quinta-feira, 16 de julho de 2015

Valcyte: uma sentença rica em conceitos

Atividade Inventiva

O TRF2 em decisão de 2015 em Hoffmann La Roche v. INPI   na ausência de um critério claro do INPI em suas diretrizes desenvolveu um critério que denominou Teste de Motivação Criativa – TMC. Consiste o Teste de Motivação Criativa - TMC nas seguintes etapas: “1) Determinação do problema e da solução técnica reivindicada; 2) Definição do estado da técnica suscetível de conhecimento por um técnico no assunto; 3) Determinação das anterioridades relevantes: verificar as semelhanças e as diferenças entre a solução técnica reivindicada e as anterioridades, identificando as que sejam relevantes à análise; 4) Exame da motivação criativa: examinar se um técnico no assunto teria sido motivado a realizar a combinação ou as modificações necessárias para chegar à solução técnica reivindicada, tendo em vista as informações constantes do estado da arte. Subsidiariamente, verificar indícios de atividade inventiva aptos a afastar a obviedade, tais como: a) a solução de um problema técnico há muito conhecido, mas não solucionado; b) a superação de um preconceito ou barreira técnica; c) a obtenção de sucesso comercial, se vinculado ao caráter técnico da invenção, e não à publicidade; d) o fato de a solução técnica apresentada pela invenção ser contrária aos ensinamentos do estado da técnica, obtendo efeito técnico inesperado. Concluindo pela obviedade, apresentar fundamentação com base em raciocínio objetivo apto a dar suporte à tese, conforme o seguinte rol exemplificativo, não taxativo: a) a combinação de elementos do estado da técnica de acordo com métodos conhecidos, produzindo resultados previsíveis; b) a mera substituição de um elemento conhecido por outro, sem a demonstração de efeito técnico vantajoso. inesperado, obtendo resultados previsíveis; (c) o uso de técnica conhecida na área geral, vizinha ou sugerida no estado da técnica da área em questão, para aprimorar dispositivos, métodos ou produtos similares, produzindo resultados previsíveis; (d) a escolha de solução óbvia de se tentar, dentre um número finito de soluções previsíveis identificadas, com uma expectativa razoável de sucesso que se mostrou fundamentada; (e) um ensinamento, sugestão ou motivação no estado da técnica, não necessariamente explícito, que teria levado alguém com conhecimento mediano a modificar a referência do estado da técnica ou a combinar os ensinamentos de referência do estado da técnica, para chegar à invenção reivindicada”. O mesmo teste já havia sido utilizado em outra decisão do TRF2.

Segundo o TRF2 em Hoffmann La Roche v. INPI [1]“No que tange à compatibilidade das patentes de seleção com o sistema patentário brasileiro, entendo que não há razões para considerar tais patentes, a priori, como incompatíveis com o nosso ordenamento jurídico. Inicialmente, deve-se consignar que não há previsão legal que vede a concessão das patentes de seleção em específico, razão pela qual devem ser elas entendidas como quaisquer outros pedidos de patentes de invenção, submetidos ao crivo dos requisitos legais de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial”. A PI9503468 é referente é uma patente de seleção que trata de uma composição farmacêutica cloridrato de valganciclovir, conhecida como o medicamento Valcyte, um medicamento antirretroviral utilizado no tratamento de pacientes com AIDS. Para a confirmação da atividade inventiva da patente de seleção a Corte entende a necessidade de comprovação de um efeito técnico inesperado. Segundo a perícia: “É sabido que os diésteres são mais lipofílicos que os monoésteres e, por esse motivo, um técnico no assunto esperaria que os diésteres apresentassem maior biodisponibilidade oral que os monoésteres. Olhando por esse prisma, se ao contrário, um monoéster apresentar uma maior biodisponibilidade que um diéster, tal efeito é inesperado, pois um técnico no assunto esperaria o contrário. É justamente esse efeito inesperado que o requerente pleiteia”. Tal comprovação foi apresentada em juízo, o que levou ao perito e ao INPI concluírem favoravelmente à atividade inventiva do pedido.

