segunda-feira, 6 de julho de 2015

As diferenças do artigo 10 e 18 da LPI

Rowland Hill é considerado como inventor do serviço postal em 1836. Até então o correio era pago por quem recebia a correspondência e com base no peso da mercadoria e distância do envio, o que tornava o envio excessivamente dispendioso e por isso, muito pouco popular. Hill propôs uma franquia uniforme dentro da Grã Bretanha, independente da distância, e que fosse paga antes, em um valor fixado no selo[1]. Esta criação não possui aplicação industrial. Hill não contribuiu com nova tecnologia, pois as cartas continuaram sendo enviadas por carroças, embora os custos tenham decrescido em 80% com o seu sistema e aumentado consideravelmente o volume de mensagens enviadas por correio, o que contribui para redução do custo. Trata-se um método comercial e nesse sentido destituída de aplicação industrial.

Cyrus McCormick possuía em 1840 uma fábrica de segadeiras, usada na colheita agrícola, no entanto, tinha dificuldade em vendê-la para os agricultores de poucos recursos, ainda que a máquina recuperasse seu custo em duas ou três safras. Os mesmos agricultores tinham dificuldades em obter crédito no banco para compra da máquina. McCormick ofereceu a venda por prestações a serem pagas com as economias que os colhedores obtivessem nos três anos seguintes[2]. No esquema de McCormicke os fazendeiros que não tivessem condições de pagar o preço á vista da ceifadeira, cerca de 100 dólares, poderia pagar 35 dólares na primavera e os outros 65 dólares em dezembro.[3] McCormick é considerado o criador da venda a crédito e precursor da franquia de produtos[4], que consiste essencialmente de um método financeiro e, portanto, não constitui invenção pelo artigo 10 da LPI. Este método de venda não possui aplicação industrial.

Segundo Luiz Guilherme de Loureiro[5]planos, princípios e métodos são criações intelectuais que consistem no estabelecimento de certas diretivas ou maneiras de operar. A lei cita três domínios de atividade possíveis dessas criações: as atividades intelectuais, as atividades econômicas e o jogo. Como são abstratas, não podem ser diretamente aplicadas na indústria. Assim, mesmo que não fossem expressamente previstas como atividades não patenteáveis, não preencheriam elas o requisito da novidade, da atividade inventiva ou da aplicação industrial, exigidos para concessão do privilégio estatal”.

Segundo Benjamin do Carmo: “Entre nós a proibição é uma superfetação da lei. A exclusão de tais invenções, já se acha implícita no preceito legal que recusa o privilégio às invenções que não oferecem resultado prático industrial. Ora, os planos e combinações de finanças e créditos, como meras concepções abstratas, puramente teóricas, não se aplicam ás construções materiais, não tem caráter industrial, não podem apresentar utilidade ou resultado prático industrial, logo não seria possível o privilégio[6].

O TJSP em Cobtec – Tecnologia em Cobrança e Informação S/A v. Câmara Interbancária de Pagamentos [7] analisou o pedido de patente MU7801622 referente a sistema de cobrança bancária realizado através de sistema eletrônico de caixas postais individualizadas caracterizado por dispensar a utilização so serviço de correios (3) e efetuar as cobranças bancárias através de sistema eletrônico de caixas postais (2) individualizadas, beneficiando os principais participantes do sistema, os quais são o cliente sacado (1), o banco do sacado (4), o cliente cedente (5) e por último, o banco do cedente (6), sendo que as grandes oportunidades e vantagens para utilização deste sistema são para o mercado já participante de serviços de cobrança bancária com grande volume de sacados tais como aqueles originais de clientes cedentes (5) com carteira periódica de pagamentos. O pedido foi indeferido pelo INPI e a decisão mantida em sede recursal. A Corte seguiu entendimento do INPI: “como apurado na decisão de indeferimento do registro de patente, trata-se de método financeiro e comercial que não preenche os requisitos de patenteabilidade, não incluindo software que tovesse sido desenvolvido pela recorrente. A Lei da Propriedade Industrial Lei 9279/96 dispõe em seu art.10 não se considerar invenção nem modelo de utilidade os métodos comerciais e financeiros, assim com a Lei de Direitos Autorais (Lei 9610/98) em seu artigo 8º exclui os sistemas e métodos de proteção inerentes à propriedade imaterial. Da simples leitura dos desenhos que compõe o pedido de patente não se extrai atividade inventiva ou criação de utilidade, mas simplesmente propôs envio de correspondência por meio eletrônico (caixa postal eletrônica), ao invés de enviar tudo por correio ou mensageiro. Noutras palavras, trata-se de mera ideia de utilização de meio eletrônico, que antes já existia”.

