta de
unidade de invenção, por exemplo, porque contém uma combinação proibida de
reivindicações para fabricação e utilização do mesmo objeto inventado. Em tais
casos se aplica igualmente o artigo 4G, embora provavelmente este seja utilizado
com mais frequência nos casos em que o pedido tenha mais de uma invenção”. [9]
Segundo o artigo 22 da
LPI “o pedido de patente de invenção terá
de se referir a uma única invenção ou a um grupo de invenções
inter-relacionadas de maneira a compreenderem um único conceito inventivo”,
o que sugere que uma vez o exame tendo identificado falta de unidade de
invenção o depositante terá oportunidade para dividir seu pedido conforme
artigo 35 da LPI. No entanto, esta não é a única possibilidade em que o INPI
pode emitir parecer técnico relativo a divisão do pedido, uma vez que a LPI não
define as situações em que o INPI pode fundamentar um pedido de divisão. O Ato
Normativo nº 127/97 de 5 de março de 1997 no item 6 prevê que esta situação possa
ocorrer “quando o exame técnico revelar
que o pedido é complexo ou que contém um grupo de invenções que compreendem
mais de um conceito inventivo, ou mais de um modelo de utilidade”. Na
Instrução Normativa nº 30/2013 de 4 de dezembro de 2013, contudo, este trecho
do Ato Normativo nº 127/97 foi reescrito como “quando o exame técnico revelar que o pedido contém um grupo de
invenções que compreendem mais de um conceito inventivo, ou mais de um modelo
de utilidade”. Já não há mais referência a possibilidade do INPI
fundamentar uma solicitação de divisão de pedido com base no pedido ser
complexo. Como a CUP deixa para as legislações nacionais a definição das
condições em que se pode solicitar ao depositante a divisão do pedido, não há
qualquer contradição com a CUP seja no Ato Normativo nº 127/97 ou na Instrução
Normativa nº 30/2013 apenas que esta última aceita como única justificativa
para o INPI solicitar a divisão do pedido o fato do pedido não ter unidade de
invenção.
Nuno Carvalho observa
que a tradução da CUP ao português presente no Decreto n.º 75572 de 8 de abril
de 1975 refere-se a “que um pedido de
patente é complexo” quando o texto do artigo 4g da CUP em inglês refere-se
a “a patent contains more than one
invention”. No entanto no texto autêntico em francês o mesmo trecho
refere-se a “Si l’examen révèle qu’une
demande de brevet est complexe”, ou seja, o decreto brasileiro traduziu
corretamente a partir do texto autêntico em francês[10].
Bodenhausen já em 1969 observava que esta tradução para o inglês não é muito
precisa porque um pedido pode ser complexo por razões outras que não a falta de
unidade de invenção, por exemplo a complexidade do quadro reivindicatório. Para
Nuno Carvalho o termo “complexo” pode
se referir a complexidade técnica da invenção o não está de acordo com o
sentido original do texto da CUP.[11]
No entanto, no âmbito jurídico encontramos o significado do termo como
representando algo que abranja duas tecnologias distintas e talvez tenha sido
essa a razão do uso desta palavra. O Código de Processo Civil no artigo 431B[12]
estabelece que “tratando-se de perícia
complexa, que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, o juiz
poderá nomear mais de um perito e à parte indicar mais de um assistente técnico”[13].
Na França Pollaud Dulian também observa que para pedidos de patentes complexos
(demande complexe) podem ensejar a
divisão do mesmo.[14]
A legislação francesa se refere à unidade de invenção no artigo L.612-4 a qual
Schmidt Szalewski associa a pedidos complexos com base na jurisprudência,
embora o julgados citados que utilizam tal expressão sejam decisões de 1901[15]
e de 1879[16].
A Corte francesa se refere a patente com o “vício
da complexidade (le vice de complexité)” embora esta não seja considerada
uma causa para nulidade da patente.
[1] FGV, Projeto releitura dos acordos da OMC,
2012 capítulo 15. Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual
Relacionados ao Comércio (TRIPS) http://ccgi.fgv.br/node/132
[2] TRIPS
27.2 Members may exclude from patentability inventions, the prevention within
their territory of the commercial exploitation of which is necessary to protect
ordre public or morality, including to protect human, animal or plant life or
health or to avoid serious prejudice to the environment, provided that such
exclusion is not made merely because the exploitation is prohibited by their law
[3] FGV, Projeto releitura dos acordos da OMC,
2012 capítulo 15. Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual
Relacionados ao Comércio (TRIPS), p.95 http://ccgi.fgv.br/node/132
[4]
http://www.epo.org/law-practice/legal-texts/html/epc/1973/e/ar53.html
[5] CORNISH, William, LLEWELYN, David.
Intellectual property: patents, copyright, trademarks and allied rights.
London: Sweet&Maxwell, 2007. p. 228
[6] Case Law of the Boards of Appeal of the
European Patent Office Sixth Edition July 2010, p. 44
http://www.epo.org/law-practice/case-law-appeals/case-law.html
[7]
http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:31998L0044&from=PT
[8] POLLAUD-DULIAN, Frédéric , Propriété
intellectuelle. La propriété industrielle, Economica:Paris, 2011, p.156
[9] BODENHAUSEN, Guia para la aplicacion del Convenio de
Paris para la proteccion de la propriedad industrial revisado em Estocolmo,
1967, WIPO:Genebra, 1969 http://www.wipo.int/edocs/pubdocs/en/intproperty/611/wipo_pub_611.pdf
[10]
http://www.wipo.int/wipolex/en/wipo_treaties/details.jsp?treaty_id=2
[11] CARVALHO, Nuno. A
estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado. presente e futuro. Rio
de Janeiro:Lumen Juris, 2009, p.93
[12] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm
[13] O escopo da prova
pericial e critérios para a escolha do perito, Alexandre Freitas Câmara, In:
Revista da ABPI,n.89, jul/ago 2007, p.17 Lei No 5.869, de 11/01/1973 que
Institui o Código de Processo Civil, incluído pela Lei nº 10.358, de 2001,
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5869compilada.htm
[14] POLLAUD-DULIAN,
Frédéric , Propriété intellectuelle. La propriété industrielle,
Economica:Paris, 2011, p.261
[15] Cons. d’État, 5 agosto
1901 cf. SZALEWSKI,J.Schmidt; PIERRE,J.L. Droit de la propriete
industrielle,Paris:Litec, 1996, p.59
[16] Cons. d’État, 12 agosto
1879 cf. CHAVANNE, Albert; BURST, Jean-Jacques; Droit de la Propriété
Industrielle, Précis Dalloz:Paris,1976, p.47
Parabéns pelo blog e pelas postagens! Excelentes! Aliás, parabéns por todo o seu trabalho de disseminação de temas relacionados à PI. Esse tema, especificamente, é muito importante e atual. Como sabes, boa parte dos problemas que giram em torno da implementação da Patente Unitária Europeia dizem respeito à tradução.
ResponderExcluirobrigado, um tema que merece mais estudos. Sucesso no trabalho
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