A Juiza observa que : “Verifica-se que a solução técnica desenvolvida pela EP375329, contém a solução técnica reivindicada na patente anulanda, dado que se propõe a resolver o problema de baixa biodisponibilidade oral do ganciclovir, recorrendo ao uso preferencial de ésteres do aminoácido valina [...] As semelhanças, além de claras, são numerosas. A diferença que pode ser apurada é unicamente a patente anterior não fazer distinção entre a biodisponibilidade entre os monos e os diésteres, ao passo que a patente anulanda afirma que os monoésteres apresentam uma biodisponibilidade ainda melhor em relação aos diésteres. Por essa razão, a controvérsia reside na resposta à questão se seria possível atribuir atividade inventiva ao pedido PI9503468, caso realmente comprovada a melhor biodisponibilidade do monoéster”. Contrariando o entendimento do laudo pericial e do INPI a juíza entende que a fórmula geral descrita na EP 375329 é capaz de gerar uma série de substâncias protegidas, inclusive o composto pleiteado na PI 9503468 e versa sobre os ésteres do aminoácido valina em geral incluindo não só os diésteres, mas também monoésteres e conclui: “entendo que uma pessoa versada na arte seria motivada a obter a solução técnica reivindicada na patente anulanda, com razoável e muito bem fundamentada expectativa de sucesso [...] Um técnico no assunto, então, teria motivos de sobra para testar tanto os monoésteres como os diésteres, pois os ésteres foram indistintamente definidos como vantajosos e a expectativa de sucesso dos experimentos revelou-se bem fundamentada, dado que não é um efeito técnico surpreendente que uma combinação ou outra, seja diéster ou monoéster, revele-se ainda mais vantajosa ”.

Para a juíza não ficou comprovado qualquer efeito técnico surpreendente na seleção que justificasse a patente: “Assim, os resultados obtidos pela patente anulanda não excedem o progresso normal da tecnologia, consistindo em simples extrapolação dos ensinamentos conhecidos, obtidos por meio de execução de trabalhos de rotina e de experimentação científica, que são mais comuns ainda na área farmacêutica. O resultado técnico obtido, que consiste em verificar qual dos dois ésteres apresenta uma melhor biodisponibilidade, é inteiramente próximo do ponto ensinado no estado da técnica, não envolvendo conhecimento para além do esperado de uma pessoa regularmente qualificada na arte, que, conforme já mencionado, deve ser entendida como alguém com capacidade de realizar testes de rotina, buscar soluções e fazer escolhas para resolver problemas técnicos, com base no estado da arte. A solução técnica reivindicada pela patente anulanda, ademais, não comprovou que a expectativa de sucesso na utilização de diésteres seria mal fundamentada ou contrariaria o prognóstico de vantagem na obtenção de uma biodisponibilidade de destaque dos demais grupos; apenas demonstrou qual dos dois ésteres possuiria uma biodisponibilidade ainda maior – não há distinção substancial do que já estava bem definido no estado da arte. O fato de a EP375329 não exemplificar e descrever expressamente o mesmo composto de monoéster de L-valinato de ganciclovir não lhe retira sua característica reveladora e nem infirma a obviedade em testar monoésteres, dado que o técnico no assunto não deve ser concebido como um autômato sem nenhuma capacidade criativa, e o composto reivindicado estava inteiramente contido na patente anterior. Ademais, embora não cite expressamente, a patente anterior menciona a presença de um monoéster em seu exemplo [...] Ademais, é de conhecimento da área que toda reação cujo produto desejado apresenta peso molecular (peso da molécula) menor que a soma dos pesos dos reagentes é desvantajosa economicamente, já que parte do preço pago nos reagentes é perdido nos subprodutos da reação. As reações de esterificação se enquadram nesta categoria. Assim, a possibilidade de uso de um único resíduo valinato, em lugar de dois, será preferida pela indústria, desde que a biodisponibilidade e os efeitos colaterais compensem a substituição de um pelo outro [...] Conforme já demonstrado, levando-se em conta que a área farmacêutica, por sua natureza, emprega normalmente a experimentação de compostos por meio de testes rotineiros, não é possível se atribuir ônus excessivo à obtenção da matéria reivindicada na patente anulanda por um técnico no assunto, dado que extremamente próxima e bem encaminhada pelo estado da técnica”.