Nos pareceres do INPI que enquadram a matéria como artigo 10 por método financeiro em geral no indeferimento não se alega falta de aplicação industrial. O examinador faz o enquadramento no artigo 10 e não emite uma opinião sobre a aplicação industrial. O conceito de aplicação industrial envolve capacidade de se reproduzido em escala industrial, utilização na indústria (em sentido amplo envolvendo setor primário, secundário e terciário), repetibilidade e solução de problema técnico. O artigo 10 lista matérias que não atendem aos requisitos de patenteabilidade, por exemplo concepções abstratas não tem aplicação industrial. O objetivo do artigo 10 é evitar que o exame se prolongue em matérias onde necessariamente alguns dos requisitos para concessão de uma patente não são atendidos, ou seja, sua função é de simplificar o exame. Não houvesse o artigo 10 invariavelmente tais matérias seriam excluídas da concessão de patetes por não atender a um dos requisitos de patenteabilidade, seja, aplicação industrial. O artigo 18 da LPI por sua vez cumpre outro objetivo pois envolve matérias que apesar de atenderem aos requisitos de patenteabilidade não são concedidas por questões de politica pública, por exemplo, material combustível usado em reatores nucleares. Nesse sentido como um método financeiro não é a solução de problema técnico ele não tem aplicação industrial e incide por isso no artigo 10 da LPI. Se por outro lado assumíssemos que um método financeiro tem aplicação industrial seria o mesmo que admitir que ele resolve um problema técnico. Se assim fosse não haveria embasamento para incluí-lo nas exceções do artigo 10, sua exclusão deveria constar do artigo 18 da LPI.

Considere um método de organizar uma fila de banco, um método de organizar um debate de presidenciáveis na TV ou método de comer uma maça. Apesar do método de comer  maça é de caráter privado e pode-se alegar falta de aplicação industrial por esta razão. Nenhum destes método possui aplicação industrial pois nenhum deles resolve um problema técnico e portanto não possuem aplicação industrial. Nenhum destes três métodos incide diretamente no artigo 10 da LPI, de modo que a única forma de vetara a concessão de patentes sem que seja necessária a realização de buscas de anterioridades é enquadrá-los como não tendo aplicação industrial.




[1] Inovação e espírito empreendedor, Peter Drucker, São Paulo:Biblioteca Pioneira de Administração e Negócios, 1986, p.335
[2] Inovação e espírito empreendedor, Peter Drucker, São Paulo:Biblioteca Pioneira de Administração e Negócios, 1986, p.341; CAMP, Sprague. A história secreta e curiosa das grandes invenções.Rio de Janeiro:Lidador, 1964, p. 136
[3] PHILBIN, Tom. As 100 maiores invenções da história, Rio de Janeiro:DIFEL, 2006, p.138
[4] A era do acesso: a transição de mercados convencionais para networks e o nascimento de uma nova economia. Jeremy Rifkin, São Paulo:Makron Books, 2001, p.48
[5] A Lei de propriedade industrial comentada, Luiz Guilherme de Loureiro, São Paulo:Lejus, pag 48
[6] JUNIOR, Benjamin do Carmo Braga, Pequeno Tratado prático das patentes de invenção no Brasil, Rio de Janeiro:Ed. Pocural 1936, p.28; PICARD, Edmond; OLIN, Xavier, Traité des brevets d'invention et de la contrefaçon industrielle, précédé d'une théorie sur les inventions industrielles, 1869, p. 177
[7] TJSP 0182386-77.2009.8.26.0100   Apelação Relator(a): Mendes Pereira  Comarca: São Paulo  Órgão julgador: 7ª Câmara de Direito Privado  Data do julgamento: 25/04/2012  Data de registro: 08/05/2012  Outros números: 01823867720098260100  

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