segunda-feira, 7 de julho de 2014

Bernhard Gross: patente para o Brasil ?

Em junho de 1933, desembarcava na cidade do Rio de Janeiro o engenheiro e físico de Stuttgart, Bernhard Gross. Seu interesse pelo Brasil surgiu na infância, durante uma viagem que realizou com a família pelas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Pelotas. Com pesquisas em raios cósmicos desde as décadas de 1930-40, Gross publicava os resultados de seus trabalhos em periódicos do Brasil e do exterior, como os Anais da Academia Brasileira de Ciências, o Journal of Applied Physics, Physical Review, Journal of Chemical Physics e a revista alemã Zeitschrift für Angewandte Physik, entre outros periódicos. Gross iniciou no Brasil, de forma pioneira, a pesquisa em Física da Matéria Condensada, pilar da Ciência e Engenharia dos Materiais.
A gênese das pesquisas de Gross sobre eletretos remonta a um dos primeiros trabalhos feitos pelo cientista no Brasil, em 1934 relativo a um pedido da empresa de energia elétrica e telefonia Light, sobre a resistência do isolamento de seus cabos telefônicos. Gross notou que os fios apresentavam um fenômeno conhecido como “absorção dielétrica”. Desde 1943, Costa Ribeiro trabalhou junto ao físico alemão Bernard Gross, ambos conhecidos por seu trabalho pioneiro em  Física da Matéria Condensada. Ao trabalhar com materiais dielétricos Costa Ribeiro observou que a fusão por aquecimento, sem aplicação de campos elétricos externos, fazia aparecer uma corrente elétrica no material isolante. Depois de solidificadas, as amostras permaneciam carregadas, constituindo eletretos. Em conclusão, para o eletreto se formar, bastava a natural solidificação do material dielétrico após ser derretido por aquecimento.
Segundo o cientista Jayme Tiomno: “Depois de preparar vários eletretos sem aplicação de campo elétrico externo, ele percebeu que o efeito era mais intenso quando o resfriamento era mais rápido – era um efeito da velocidade de solidificação. Construiu então uma aparelhagem engenhosa e de acabamento muito bem feito em que podia observar o movimento da interface do naftaleno líquido com o solidificado por resfriamento, medindo simultaneamente a velocidade de solidificação (ou fusão) e a intensidade da corrente elétrica detectada num eletrômetro de Wulf. Verificada a correlação dessas grandezas, estava descoberto o fenômeno termodielétrico ou efeito Costa Ribeiro”. A primeira publicação de Ribeiro descrevendo o efeito data de 1943. Intitulada “Sobre a eletrização da cera de carnaúba na ausência de campo elétrico exterior”, a comunicação foi feita na forma de uma apresentação à Academia Brasileira de Ciências e, em seguida, num artigo publicado nos anais da instituição.  [1] Joaquim da Costa Ribeiro desenvolveu, portanto, a compreensão do efeito termodielétrico ou “efeito Costa Ribeiro”, no qual um dielétrico adquire polarização e carga permanente sem aplicação de um campo elétrico externo. Existem muitos materiais que podem ser utilizados na produção de eletretos. Cera de carnaúba é especialmente apropriada para experiências de laboratório, mas ela perde a estabilidade mecânica (fica quebradiça), não sendo conveniente para aplicações industriais
Bernhard Gross e seu grupo de pesquisas no INT iniciou pesquisas sobre eletretos em conjunto a uma pesquisadora francesa, Line Ferreira Denard, que estava trabalhando no INT. Em 1962 os cientistas James West e Gehard Sessler dos Laboratórios Bell desenvolveram o microfone de eletreto, menor e muito mais sensível que os demais microfones do estado da técnica e hoje produzido em milhões de unidades anualmente. O conhecimento desenvolvido por Gross e do grupo de pesquisas do INT sobre eletretos permitiu o avanço nas aplicações industriais desses materiais, das quais uma das mais difundidas é o microfone de eletretos. Gerhard Sessler e James West solicitaram a patente da invenção em 1962 junto ao USPTO (US3118022). Os pesquisadores dos laboratórios Bell utilizaram como matéria-prima folhas de teflon, material cujas propriedades mecânicas, baixíssima condutividade e possibilidade de ser fabricado em finas folhas permitiram sua aplicação no microfone. O assistente de Gross, Preston Murphy, chegou a usar a tecnologia do INT no desenvolvimento de microfones de eletreto nos Estados Unidos em 1963. De acordo com Gross, “quando voltou aos Estados Unidos, associou-se a uma companhia, onde desenvolveu um tipo de microfone de eletreto com base nos conhecimentos que adquirira aqui, valendo-se daquela facilidade extraordinária dos americanos para fazer gadgets, virtude que não possuo. Arranjou contratos por lá e montou uma grande linha de produção de microfones de eletretos”. Gerhard Sessler reconheceu a contribuição de Gross dedicando-lhe o livro “Electrets”, editado por ele inicialmente em 1980. Em um artigo publicado no Brazilian Journal of Physics em 1999, Sessler afirma que Gross assentou as pedras fundamentais da pesquisa moderna em eletretos, guiou a sua evolução durante mais de meio século e ajudou a estabelecer esse campo como uma disciplina respeitada da ciência moderna. [2]
Em 1958 em visita ao MIT nos Estados Unidos, Gross observou que durantes pesquisas com raios gama os grosso vidros da janela do laboratório, de cerca de 50 cm haviam sido destruídos por rupturas elétricas sem qualquer irradiação de partículas. Para Gross o efeito era decorrência de projeção secundários Compton quando os raios gama atravessavam as janelas de vidro, que Gross chamava de correntes Compton. Ao retornar ao Brasil, Gross prosseguiu suas investigações com apoio de Edgar Meyer e Preston Murphy. Um primeiro trabalho foi publicado em inglês na revista alemã Zeitschrift fur Physik, apresentando resultados que já continham todos os elementos essenciais. Imediatamente Gross concluiu que daquele efeito deveria permitir a construção de dosímetros, o que o fez solicitar patentes no Brasil, Estados Unidos e Alemanha em 1960 (US3122640). Em 1960 e 1961 foram publicados trabalhos sobre a teoria do dosímetro e em vários congressos da Agência Internacional de Energia Atômica. Os dosímetros de Gross embora menos sensíveis eram mais resistentes e passaram a ser fabricados pela empresa EEG dos Estados Unidos na monitoração de explosões nucleares. Gross comenta: "Quando soubemos disso, procuramos fazer valer o direito de patente, mas fomos driblados pelos truques da legislação comercial americana". Gross conclui: "Eu tive a grande felicidade, ou infelicidade, de, não digo fazer uma descoberta, mas de fazer uma observação que teve consequências certamente de grande importância técnica, mas que pela própria natureza do assunto, só podia ser de interesse para alguns países tecnicamente avançados".[3]

Bernhard Gross [4]



[1] SBPMAT, História da pesquisa em Materiais: Joaquim da Costa Ribeiro e o efeito termodielétrico, http://sbpmat.org.br/historia-da-pesquisa-em-materiais-joaquim-da-costa-ribeiro-e-o-efeito-termodieletrico/
[2] FARIA, Roberto Mendonça. Bernhard Gross: pai da pesquisa em eletretos no Brasil. http://sbpmat.org.br/bernhard-gross-pai-da-pesquisa-em-eletretos-no-brasil/
[3] Cientistas do Brasil, SBPC, 1998, páginas 143 a 157
[4] http://www.canalciencia.ibict.br/notaveis/bernhard_gross.html

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