Novidade:

O TRF2 em Hoffmann La Roche v. INPI [1] analisou PI9503468 referente é uma patente de seleção que trata de uma composição farmacêutica cloridrato de valganciclovir, conhecida como o medicamento Valcyte, um medicamento antirretroviral utilizado no tratamento de pacientes com AIDS. Segundo o perito judicial: “Como a Lei 9279/96 não é manifesta sobre o tema patentes de seleção, poderíamos classificar como novas tais reivindicações, se considerarmos que elas não estavam explicitamente descritas na patente EP375329, porém se considerarmos como estado da técnica todas os compostos factíveis a partir de possíveis substituições sobre o pedido de patente EP375329 (grupo Markush) com os substituintes sugeridos, tais compostos/composição realizáveis já estariam revelados, não sendo assim revestidos de novidade. Em resumo, cabe interpretação da norma legal”. A juíza conclui: “mesmo que os monoésteres e os diésteres sejam reivindicados pela EP375329 como apresentando biodisponibilidade surpreendentemente vantajosa, quando administrada por via oral, é inegável que a síntese do monoéster L-valinato de ganciclovir não foi especificamente exemplificada, nem a propriedade de maior biodisponibilidade do monoéster em comparação com o diéster. Assim, não estando a matéria do objeto da patente de invenção PI 9503468-4 comprovadamente antecipada de forma integral em uma única fonte, considero que a mesma é dotada de novidade”.

Suficiência descritiva

Segundo Denis Barbosa: “Mas só reproduzir o invento não basta para atender o requisito do art. 24 da Lei. É preciso que os documentos da patente contenham as razões técnicas pelas quais a solução descrita deve ser adotada. Deve haver o apoderamento do público. O público tem de acreditar na patente, e não entendê-la inviável – ou um simples pretexto para exercer um monopólio imerecido. [...] Mas tais informações não foram levadas ao público, no momento de emissão da patente. Sem esses documentos, o público compartilharia, ao exame dos documentos realmente revelados, da descrença do perito. Os documentos não eram suficientes para determinar as ?vantagens sobre o estado da técnica que constituem, ao que já expusemos, a aplicação necessária do art. 24 da Lei. Ora, essa falta de suficiência descritiva não será corrigida agora. Sua correção eventual, tantos anos após o depósito e concessão da patente, é daquelas missões inexequíveis – como a de descantar uma ópera, ou de retornar um filho ao ventre materno -, de que nossos civilistas falam. A patente é nula por falta de suficiência descritiva, e não se pode eficazmente corrigir os efeitos desta longa e nociva nulidade”.[1]

O entendimento do INPI é que apresentar vantagens da invenção isso não diz respeito a suficiência descritiva nem ao artigo 24. Na grande maioria dos casos o INPI revela nas buscas anterioridades que o inventor desconhecia e nesse momento, para se defender, vantagens são apresentadas. Toda esta argumentação é válida e pertinente para justificar a patente. Em nenhum momento pode-se usar a ausência destas vantagens quando do depósito do pedido para justificar insuficiência descritiva, o que seria injusto com o depositante. Ademais a apresentação de dados de teste à posteriori no intuito de sanar objeções relativas á atividade inventiva levantadas pleo examinador é um procedimento comum e não é considerada acréscimo de matéria no relatório descritivo do pedido mas sim como dados complementares que visam apenas a fornecer uma melhor compreensão dos testes experimentais já descritos no relatório descritivo. 

O TRF2 em Hoffmann La Roche v. INPI, contudo, se alinhou ao entendimento de Denis Barbosa: “Não havendo a comprovação suficiente do efeito técnico alegado, caso se entendesse pelo atendimento do requisito de atividade inventiva, a patente seria inútil, pois não existiria verdadeira divulgação de tal invento, dado que não havia informações precisas e suficientes, aptas a subsidiar pessoas versadas na área à construção de novas pesquisas e desenvolvimentos tecnológicos tendo a descrição e os dados científicos do invento por base. Assim, revela-se claro o não atendimento do requisito da suficiência descritiva”.[2] A juíza entendeu que os dados de testes apresentados posteriormente à data de depósito devam ser desconsiderados: “não deveria ser considerada para fins de análise, por utilizar conhecimentos não disponíveis quando do depósito do pedido”.




[1] TRF2 Apel. Cívl 2004.51.01.506840-0 Hoffmann La Roche v. INPI, Relatora: Marcia Maria Nunes de Barros  DJ: 15/07/2015, p.369- http://www.jusbrasil.com.br/diarios/95801468/trf-2-jud-jfrj-15-07-2015-pg-369

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